A VERDADE DA HIPOCRISIA

                                                                                    

 

É impossível qualquer cidadão ser eleito para um cargo público estritamente dentro da lei eleitoral. Mas a hipocrisia tácita finge que pode. A verdade, é que num país em que 1/4 da população não tem dinheiro para comer, a maioria dos recursos para as campanhas vêm de empresas privadas. Todo mundo sabe, mas a hipocrisia reinante atribui ao Super Homem a facilidade que os candidatos têm para viajar por todo o Brasil; que o Mandrake (alguém lembra dele?) é o responsável por multiplicar os pães, perdão, confeccionar bottons, camisetas, faixas, cartazes, plásticos, "santinhos" etc. espalhados pelo país inteiro, cobrindo ruas, calçadas e paredes; e que todos os carros, necessários a tudo, são movidos pelo combustível do amor aos nossos carismáticos líderes. E todo mundo finge que não existe um caixa 2 lubrificando as engrenagens de uma eleição regida  por uma lei que garante desonestidade e impunidade igual para todos.

 

A verdade desta hipocrisia é que, no fundo no fundo, a gente não quer acabar com a festa antes que nós mesmos não tenhamos a chance de saborear o caviar proporcionado  pela  corrupção e ainda ser chamado de doutor.

 

Se a instituição Congresso Nacional fosse composta, na maioria, por gente séria, aquela CPI teria prendido o bode, expiado o futuro, anistiado o passado, revogado as disposições em contrário e legalizado a transparência dos atos. Como não foi assim, no quartel dos governantes, ficou tudo como antes. Que ninguém se iluda.

 

Para mudar, temos que partir de outros princípios. Se políticos são inevitáveis; se o processo de escolha tem que ser por via direta; se são necessários gastos para a comunicação com o eleitor; se candidato honesto, como dizia meu avô, "não tem cachorro que caga dinheiro"; se o povo é pobre; se o Estado deve arcar com parte do custeio das campanhas; se este mesmo Estado é o único executor de obras públicas; se estas obras são realizadas por empreiteiras privadas; se a sociedade quer e deve  exercer uma fiscalização sobre o destino do dinheiro público; então,  contribuição a campanhas políticas, feitas por empresas privadas, precisam ser dedutíveis (parte isenta de tributo) até limites razoáveis de serem aceitas como  parte das despesas necessárias ao exercício de sua atividade. (Ou alguém espera que alguma lei que regule processo de licitação seja capaz de, por si, eliminar a propina?)

 

A partir desta conceituação podemos criar um sistema em que todo candidato após ter seu nome homologado pelo partido, se torne, automaticamente, uma PESSOA JURÍDICA ESPECIAL POR PRAZO DETERMINADO sem maiores burocracias. Como tal, obrigado a manter livro caixa registrando a natureza dos gastos realizados e a origem e o montante dos recursos arrecadados.  As contribuições seriam feitas na rede bancária, através de formulário próprio informando: qualificação da empresa contribuinte, do candidato e do partido a que pertence. Em 6 vias, cada uma com destino específico: Instituição Bancária, Justiça Eleitoral, Receita Federal, Empresa contribuinte, Candidato e Partido. O valor bruto da contribuição seria, por exemplo, assim desmembrado : 35% para a Receita Federal a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (da parte excedente ao limite de dedução); 5% para o Tribunal Regional Eleitoral para custeio do processo eleitoral; 10% para o partido político do candidato, destinado ao fundo de ajuda à legenda; 50% de contribuição líquida ao candidato. As vias da Justiça Eleitoral, da Receita Federal, do Partido e do Candidato seriam remetidas pela própria instituição bancária.

 

A Justiça Eleitoral ficaria encarregada de publicar no Diário Oficial a relação de valores líquidos das doações  por ordem de data, partido, candidato e empresa-contribuinte, conforme as guias encaminhadas pelos bancos.

 

Todos os gastos da campanha do candidato seriam feitos contra o devido comprovante e contabilizados em conformidade com as normas da Receita Federal. Seria facultado às empresas pagar diretamente gastos de materiais publicitários, promocionais ou outros necessários à campanha, bastando fazer o recolhimento das parcelas complementares (IRRF, Justiça Eleitoral e Partido) através da guia de contribuição, considerando que o valor pago pelo serviço equivale ao valor liquido de contribuição ao candidato - 50% do valor total.

 

As empresas-contribuintes ficariam obrigadas a publicar um demonstrativo das contribuições realizadas no mês anterior, relacionando candidato e valor bruto, num jornal de circulação  municipal, estadual ou federal, conforme o município de registro da candidatura e o cargo a que o candidato aspira.

 

Até 30 dias após divulgado o resultado oficial, todos os candidatos apresentariam seus livros à Justiça Eleitoral que promoveria uma auditoria por amostragem e os colocaria à disposição da população. O saldo de caixa - qualquer que fosse - seria,  igualitariamente, distribuido entre as entidades beneficientes sediadas no município do candidato, e os comprovantes destas doações seriam entregues junto com o livro caixa. Qualquer ilegalidade observada, seria julgada em ação sumaríssima, no prazo de 30 dias, com punições para os envolvidos: candidato, partido, empresa-contribuinte ou fornecedor de serviço. As penas variariam desde a devolução dos valores apropriados em benefício pessoal e particular, à  perda dos direitos políticos por 20 anos (Não há por que ser complacente com que, neste processo, merecer perda de mandato).

 

Esta é a idéia básica. Chamo a atenção para alguns aspectos: (1) a transparência com que passam a ser feitas todas as contribuições, identificando todas as partes; (2) todos os materiais produzidos passam a ser feitos de forma legal, recolhendo os impostos devidos; (3) as contribuições ilegais tendem a terminar na medida em que elas não se beneficiam da isenção tributária; (4) os candidatos não precisam mentir nem se envergonhar por receberem ajuda financeira de empreiteiras ou outras empresas; (5) o eleitor passa a saber quem está ajudando quem e através do voto expressará sua concordância ou não com aquela relação.

 

Continuará havendo abuso do poder econômico assim como candidato que vai aceitar. e empresa que vai oferecer, "algum" por fora em troca de, no futuro, ficar por dentro de algumas facilidades. Mas ninguém pode pretender acabar com a corrupção. Isso é infantil. O que interessa é tornar o processo transparente,  mais fácil para que nós, eleitores, saibamos quem é quem entre políticos e empresários. A cada eleição, através do voto,  iremos melhorando a qualidade de ambos, enquanto a justiça irá tirando de circulação quem se passar atestado de mau-caráter.

 

Enfim, temos que preferir criar condições para que a verdade apareça e deixar de nos anestesiar com a hipocrisia que nos acena a possibilidade de chegar a nossa vez.