O Presidente Itamar revela que ultimamente tem recebido umas vinte cartas por dia pedindo o fechamento do Congresso Nacional. "Algumas são escritas por crianças", ele revela e acrescenta: "Deve ser o pai que escreve porque criança não sabe escrever isto."

 

JORNAL DO BRASIL - 10/11/93

 

 

 

 CARTA ABERTA DE UMA CRIANÇA PRECOCE AO PRESIDENTE DO BRASIL

                                                     

            Querido Presidente,

 

            Desculpe se vou ser sucinta. É que tenho de fazer o dever de casa mas, enquanto mamãe não vem, aproveito pra meter meu narizinho onde não sou chamada.

            Fiquei muito impressionada em ler no jornal que existem crianças da minha idade que têm pais que usam o nome delas em vão, em cartas para o nosso Presidente e falando coisas que a gente não falou. Não quero nem pensar se pego meu pai fazendo isso! Ficava um mês de mal, sem dar nem um beijo nele. Além do mais, a única coisa que pedi foi uma boneca nova no Natal.

            Não me tome por atrevida (apesar da vizinha achar que sou). Só tomei coragem porque fiquei muito preocupada com os pedidos das outras crianças e o medo, às vezes, dá coragem. Eu nunca poderia imaginar que o Presidente do Brasil tivesse tempo de ler carta de pirralha. Achava que Presidente só tratava de coisa de gente grande. Aproveito pra agradecer, de coração, em nome de toda a criançada do Brasil. Mas se é assim, pensei, quem sabe se eu contar meus pesadelos pro Presidente eles não acabam?

            Tenho sonhado com Generais por toda parte. No quarto, no banheiro, de baixo da cama, em tudo que é lugar. Abro o armário e lá está um General, dedo no meu nariz, falando que tenho sido uma menina desobediente e que vou ser castigada, de joelho sobre o milho, por ter roubado uma bala do Joãozinho, filho da Dona Naná. Em outros dias o General aparece me dizendo que não presto, que sou isso e aquilo, que sou incapaz de andar sozinha, que ele tem de ficar o tempo todo me vigiando se não eu faço besteira igual meu pai fez anos atrás quando era criança que nem eu.

            E quando ele diz que vai me prender!? Nossa Senhora! É sempre nessa parte que eu acordo, Presidente, sobressaltada. O coraçãozinho batendo tão forte que eu penso até que vou morrer. Aí eu corro pro quarto da mãe (meu pai vive dizendo "eu quero minha mãe!"), ela me abraça e manda que eu conte quantos anõezinhos cuidam do orçamento, mas aí é que eu não durmo mesmo.

            O Senhor não acredita nesses pesadelos e é por isso que faço um pedido. Eu descobri que tem muita criança por este Brasilzão grandão que sofre do mesmo mal que eu. Aí, eu queria que o Senhor fosse na televisão e falasse pra todo mundo ouvir que isso é só pesadelo de gente boba e medrosa, e que a gente pode confiar no senhor porque logo logo isso vai passar.

            Sabe, Presidente, tenho certeza que esse é aquele "algo forte pra dizer" que o senhor diz que está faltando. E garanto que não vão ser só "umas vinte", mas serão milhões de crianças que  ficarão muito felizes em saber que o nosso Presidente é um homem em que se pode confiar, que não dá bola pra bicho-papão e é tão grande, forte e corajoso quanto meu pai.

            Com um carinhoso beijo da Filha do Pai.

            Juro.

 

10/11/93