ESPÍRITO DE NATAL

 

 

III - O conto do menino da Zona Sul

 

        Quem me conta é o Rui, na primeira reunião do ano do Clube dos Meia,  enquanto esperamos a minha mulher e a dele, Nanci, com quem se passou a istória.

        Foi na semana anterior, de Natal, ela, de carro na Visconde de Pirajá, altura da praça Nossa Senhora da Paz, às voltas com as últimas compras. Parada no engarrafamento, vê o menino em prantos, lágrimas em cachoeira pelo rosto abaixo, sentado no meio-fio, dois ou 3 metros à sua frente. O trânsito avança, ela fica bem ao lado do menino. Pergunta “por que choras, menino?”. Um garoto maior roubou-lhe o dinheiro arrecadado na venda de chicletes. Ela se enternece. "Merda de país!" Vasculha na bolsa, apanha uma nota de mil, "não vai resolver", apanha outra, "mais, não dá!", estica o braço;  ele pega, as lágrimas param;  o carro de trás buzina;  ele sai correndo; ela arranca, dobra a esquina, caminho livre, alma lavada, consciência aliviada.

        Sexta-feira à tarde, véspera de Natal, as lojas fechando, um último presente, esqueceu da sogra! "Agora você vê, ela esqueceu logo da minha mãe!" me conta, ressentido, o Rui.  Vai no Leblon,  na Carlos Góes, pára o carro perto do cinema, compra o presente "da velha" e quando volta vê um pequeno tumulto na esquina. Ouve as vozes misturadas "Coitado!", "Alguém viu quem foi?", "Chora não. Olha aí, cada um dá um pouco pra inteirar o tanto que o outro roubou.", "Quanto foi?" Ela seguiu abrindo espaço na roda até ver um menino chorando, soluçando, igualzinho ao crioulinho de Ipanema. "Seu moleque duma figa!" resmungou calada. Pegou-o pelos ombros, levantou-o do chão, ia dizer palavrões, ia vomitar o sentimento de caridade traída que invadia a sua alma. O povo em volta esperando o desfecho. Mas era véspera de Natal e os olhinhos de jaboticaba, brilhando daquela maneira, amoleceram a raiva de Nanci.

        Devolveu o menino ao chão. Levantou-se, abriu a bolsa, pegou quinhentos Cruzeiros Reais, colocou a nota na palma da mão do sem-vergonha, deu-lhe um beijo na testa e desejou-lhe Feliz Natal.  Antes de ir, virou-se e desejou:

        — Feliz Natal pra vocês também!