ESPÍRITO DE NATAL

 

I - A terceira lei

 

        — E 94? Será que vamos continuar nessa bagunça?

        Estava distraído, espreguiçado na cadeira da sauna do condomínio, observando aquele senhor, meu vizinho de prédio, parecido com... já sei! Yves Montand (pelo menos com isso minha mulher concordou). Depois da ducha fria,  enxugava-se. Ninguém mais. Eu, único interlocutor de um papo... bem, isso é o que vou reproduzir.

        — É, tem muito safa... - Tentei um comentário.

        — Isso tudo - ele atropelava - podia acabar só com três leis. A primeira só iria dizer o seguinte: só vota quem paga Imposto de Renda. É uma lei elitista, concordo. Mas acaba com o comércio de voto em troca de bolsa isso, bolsa aquilo, tijolo e outras coisas. O cidadão que paga imposto vai votar no político que apresentar a melhor proposta para aplicar o dinheiro que ele entregou ao Estado.

        E continuou falando, caminhando pra lá e pra cá, e olhando pra mim. Num momento, até curvou-se um pouco para segredar-me a lei tão simples e tão óbvia, talvez com medo de alguém surrupiá-la no ar e se fazer autor e angariar as glórias perante a nação.

        Eu me deliciava tanto com seu jeito simpático e sua ideia prática e óbvia, segundo ele, que não ouvi a segunda. Tento, faz dias, cavoucar nos recantos da memória uma ponta, um fio de meada, mas nada. Lamento, mas vou dever ao país o enunciado de uma lei salvadora, por certo, tão simples quanto a primeira.

        — ... com estas duas - minha atenção voltava ao conteúdo do discurso - só precisaríamos de mais uma. A Suíça, sabemos, é depositária de todo o dinheiro sujo e ilegal do mundo, não é? Pois bem, a terceira lei é esta: a Suíça fica obrigada a fornecer os saldos de todo tipo de aplicação financeira dos candidatos a cargos públicos no Brasil. Pronto, não é simples?

        Eu ia refutar com algum argumento semelhante ao que deve estar passando pela cabeça do leitor, mas o senhor Que-Parece-Com-Yves-Montand não pretendia dar espaço para o que eu pensava ou não de suas ideias. Ele mesmo cuidou de destruir sua formulação.

        — Mas como ninguém pode obrigar país nenhum a fazer isto, então, não tem jeito, ano que vem, vai continuar tudo na mesma.

        E sem dar tempo de manifestar minha reação, calçou os chinelos de borracha, ajustou o roupão de banho e, saindo, acrescentou:

        — Mas tudo isso é brincadeira. Apenas motivo para votos de um Bom Natal e um Feliz Ano Novo!

        Só então percebi. Ele não queria conversar, só alguém para compartilhar um voto de esperança. Por certo ele nem ouviu minha sussurrada resposta: 

        —  Para o senhor também.