COISA DE POLONÊS

                                                                                            

          BARRA DA TIJUCA - 16H de um domingo de sol - volta da praia. Chegando à beira do Canal de Marapendi.  Surpresa! Balsa do condomínio Riviera Dei Fiori à deriva, lotada,  no meio do canal, sem vela nem motor. Balseiro novo, problema antigo. E lá vai ela ao sabor da corrente. Balseiro joga âncora, pega  o remo, não! esquece o remo, joga a corda, pronto, funcionou. Alívio geral, imagino. Eu, meu amigo de caminhadas no calçadão e suas duas filhas, ali, olhando e perguntando, e agora!? Ponte da Safadeza (aquela, do Múcio, em homenagem(?) ao Lúcio Costa) ou sentar e esperar. Se  ainda fosse o Marquinhos... Tudo seria resolvido, garanto.  Vantagens de funcionário antigo e com massa encefálica que já faz parte da... como direi... família rivierense. Mas de lá , logo, logo  nosso balseiro - com polegar em gesto típico - nos informa que o motor pifou. O reserva? Ora o reserva! Tá no conserto, bolas! Impropérios contidos (tem criança pequena por perto), só nos resta uma opção: dar a volta pela ponte. Nada disso. Olha lá  a balsa dos nossos vizinhos, o condomínio Jardim Clube da Barra. Vamos lá  que pelo jeito a nossa não vem. Mas quem vem é a outra com moradores para um final de tarde na praia. E vai voltar vazia, o que diminui a chance da recusa em nos levar. "Recusar? Impossível Paulo, não tem chance!" diz meu amigo. Mal sabe ele, penso cá  comigo, 12 anos nesse  pedaço, não aposto tostão furado. Vou andando, vou pensando. Bancar o morador ou ... Não, vai perceber nossas caras estranhas, melhor ir pelo caminho da verdade. Chego falando...Companheiro (fala amistosa de se chegar)  sou morador do Riviera e, olhe lá , nossa balsa quebrou. Precisamos que faça o favor de nos atravessar. "Ah! Dá não senhor".  E isso com cara de quem tivesse ouvido tremenda  ofensa. Mas como? Quê isso? A nossa quebrou e estou pedindo sua ajuda. Amanhã pode ser esta e você não vai querer  que o Riviera se negue a atravessar os moradores daqui... "Nu qui mi interessa tô nem aí".  Mas isso é questão de solidariedade, insisto. "Dá não..." Já  entendi. Ordis são ordis e se não cumpridas redundam em demissão sumária. Ficamos nós ali,  indignados, revoltados. A culpa não é dele, é de quem deu a ordem diz o Rubenzinho (o meu amigo). Não concordo  porque a falta de discernimento não  pode ser vista de  uma maneira patriarcal, aquela do coitado, não tem instrução etc. Sei lá, talvez ele tenha razão porque a moda é a teoria administrativa do "quanto mais perto de um imbecil completo, melhor". 

          Eu fico com as crianças e Rubenzinho vai a pé buscar o carro, é o jeito (pra quem não conhece é uma volta de uns 3 km  mais ou menos). Mas  um outro  discriminado morador do Riviera já conseguiu, por sinais, pedir que venham lhe buscar. Meu amigo espera, vai pegar uma carona. Enquanto isso mais desafortunados vão chegando. E tendo a mesma esperançosa ideia. De longe percebo que há uma nova discussão com o balseiro do vizinho. Resolvemos nos aproximar e verifico que uma moradora do Riviera se instalou dentro da balsa, tipo não-me-leva-mas-também-não-vai. Mulher tem dessas vantagens, se é homem a porrada já tinha comido solta. Outra senhora, esta moradora do JCB (sem má intenção, a sigla é essa mesma, o que eu posso fazer?) dá seu depoimento de que todas as segundas feiras ela atravessa pela balsa do Riviera. Um rapaz de seus 18 anos contesta e afirma que sempre é barrado. Eu, pra não ficar por baixo, dou meu risinho cínico-sarcástico-desdenhoso-prepotente. Não falei, mas lembrei que sou testemunha de que os seguranças do condominio Vivendas atravessam todos os dias pela nossa balsa. E lá  do lado de lá aparece (o que parece) ser o chefe do desafeto. Blá-blá-blás desconexos e vem a ordem: "traz eles que aqui a gente resolve". Ufa! Não sem antes o zeloso comandante da embarcação ainda espernear numa última tentativa : "Não sei se vai dar pra todo mundo não". Magina! penso eu, último da fila. Mas lá vamos nós em bate boca de indignados mas aliviados.

          Desembarcamos e Rubenzinho tem um comentário que resume tudo: "Paulo, estamos perdidos. Até mesmo entre nós, classe média acuada, não existe solidariedade". Eu arremedo. Verdade verdadeira, isso não é de hoje. Tem história. E somos nós, rivierenses, que temos de assumir uma nova postura porque fomos nós que começamos.  Lembram? Faz alguns anos, instituimos carteirinha para atravessar na balsa. E pra quê? Pra evitar que a turba, aos domingos, estacionasse aqui para ir à praia. Isso é mais um dos princípios de nossos administradores pós modermos:  pegue a exceção e faça uma lei para o geral.  Pois é, taí o resultado. E eu é que sou o reacionário!!!

          E na televisão é aquilo que se viu. Ordas de funqueiros em baderna social pelas praias enquanto nós, apavorados, aboletados nas sacadas de nossos 3 ou 4 quartos (cuidado com a bala perdida!) assistimos,  pensando em como criar uma carteirinha para  impedir que esses marginais usem nossas praias.

          Solidariedade, nem pensar. Isso é coisa de Polonês. Ou desse tal de Betinho.

12/10/93