A JOSÉ DE MATOS

Não nos conhecemos, entretanto, temos dois "algo em comum". O meu livro, Desavisado e Sabichão, e o seu, A Essencial Arte de Pensar. Somos autor e leitor recíprocos.

Bem, assumo a hipótese de que você me leu tal como eu o li, o que, como hipótese, teria que ser demonstrada. Vou fazer a minha parte.

 

Seu livro me chegou impregnado de oportunidade. Há tempos, há mais de 45 anos, rondo os filósofos. Na minha sala, lado a lado, Platão, Schopenhauer e Sartre esperam pela minha chegada para um embate filosófico. Eu até me aproximei para lhes ouvir a conversa por duas ou três vezes, mas acabei desistindo aos 15 minutos. Creio que se esperaram até agora, não se importarão se eu não aparecer nunca.

 

O seu Arte de Pensar me deu a convicção que, por pudor, eu temia ter, a da inutilidade de ler os clássicos. Mesmo Schopenhauer, mais moderno, me deu sono. E para Sartre, tendo sido levado para o mundo da publicidade, lógico foi ser atraído pelo seu A Imaginação, isso logo aos 20 anos. Até hoje, como disse, não passei da 15ª página.

 

Daí o valor que seu compêndio - acho este termo absolutamente adequado ao trabalho hercúleo que exigiu - teve para mim. Pude conhecer as principais ideias de mais de uma centena de pensadores sem precisar abarrotar minha biblioteca, física e mental.

 

Hoje estou convicto do que desconfiava, que as ideias dos pensadores até o século XIX caducaram. E convicto de que, se todos voltassem à vida neste século XXI, todos, seguramente, iriam rever suas deduções.

 

Depois de Darwin, Watson e Crick, Dawkins, Hawkins, e muitos outros, e das imagens do Hubble, há que se refazer a filosofia. Ou abandonar a filosofia, na medida em que, como você mesmo escreveu, se "para o homem que vivia na época medieval, não havia distinção alguma entre filosofia e ciência", só havia, portanto, filosofia, para o homem futuro talvez só haja ciência. O que digo não está muito longe do que propôs Merleau-Ponty, que "a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo", face às novas descobertas da ciência. 

 

Sou um pensador. Não escolhi sê-lo. Nasci com uma matriz de neurônios que me faz pensar e agir do jeito que penso e ajo. Não aprendi sobre isso. Meu pensar é instintivo, impulsivo, incontrolável. Não acredito em ensinar a pensar alguém que não tenha matriz semelhante. Me tornei ateu aos 12 anos. Minha habilidade com as palavras emergiram em meus textos de adolescente.

 

Discordo frontalmente de Sócrates, e por consequência, de você, por considerar que apenas "o pensamento reflexivo leva o homem ao bem viver". Eu vivo tão bem (ou mal) quanto Messias, o jardineiro humilde, desdentado, que passa caminhando em frente à minha janela afirmando para seu amigo de conversa que "eu tenho uma vida muito boa e feliz".

 

Bem, vou terminando. Agora que tenho mais tempo para mim mesmo, estou organizando minhas ideias. É meu sonho deixar como contribuição para os próximos minhas reflexões: sobre o caráter inconsistente do que seja realidade; sobre a verdade que só existe na subjetividade; que na mente tudo é percepção; que não existe a perfeição que o homem almeja; e que tudo, por imperfeição, faz o Universo mais que perfeito. Se concretizar, não o será com a pretensão de um filósofo, apenas com a imperiosa força da vontade de um pensador incorrigível.

 

E muito obrigado por me ter retribuído com seu Arte de Pensar. Foi essencial!

 

Um grande abraço.

 

Paulo Vogel

Itaipava, 7 de novembro de 2013