PEGO PRA BODE

 

 

    Foi da última vez que encenaram aquela mini-série "O Jogo do Bicho". Assistíamos nós, eu e ela, a mais um capítulo, digo, telejornal, quando foi reportado o acontecido.

        Lembro ao leitor que daquela vez as coisas ultrapassaram as fronteiras do nosso pequeno estado do Rio de Janeiro. Prenderam bicheiro, ou pelo menos, tentaram prender, em Minas, São Paulo e  Porto Alegre. No nordeste se deu aquele caso do sujeito que era o bicheiro concomitantemente com a função de  Prefeito e, pra não desmoralizar o nosso poder constituído, abafaram a coisa e "não se fala mais nisso".

        Mas a notícia deste dia, vinha de São Paulo. Não é que lá também apareceu o nome do Governador com ligação, assim ó!, com a jogatina zoológica! Ao contrário do senhor Leonel, que exonerou, de suas funções investigadoras, o Tenente que denunciou tudo aos jornais, o de lá, botou em prática a técnica do ataque como sua melhor defesa e mandou toda a polícia atrás dos contraventores conhecidos. (Parêntese: já repararam na rapidez com que, nessas horas, eles acham as "fortalezas" do bicho?")

        Prenderam, "em menos de 24 horas", como disse o chefe das investigações, uma meia dúzia de dois ou três reduzida a um. Ele estava lá, no meio daquela sala, na Delegacia atochada de gente: policiais, repórteres, focas, fotógrafos, câmeras, aspones e um mendigo, preso por vadiagem, pedindo "pelo amor de Deus!" pra ser logo enquadrado e encarcerado. Não foi. Ficou esquecido. Tão esquecido que esqueceu de si mesmo e não aproveitou pra fugir. Mas voltando ao bicheiro... Era mesmo um exemplar da raça, não havia dúvida. Por volta de uns 55 anos (como a maioria deles), barrigudo e careca (como quase todos), a camisa desabotoada mostrando uma corrente de ouro pesando mais de quilo (como, invariavelmente, todos eles). Era mesmo um bicheiro, sem dúvida, a menos de um detalhe: ao contrário dos cariocas, nossos conhecidos, respeitados, entrevistados e, freqüentemente, aplaudidos contraventores, este, o paulistano, insistia em tentar esconder o rosto para não ser reconhecido.  Por quem? nos perguntávamos. Será que pela mãezinha, já velhinha, de quem durante todos esses anos ele houvera escondido seu maior segredo e que, agora, poderia até morrer de desgosto? Ou será que dos filhos que sempre acreditaram que o dinheiro das mesadas era fruto do trabalho honesto do papai? Quem há de saber? Só sei o que vi e o que vos relato pra terminar. Em meio aos microfones e mini-gravadores ele repetia seu argumento de defesa: "Não sei de nada, não vi nada. Nunca fui a zoológico, não tenho nem cachorro em casa. Não podem me acusar de nada. Isso não se faz com um homem honesto. Isso é abuso de autoridade. Quero meu advogado. Quero declarar, de viva voz, a todos os presentes que eu apenas fui pego pra bode expiratório".

        E vou sainda de fininho antes que você diga que meu tempo expirou.