VADE RETRO HIPOCRISIA!

 

 

Se se deseja, verdadeiramente, tirar algum proveito das denúncias de corrupção surgidas recentemente, há que nos despirmos da hipocrisia, sem o que nenhum proveito obteremos. É para iniciar um processo de desipocrização geral que dou aqui minha contribuição.

 

O proveito desta CPI do Cachoeira, a dos Correios, a dos bingos, a do mensalão ou qualquer outra futura, dependerá de que todos os cidadãos brasileiros façam reflexões sobre a hipocrisia que permeia nossas vidas.

 

Há que se aceitar que a corrupção é um dos tantos recursos que o ser humano usa para sobreviver.

 

Há que se entender que existe uma corrupção social (aceita por todos), uma corrupção venal (desaprovada pela maioria) e uma zona, entre elas, nebulosa, onde não conseguimos saber quando é uma, quando é outra.

 

Há que aprendermos que qualquer pessoa em uma função que decide quanto e de quem comprar (no setor público ou privado), recebe pressões de toda a natureza para privilegiar um em detrimento de outros, e que muitos irão cobrar por isso.

 

Há que se admitir que não existem inocentes em sistemas como a polícia, a justiça, o poder executivo, o poder legislativo e outros, cuja essência da atividade de seus participantes é de, seguidamente, tomar decisões que prejudicam uns e beneficiam outros. Nestes sistemas, ou a pessoa é beneficiária da corrupção, ou sua patrocinadora, ou conivente, ou hipócrita ou... cai fora.

 

Há que deixarmos de ser hipócritas e assumir que, dado o sistema político-eleitoral brasileiro, não existe um só político eleito que não tenha recebido em sua campanha, direta ou indiretamente, algum recurso “ilegal”.

 

Há que nos recusarmos a aceitar como “natural” que um político encerre seu mandato com um crescimento patrimonial que nunca se justifica pelos rendimentos normais do cargo ocupado.

 

Há que deixarmos de bajular os que estão no poder, na esperança de também vir a sobrar algum pra nós.

 

Há que compreendermos porque todas as empresas que vendem ou venderam, prestam ou prestaram serviço, para qualquer órgão do governo, em qualquer instância, têm alguma história para contar de achaque recebido, tenham eles sido ou não rechaçados.

 

Há que considerarmos que em todo sistema existem os bem e mau intencionados e que não se acaba com a corrupção sem que se acabe com a humanidade. O que se pode fazer é, através de um sistema legal eficiente e eficaz, permitir que os bem intencionados possam existir e se multiplicar mantendo-se em maioria.

 

E finalmente, há que termos a convicção de que os honestos, para continuarem honestos, orgulhando-se de serem honestos, precisam de uma recompensa: a punição dos desonestos.

 

Desipocrisar, portanto, é nossa primeira difícil tarefa. Desipocrisar significa tirar a venda dos ollhos e olhar, sem medo, para tudo que temos evitado ver e compreender. Desipocrisados, poderemos prever um futuro mais digno para todos nós.