SE O BRASIL GANHAR A COPA

 

 

Comecemos por tratar do inimaginável: e se o Brasil não ganhar a copa? Se esta improbabilidade cósmica acontecer, mergulharemos todos em depressão mais que profunda, quando nenhuma droga química conhecida será capaz de nos trazer de volta à vida. A profundidade de tamanha depressão vai depender da fase em que formos eliminados. Uma relação inversamente proporcional. Quanto mais cedo, menores as chances de nos recuperarmos. Isto numa perspectiva de cem anos! Se for na final, talvez até consigamos sobreviver com uma mínima qualidade de vida, desde que tenhamos um culpado a quem direcionar nossa ira: Ronaldo em 98, Cerezo em 82. Não tendo um infeliz desses, ficaremos mesmo com a injustiça dos deuses. Sacanagem dos orixás. Putaria das almas penadas. Uma grande safadeza do Sobrenatural de Almeida. Mas... e se o passaporte nos for entregue ao final das oitavas? Empurro tal pensamento, mas ele volta feito boneco joão-bobo.

 

Imagino os tantos comentaristas que nos tantos anos vindouros vão ter emprego e bons salários garantidos. O que dirão os narradores a seus fiéis telespectadores? E os comentaristas de comentários teorizados-super-elaborados sobre a rebimboca da parafuseta, tentando, mecanicamente, consertar o inconsertável. Tremo. Aqui, na batida deste teclado, meus batimentos cardíacos (não preciso de aparelho algum) estão a 150 bpm. Inadmissível! E ponto final que não quero mais falar nisso!

 

É óbvio que vamos ganhar! Não tem como não ganharmos! Hexacampeões mundiais de futebol é o que seremos daqui a pouco mais de um mês. É tão extraordinário (o feito, não a obviedade da vitória) que o termo não consta no dicionário do meu editor de texto. Se nós ganharmos... ôps, falha minha, quando nós ganharmos, independente de estar ou não no dicionário, putaquiupariu... vai ser ducaralho!!!!

 

Quando nós ganharmos, o Zagallo vai descobrir uma soma de números, uma combinação qualquer de palavra ou frase, que lhe servirá pra gritar “é treze!” e provar que, como ele sempre previu, “nós seríamos hexa!”. Hexacampeões, só tem 12 letras. Bota um hífen, hexa-campeões, e fica tudo certo.

 

Nós ganharmos esta copa, é conseqüência natural, a prova incontestável, da supremacia do futebol-arte, inigualável, insuperável, genético, karmístico, determinístico. Estava escrito. Nas estrelas, nas escrituras, nos almanaques, no horóscopo, na folhinha do Sagrado Coração de Jesus. Deu errado em 86, mas os caras eram bons... já são 20 anos... deixa pra lá. Esquece.

 

Vamos ganhar porque não há como perder quando temos o sorriso do Robinho pedalando pra cima dos zagueiros, de um jeito tão irresponsável quanto o de Garrincha nos tempos do bi. Vai ser mole com esse jeito Robinho de jogar o jogo como se o jogo fosse jogo de brincadeira quando jogo é jogo, treino é treino, mas que diabo de história é essa de botar bola pro mato se o jogo é de campeonato!? Ora, seu mané, porque o campeonato é mundial, seu animal!

 

Ao ganharmos (e não podemos considerar outra alternativa apesar do que disse em minha introdução), terá sido porque, “IMHO” (*), todas as mães brasileiras estarão torcendo pelo Ronaldo Fenômeno, porque toda mãe brasileira que se preza, nele vê o filho a ser aconchegado no colo. Desminta-me, mãe, se for capaz!

 

Vamos ganhar porque o Roberto Carlos vai enfiar uma porrada na última gaveta e porque o Cafu, disparando pela direita, vai meter um cacete por baixo das pernas do goleiro adversário. Sem sacanagem, por favor. Vai ser com a ajuda da cobrança de falta do Juninho Pernambucano, lembrando Zico nos velhos tempos, quando o Flamengo era o nosso MEEEEENGOOOOOOOO!


Vamos ganhar por causa daquele “quê” que o Kaká tem, apesar de ninguém saber me explicar qual é o quê que o Kaká tem. Vai ser por causa daquele tresloucado do Lúcio, dando bico pra lateral, evitando, aos 48 do segundo tempo, o gol-tragédia.

 

Se nós ganharmos, vai ser porque todos se impuseram uma determinação louca, desvairada, um compromisso absurdo e total com a nação brasileira, com a camisa amarela, com a torcida que lhes alimenta. Será contra todas as mandingas, cascas-de-banana, maus-olhados, rezas, vodus e baixarias de todos os tipos, que vierem a fazer contra nós.

 

Se nós ganharmos, vai ser pelo quadrado (ou retângulo? Ou losango?) mágico, imprevisível, fulminante, definitivo. Balançando a rede.

 

Se nós ganharmos, enfim, será porque esta seleção se fez um time, se fez coesa, se fez leal uns aos outros, dignos de uns pelos outros. Sem eus. Por nós. Porque por nós, mais euros!

 

Mas se nós ganharmos esta copa, ah! se nós ganharmos esta copa!!!

 

O Ronaldinho Gaúcho fará comerciais ainda mais bilhardariamente pagos.

 

O Ronaldo Fenômeno vai ser tentado a sair do Real Madri pelos milhões e milhões de dólares que a indústria americana estará disposta a investir numa falha entre dois dentes incisos.

 

O Ronaldinho, gaúcho, ainda sem um tratamento ortodôntico, feito dentuço sem recurso apesar de rico, vai fazer mais e mais comerciais e ganhar mais e mais euros, dólares e reais, nesta ordem.

 

O Parreira, et pour cause, toda a comissão técnica, serão devidamente convencidos a se mudarem, sem armas e muita bagagem, para algum emirado, algum outro país empetroliado, ou asiaticamente emergente.

 

O Rogério Ceni, ao fazer o gol definitivo na decisão por pênaltis num jogo de semifinal, finalmente, desistirá de ser goleiro para se tornar centro-avante do São Paulo e artilheiro do campeonato brasileiro.

 

Depois da conquista, todos os 23, citados e não citados aqui, independente de terem ou não jogado, vão ficar milhões de euros melhor de vida. Receberão propostas ainda mais bilionárias. Na impossibilidade de contratar as estrelas mais brilhantes, todos os dirigentes de todos os clubes do mundo vão mandar olheiros para o Brasil. E muitos moleques descalços, do Cariri, da baixada fluminense, da zona leste de São Paulo, sem dinheiro pra passagem de ônibus, irão voar de primeira classe para realizar sonhos nem de longe sonhados.

 

Se o Brasil ganhar não vamos trabalhar. Talvez só por meio-dia. Talvez pelo dia seguinte. Talvez pelo dia da chegada da seleção.

 

Se o Brasil ganhar, não vamos trabalhar. Talvez só hoje, um dia só, mas será um dia que só.

 

Se o Brasil ganhar a copa 2006, pelos próximos quatro anos, esqueçam meu sobrenome. Chamem-me, por favor, apenas de... Hexa. Vai ser bom demais!

 

(*) In my humble opinion – Sigla muito usada nas listas de distribuição e discussão (primórdios da internet) e significa “em minha humilde opinião”.