RESPEITO É BOM E A GENTE GOSTAMOS

 

 

 

Prezada Ministra(*),

Permita apresentar-me. Sou um cidadão, desses que a senhora não encontra por aí porque está nos gabinetes de Brasília - paraíso da oligarquia - mergulhada nos grandes problemas econômicos nacionais, sem tempo para dar atenção a essa turma de "espíritos de porco" que insistem em continuar mantendo seus empregos, insistem em continuar sustentando suas famílias, insistem, teimosamente, em continuar a viver, numa clara ação de desobediência civil, e que, principalmente, insistem em prejudicar o seu trabalho, honestamente gerido pelo seu amor a este gigante eternamente adormecido, mas que conta com a senhora para levá-lo à condição que merece no cenário internacional.

Sou um desses aí. Um desses mais de 135 milhões de cidadãos que não fazem parte nem do poder político, nem dos cartéis, nem são detentores de monopólios, nem fazem parte da sua equipe a quem (não me culpe, deu no jornal) V. Excia. incluiu no grupo que "fora nós, não há mais ninguém que queira acabar com a inflação". Pois é sobre essa declaração que me dirijo à V. Excia. neste momento em que se completa 1 ano deste governo que preza por um novo liberalismo - o liberal-autocrático -, no qual "todos são livres desde que metidos convenientemente numa camisa de força".

É preciso salientar o que não sou: economista. Esses que "prestam mais atenção no penduricalho do que no essencial" como a senhora definiu. Muito pelo contrário. Faço parte daqueles que atualmente mal conseguem cuidar do essencial. Coisas como manter o emprego, comer, vestir, pagar a escola, o aluguel, a luz e os impostos, estes tão bem administrados pelo poder público. Portanto, é na condição de ignorante na matéria que fico curioso em saber a mágica inflacionária.

Corrija-me se eu estiver errado. Nos meus tempos de FEAUSP (temos alguma coisa em comum, mas preferi a Administração), a causa da inflação era a emissão de moeda (floreios à parte), conforme aprendi em Princípios de Economia, de P. A. Samuelson, um prêmio Nobel no assunto. Nestes já passados 20 anos, esses economistas a quem a Ministra se referiu como os “únicos”, já culparam o chuchu, o boi perdido no pasto, o dentista (estes, não satisfeitos com as dores que já nos causam), os derrotistas, as elites, o salário mínimo e, até, a psicologia, todos, obviamente, sempre muito bem acompanhados pelos vilões prediletos dos políticos, os empresários. E desta minha incômoda burrice, fico eu com meus tutanos a raciocinar: se os preços quadruplicam, é necessário o quádruplo de moeda; se o governo não emitiu moeda, é porque houve transferência de renda; se há recessão e os salários estão em queda, é porque a transferência é das camadas menos favorecidas para as de maior renda. Não, não deve ser isso. Uma outra hipótese pode ser a de que, apesar do superávit de 1% no orçamento, o governo esteja emitindo moeda para ajudar "momentaneamente" alguns governos estaduais, alguma empresa aérea ou de navegação, algumas estatais com tarifa eternamente defasada... Quem sabe? A Ministra, com toda certeza.

Ou tudo é uma grande mentira? Nestes tempos em que a moda é a "contra-indução", pode ser que estejamos vivendo uma adaptação da teoria fascista de que uma mentira, se repetida várias vezes, acabe por se transformar em verdade.

Não caia nessa armadilha, Ministra. A última tentativa que foi feita deu no que deu. Centenas de brasileiros torturados, desaparecidos e assassinados. E qual foi o resultado além dos traumas dos quais até hoje ainda não nos livramos?

É na parte de baixo da pirâmide que as regras são feitas, pois é a necessidade a lei econômica que regula as relações entre os cidadãos, e não medidas provisórias. E é a credibilidade que define o espírito dessas relações. A verdade pode ser dura, mas se conhecida, confiamos no futuro, tornamo-nos solidários, nossa criatividade se aguça, lutamos com satisfação e respeitamos nossos limites (a história das nações nos períodos de guerra está aí como prova). Do contrário é a lei da selva. É o salve-se quem puder. É o hoje. Sou eu ou o outro. É vida ou morte. Por isso, não nos acue. Não nos faça gatos encurralados num beco em que a única saída é mostrar os dentes, eriçar o pelo e partir pra cima.

O exercício do poder exige mais do que conhecimento técnico. Exige sabedoria. A sabedoria da humildade em reconhecer que a sociedade trabalhadora brasileira é 140 milhões de vezes mais sábia que Vossa Majestade. Sabedoria. E não venha mais nos desrespeitar com declarações prepotentes como "Fora nós, não há mais ninguém...".

Porque somos inútil, mas respeito é bom e a gente gostamos.

 

(*) Zélia Cardoso de Mello

Paulo Vogel

4/02/91