RAIZ QUADRADA DA IGNORÂNCIA

 

"Apenas em torno de 20% dos alunos aprendem matemática sem maiores esforços. É possível ensinar uma porcentagem maior para passar nas provas. Os japoneses fazem isso dando uma grande ênfase à matéria. Isto não quer dizer que as crianças japonesas aprendem matemática. Elas aprendem a passar nas provas e então, com vinte e tantos anos, os japoneses vão tão mal nas provas de matemática quanto os ocidentais."

Peter F. Drucker, em "Inovação e espírito empreendedor".

 

Tal como as redes de tevê da Segunda Onda, nossos sistemas de educação estão, em sua grande parte, obsoletos.[Hoje já diria que "estão todos obsoletos".] Um sistema de alta opção terá de substituir um sistema de baixa opção se as escolas quiserem preparar as pessoas para uma vida decente na nova sociedade da Terceira Onda.

 

Nenhuma nação pode fazer funcionar em uma economia do século XXI sem uma infra-estrutura eletrônica do século XXI. Isto requer uma população tão familiarizada com essa infra-estrutura informacional quanto com carros, estradas, trens etc. do período das chaminés.

 

Nem todo mundo, é claro, precisa ser engenheiro de telecomunicações ou perito em computadores, assim como nem todos precisam ser mecânicos de automóveis. Mas o acesso ao sistema deve ser tão fácil quanto o acesso ao sistema de transportes. E fazer com que todos os cidadãos, em particular os menos favorecidos economicamente, tenham garantido o acesso à maior gama possível de meios de comunicação, é tarefa a ser prioritária em qualquer nação que pretenda se manter competitiva no mundo globalizado.

 

Natureza Humana e o Meio Social, esta poderá ser a disciplina fundamental a ser ensinada nas escolas do futuro. Seu escopo abrangerá o estudo da conformação biológica, psíquica e social do ser humano, definindo as suas reações aos estímulos internos e externos. Única matéria obrigatória de todos os anos, de todas as séries, de todas as escolas de primeiro, segundo e terceiro graus. A partir de então, os subsistemas sociais poderão evitar a gangorra dos valores sociais que se alternam ao sabor da negação que cada geração faz de sua antecessora. Só então poderemos ficar livres de nos vermos subjugados por líderes prepotentes, que se vêem como detentoresd da verdade universal, que nos impõe filosofias utópicas e pessoais, completamente dissociadas de qualquer conhecimento das características básicas da natureza humana. Só então será possível a estabilização do Estado, porque estaremos perpetuando o pré-requisito fundamental: estabilidade dos valores políticos e sociais com flexibilidade adptativa aos movimentos globais.

 

O caráter cíclico das gerações tem sido perverso e contrário ao esforço de perpetrar princípios estáveis necessários à regulagem das relações sociais e à sobrevivência do cidadão, tanto individual, quanto grupal. Isto se deve ao fato de que nossas prioridades na formação dos novos cidadãos, têm sido desfocadas do conhecimento essencial. A geração que se forma o faz sem nenhum conhecimento do passado da humanidade e das experiências vividas no trajeto dos primórdios da civilização até o presente. Se soubéssemos mais sobre o nosso passado, não repetiríamos tantos erros, o que não só é óbvio, como elementar.  Além do mais, o princípio da negativa do anterior, leva à repetição, a cada duas gerações, de um princípio abandonado, só que com uma nova roupagem. Ou seja, a negativa da negativa, é voltar à mesma ideia, um retorno e, como tal, não é evolução, é repetição de mesmos erros. A diferença está no fato de que são novas as pessoas. Este é o princípio que explica por que nossos filhos se parecem mais com nossos pais. O reverso do reverso nos traz de volta ao mesmo.

 

Estuda-se história, geografia, ciências e biologia, mas não se estuda o homem nesse contexto. Estuda-se as guerras sob visões lúdicas de grandes conquistadores, mas nada sabemos sobre o que pensou o homem comum que foi retirado de sua família para morrer por uma luta que não era sua ou os danos que lhe foram causados em nome dela. Nada sabemos sobre a mulher estuprada pelo ódio daquele mesmo homem que, agora, exacerba do poder que lhe confere a vitória e que o faz impor aos demais, seus ideais e sua justiça, sem perguntas e sem direitos. É neste contexto que nossas escolas têm servido para perpetrar os engodos que são aplicados aos povos através dos séculos.

 

No âmbito do primeiro e segundo graus, o currículo de nossas escolas serve ao engrandecimento dos que detiveram o poder ao longo dos séculos. Neles, as guerras não deixaram mortos, nem viúvas, nem órfãos, nem aleijados, nem espoliados, nem doença, nem dor, nem quebra de identidade grupal e cultural. A história da civilização ministrada em nossas escolas é uma história de conquistadores, de heróis sanguinários, psicopatas, poderosos, vez ou outra paternalisticamente generosos, que lideraram seus subjugados súditos em alguma marcha insana sobre outras terras com o único objetivo de subjugar o adversário escolhido, aumentando sua egoísta sensação de poder. 

 

A matemática (como tudo o mais ensinado nas escolas contemporâneas) nos ministra um volume absurdo de conhecimento que não nos serve para nada porque só interessa a especialistas, quando muito. Cito o exemplo de minha filha que já tem definida, muito claramente, sua opção profissional: "Vou ser professora do Maternal", ela diz, sem hesitação. Atualmente [1994] cursa a sétima série e está sendo obrigada a aprender a calcular raiz quadrada. De números irracionais!  Num só dia, ela trouxe mais de 60 exercícios de casa para fazer! Eu não pude ajudá-la porque, apesar de já ter meus 45 anos, alguns dos quais envolvido com o mercado financeiro, não tenho a menor ideia de como se faz uma coisa dessas, nem conheço ninguém que o saiba (exceto professores de sétima série). Por mais que pense, não consigo imaginar a serventia de saber calcular, à mão, a raiz quadrada de 4356849832. Muito menos para quem vai se dedicar a crianças de dois a quatro anos de idade! A menos que sejam o supra sumum da excepcionalidade precoce. Isto sem considerar que estamos na era dos computadores que cabem no bolso da camisa. Entretanto, até hoje, minha filha nunca teve uma aula prática de utilização de um microcomputador para resolver, em cliques, cálculos que lhe possam ser úteis ao fazer compras no supermercado. Computador? Na concepção dos nossos educadores isto seria um sacrilégio. Quando mostrei à minha filha a simplicidade do cálculo da raiz quadrada feito numa Sharp de camelô, comprada por três dólares, ela sorriu maravilhada e, ao mesmo tempo, decepcionada com o professor que a faz passar por idiota, surrupiando um recurso que lhe proporcionaria um tempo livre que seria muito melhor aproveitado. Argumentam nossos teóricos da educação que é preciso ensinar a fazer para que o aluno saiba usar.  Isto é o mesmo que dizer que alguém, para usar corretamente o telefone, tenha que primeiro aprender como se constrói um.  Ou que, para aprender a dirigir um carro, é preciso aprender a construir um motor. E, se ainda hoje, precisamos decorar a tabuada de multiplicar, não é por que isto seja necessário à nossa capacidade de discernimento, mas pelo simples fato de que ainda não nos acostumamos a andar com uma calculadora no bolso. [Neste 2016, todos, de todas as classes, têm um celular no bolso ou na bolsa, com ferramentas inimaginávies há 20 anos.] Saber, de cabeça, qual o resultado de 9 vezes 7 (até hoje, às vezes, tenho que conferir na maquininha), nunca me serviu para nada. Não me deixou mais feliz, não tornou qualquer momento da minha vida pessoal ou profissional mais fácil, não me fez ganhar mais dinheiro, nem merecer um elogio a mais do meu chefe. Não saber, também não me tirou nenhum ponto. Como o motor funciona não evita que eu atropele uma pessoa. Fundamental é ter consciência dos riscos que se incorre ao não se respeitar as sinalizações de trânsito.

 

Como infomaníaco, minha esperança reside no fato de que os microcomputadores que começam a entrar nas escolas que servem às classes mais abastadas, um dia estarão acessíveis a todos os alunos. Se ainda um processo tímido - minha filha passou a ter uma aula de informática de 40 minutos por semana - sua disseminação é inexorável. Muitos resistem, mas são cada vez em menor número, porque, para todos, vai chegando a hora de se integrarem ou se retirarem de cena. Estas maravilhas que assustam os mais velhos deste final de século XX, serão o mais comum dos apetrechos escolares e a base do ensino em torno do ano 2020. Não haverá aluno sem um micro [Hoje, melhor dizer, um "smart phone".] porque a estrutura do ensino será radicalmente modificada. O volume de conhecimento cresce a tal proporção que não é mais possível a quem quer que seja, deter um volume significativo dele. Assim, todo o conhecimento disponível estará organizado em bancos de dados que serão acessados pelo aluno de acordo com sua necessidade pontual ou seu próprio interesse em adquirir conhecimento antecipado. Esta é a verdadeira socialização do conhecimento: a liberdade de escolha do que aprender. A atividade de professor, como concebida até aqui - aquele que professa, que ensina - deixará de existir por que o conhecimento será auto-administrável. Ao novo professor caberá a tarefa de acompanhar e orientar a sua obtenção e, depois, avaliar e corrigir o curso (no duplo sentido), com base na descoberta das potencialidades e objetivos do aluno. Adeus professor! Seja bem-vindo orientador!

 

Neste quadro, restarão como matérias obrigatórias a de Língua Pátria e Natureza Humana, porque estas são fundamentais para a sobrevivência dos cidadãos em grupo, todos os grupos. O conhecimento adquirido através delas, será a base comum a todos, numa sociedade em que ninguém dominará mais do que uma parcela ínfima de todo o espectro do conhecimento, mas onde todos terão que compartilhar o conhecimento daquilo que dominam. Por esta razão, o conhecimento da natureza humana é crucial. Ele será o único capaz de nos livrar de experiências de indivíduos ignorantes, egocêntricos, autocráticos e psicopatas de toda natureza e intensidade.

 

A única razão para, a cada duas gerações, não aparecer nenhum jovem físico afirmando que o sol gira em torno da terra, é por que temos acesso a demonstrações cabais de que é o inverso. Ou, se a lei da gravidade não é questionada a cada geração, não é pelo fato de ter um atributo intrínseco de inquestionabilidade, mas, sim, porque este conhecimento está disseminado de tal forma que qualquer proposta nova é rapidamente posta a prova frente ao conhecimento acumulado. Mas a obtenção deste tipo de conhecimento, e como o de qualquer ciência exata, além de ser específica, é de fácil comprovação. Mas o que não pode ser cabalmente demonstrável, sempre será questionável. Mais questionável, ainda, se estivermos no campo das ciências sociais e em regimes democráticos em que todos, com qualquer cabedal de conhecimento, pelo menos em tese, podem se candidatar ao poder.

 

Ora, todos nós nos sentimos aptos a ocupar qualquer cargo político, até porque, nossa constituição nos garante isso. Quem nunca se pegou dizendo: "se fosse eu, fazia assim e assado"? E quem está realmente apto? A título de exemplo, discutiu-se na revisão constitucional a duração do mandato presidencial e a conveniência ou não da possibilidade de sua reeleição. O Deputado Chico Vigilante, do PT, declarou, em entrevista à televisão, a seguinte pérola: "nós somos contra a reeleição para Presidente porque ele vai usar a máquina administrativa para se reeleger". [Dez anos depois, os petistas defendiam a reeleição de Lula.] É este o raciocínio, não só de um deputado, mas de um partido inteiro numa questão essencial: a conveniência de se delegar um novo mandato a quem se mostrou competente, pelo simples fato de não se ter competência para formular a solução do problema menor: uso da máquina administrativa.

 

É nesta esfera, do poder político, que o desconhecimento da natureza humana causa os maiores danos. As teorias sobre sistemas políticos nascem na cabeça de jovens idealistas utópicos, porque ignorantes e sonhadores, e geralmente são abraçadas por velhos e matreiros políticos fora do poder que vêem, nas "novas" proposições, uma oportunidade para os levar de volta ao poder, sabedores de que a esperança (e fraqueza) de um povo com 500 anos de colonialismo, são os acenos do candidato populista. O resultado é sempre o da destruição de tudo o que foi conquistado até então, obviamente, sempre com prejuízo do mais humilde. A prepotência do ignorante se torna extremamente perniciosa porque não sentida. Ou seja, aquele que ignora, ignora que ignora. Esta situação só é revertida ao se ministrar o conhecimento, que passa a ser o parâmetro de avaliação. A diferença fundamental é que aquele que se instrumentaliza para o conhecimento, questiona para conhecer mais e, portanto, contribui para a evolução, mas o despreparado não pode questionar e, por esta razão, aceita o que lhe impõem, porque não pode contrapor. 

 

Nosso sistema de ensino precisa incorporar as descobertas em genética que exigem toda uma reformulação das ciências sociais (psicologia, antropologia e sociologia), visando transferir instrumentos para o maior conhecimento de nós mesmos e, portanto, do outro. Precisamos tirar a raiz quadrada da ignorância para obter um resultado que venha trazer, não felicidade, que é um conceito subjetivo, mas, sim, menos angústia e frustrações aos cidadãos que desenham seus projetos de vida a partir dos sinais que o Estado lhes envia. E não poderia ser de outra maneira. Mas que seja urgente. A velocidade de evolução dos sistemas de armazenagem e transmissão de dados (o casamento Informática e Telecomunicação) está mudando a origem do poder econômico e não vai esperar os mais lerdos, os mais avessos às transformações. Quem ousar hoje, estará à frente no século XXI. Quem ficar para trás, vai ser platéia basbaque, aplaudindo e invejando o show dos que olharam para o futuro.