EM COMPENSAÇÃO...

 

Quando Deus foi perguntado por que havia privilegiado tanto o Brasil, sem vulcões, terremotos, maremotos, guerras e outras provações, ele teria respondido: “Em compensação, olha o povo que coloquei lá!!!”.

 

Esta “Lei da Compensação” tem norteado a atuação das elites brasileiras que dominam o Estado e, principalmente, que controlam os meios de produção. Os argumentos são rançosos. Ou é porque os brasileiros não passaram pelas privações que guerras trazem (alguns economistas defendem a guerra como fundamental ao desenvolvimento das nações); ou a culpa é do pretenso legado de leniência e roubalheira deixado pelos portugueses; ou por outros de semelhante dose de hipocrisia.

 

É fato que a alguns países devastados por grandes guerras, soergueram dos escombros em curto espaço de tempo. Mas isto graças às injeções de capitais via planos Marshall de todos os tipos, coisa que ninguém parece se lembrar.  O brasileiro tem sido vitima deste pensamento que o impede de progredir porque, quando muito, colocam como limite de crescimento anual uma taxa de 5 a 7 por cento do PIB. E o que dizer do governo quando aceita como razoável a perspectiva de crescimento zero para um determinado período?

 

Os defensores desta doutrina de rédea e cabresto curtos na sociedade, argumentam que taxas mais elevadas significariam problemas futuros: falta de energia, insuficiência nos transportes e nas comunicações, incapacidade para manter o financiamento de bens de capital e o investimento público, e outros considerandos do economês. Até parece que estamos numa economia estável, com uma correta distribuição de renda, sem miséria e outras injustiças sociais. Muito ao contrário, somos um povo tutelado há 516 anos. São 516 anos de interferência na vida do cidadão. De colonialismo sob as mais diversas fachadas. Neste período, adquirimos uma excepcional experiência em inventar artifícios para escapar das armadilhas protecionistas de governos paternalistas. Via governantes, o que conseguimos foi uma das mais baixas rendas per capita do mundo.

 

Temos sido (mal) tratados como têm sido (mal) tratados nossos índios. Por nos tomarem como incapazes e desprotegidos, cerceiam nossa criatividade e castram nossa coragem. Sob o pretexto de um crescimento controlado, só nos criaram mais problemas e nenhuma solução. Como nos atribuir uma pretensa incapacidade se nunca nos deram liberdade para caminharmos com nossos próprios pés?

 

Queremos crescer a 20% ao ano se formos ousados para tanto. Queremos ter todos os problemas resultantes do crescimento porque deles saberemos tirar soluções. Que falte energia! Com a nossa vontade encontraremos novas formas de gerá-la. Que faltem estradas! Encontraremos novos caminhos. Queremos linhas cruzadas porque nos cruzamentos nos encontraremos com um país mais justo na distribuição de renda. Queremos que falte capital porque nossa capacidade de trabalho suplantará a falta de máquinas e equipamentos. Queremos passar por todos os desafios porque estaremos com o país, finalmente, entregue aos brasileiros, o tal “povo” de quem os políticos falam em época de eleição. Povo que há muito aprendeu que a necessidade é mãe da solução.

 

Não podemos perder mais tempo. Somos uma geração de brasileiros angustiada e pronta para assumir a concretização deste sonho possível. Pela televisão estamos vendo o Presidente da República corajosamente voar num caça F-5 e desejando que ele corajosamente edite um último decreto: “A partir desta data fica instituída a liberdade para o Brasil se desenvolver no ritmo que os brasileiros desejarem. Revogam-se todas as disposições, leis, decretos, regulamentos, entraves, burocracias e ordens em contrário".

 

Enquanto isso não acontece, vou revisando a piada velha. Quando Deus foi perguntado por que havia privilegiado tanto o Brasil, sem vulcões, terremotos, maremotos e guerras, e povoado por gente tão vibrante, ele teria respondido: “Em compensação, olha a elite dirigente que coloquei lá!”.

 

Paulo Vogel

Publicitário e Empresário

14/7/1990 - Revisado em Ago/2016