EXTRATO DE: 21 LIÇÕES PARA O SÉCULO 21

 

AUTOR: Yuval Noah Harari

Ed.: Companhia das Letras (2018/2019)

 

 

INTRODUÇÃO

(...) a história não poupa ninguém.

 

Todos têm problemas muito mais urgentes do que o aquecimento global ou  a crise da democracia liberal.

 

(...) após o colapso do fascismo e do comunismo agora o liberalismo está emperrado. Então para onde caminhamos?

 

A fusão de tecnologia de informação e biotecnologia pode em breve expulsar bilhões de seres humanos do mercado de trabalho (...). Algoritmos de Big Data poderiam criar ditaduras digitais nas quais todo o poder se concentra nas mãos de uma minúscula elite enquanto a maior parte das pessoas sofre não em virtude de exploração, mas de algo muito pior: irrelevância.

 

A democracia liberal é o modelo político mais bem-sucedido e versátil que os humanos desenvolveram até agora para lidar com os desafios do mundo moderno.

 

1.DESILUSÃO – O fim da história foi adiado

 

O sistema democrático ainda está se esforçando por entender o que o atingiu, e está mal equipado para lidar com os choques seguintes, como o advento da inteligência artificial e a revolução da tecnologia de blockchain [tecnologia que possibilita a existência de moedas criptografadas].

 

Redes peer-to-peer de blockchain e criptomoedas poderão renovar completamente o sistema monetário, de modo que reformas fiscais radicais serão inevitáveis. (...) Será que o sistema político conseguirá lidar com a crise antes de ficar sem dinheiro?

 

Humanos sempre foram muito melhores em inventar ferramentas do que em usá-las sabiamente.

 

O futuro está deixando as pessoas comuns para trás. [Já em 2019, estamos nos sentindo cada vez mais irrelevantes.]

 

Talvez no século XXI as revoltas populares sejam dirigidas não contra uma elite econômica que explora pessoas, mas contra a elite econômica que já não precisa delas.

 

Segundo certos parâmetros, a Rússia é um dos países mais desiguais do mundo, com 87% da riqueza concentrada nas mãos dos 10% mais ricos.

 

Os partidários do brexit sonham em fazer da Inglaterra uma potência independente, como se ainda vivessem na época da rainha Vitória e como se o “isolamento esplêndido” fosse uma política viável na era da internet e do aquecimento global.

 

Pela primeira vez na  história, doenças infecciosas matam menos que idade avançada, fome mata menos que obesidade e violência mata menos que acidentes.

 

O crescimento econômico não vai resolver a questão da disrupção tecnológica – ele pressupõe a invenção de mais e mais tecnologias disruptivas.

 

(...) as próximas revoluções na biotecnologia e na tecnologia de informação (que ainda estão em sua infância) exigirão novas visões e conceitos.

 

2.TRABALHO – Quando você crescer, talvez não tenha um emprego.

 

Duas habilidades humanas especialmente importantes para inteligência artificial são a conectividade e a capacidade de atualização.

 

Hoje, cerca de 1,25 milhão de pessoas morrem todo ano em acidentes de trânsito (o dobro das mortes causadas por guerra, crime e terrorismo somados). (...) espera-se que a substituição de motoristas humanos por computadores reduza mortes e ferimentos na estrada em cerca de 90%

 

Se apesar de todos os nossos esforços um percentual significativo de gênero humano for excluído do mercado de trabalho, teremos de explorar novos modelos de sociedades pó-trabalho, de economias pós-trabalho e de política pós-trabalho.

 

(...) os vendedores de sorvete mais bem-sucedidos do mundo são aqueles que o algoritmo do Google coloca no topo da lista – não os que produzem o sorvete mais gostoso.

 

Pode-se discutir se é melhor fornecer às pessoas uma renda básica universal (o paraíso capitalista) ou serviços básicos universais (o paraíso comunista). Ambas as opções têm vantagens e desvantagens. Mas não importa qual paraíso você escolha, o problema real está em definir o que “universal” e “básico” realmente significam.

 

O Homo sapiens simplesmente não é programado para se satisfazer. A felicidade humana depende menos de condições objetivas e mais de nossas próprias expectativas, daquilo que esperamos obter. (...) Quando as coisas melhoram, as expectativas inflam (...).

 

3.LIBERDADE – Big Data está vigiando você.

 

Se a democracia fosse questão de tomadas de decisão racionais,  não haveria nenhum motivo para dar a todas as pessoas direitos iguais em seus votos – ou talvez nem sequer o direito de votar.

 

Para o bem ou para o mal, eleições e referendos não têm a ver com o que pensamos. Têm a ver com o que sentimos. (...) nos dias de eleições os sentimentos – representados pelo se voto - de uma trabalhadora doméstica sem instrução contam tanto quanto os de qualquer outra pessoa.

 

Durantes milhares de anos as pessoas acreditaram que a autoridade provinha de leis divinas e não do coração humano, e que devíamos, portanto, santificar a palavra de Deus e a liberdade humana. Foi só nos séculos mais recentes que a fonte da autoridade passou das entidades celestiais para humanos de carne e osso. Em breve a autoridade pode mudar novamente – dos humanos para os algoritmos.

 

Sentimentos são mecanismo bioquímicos que todos os mamíferos e todas as aves usam para calcular probabilidades de sobrevivência e reprodução. Sentimentos não se baseiam em intuição, inspiração ou liberdade – baseiam-se em cálculos.

 

[No futuro] As pessoas usufruirão dos melhores serviços de saúde  da história, mas justamente por isso estarão doentes o tempo todo. Existe sempre algo errado em algum lugar do corpo. [No que me tange, já vivo isso.]

 

Hoje em dia, a “verdade” é definida pelos resultados principais da busca do Google.

 

Uma vez que comecemos a contar com a inteligência artificial para decidir o que estudar, onde trabalhar e com quem casar, a vida humana deixará de ser um drama de tomada de decisão. Eleições democráticas e livres mercados não farão muito sentido.

 

Como todos os mamíferos, o Homo sapiens usa emoções para tomar rapidamente decisões de vida ou morte. Herdamos nossa raiva,nosso medo e nossa paixão de milhões de ancestrais, que passaram pelos mais rigorosos testes de qualidade da seleção natural.

 

A Tesla vai fabricar dois modelos de carro autodirigido: o Tesla Altruísta e o Tesla Egoísta. Numa emergência, o Altruísta sacrifica seu dono pelo bem maior, enquanto o Egoísta faz tudo o que pode para salvar seu dono, mesmo que isso signifique matar os garotos que atravessam a rua. Os clientes poderão então comprar o carro que melhor se encaixe em sua visão filosófica.

 

Talvez o Estado devesse intervir para regular o mercado, e instituir um código de ética a ser obedecido por todos os carros autodirigidos?

 

Em tempos de guerra as emoções que assumem o controle são muito frequentemente o medo, o ódio e a crueldade.

 

Em 16 de março de 1968, uma companhia de soldados americanos ficou ensandecida na aldeia vietnamita de My Lai e massacrou cerca de quatrocentos civis. Esse crime de guerra resultou da iniciativa local de  homens que tinham estado envolvidos numa guerrilha na selva durante vários meses.

 

A maioria dos governos são eticamente corruptos, se não explicitamente malignos.

 

No final do século XX as democracias no geral superaram as ditaduras porque são melhores no processamento de dados. A democracia difunde o poder para processar informação e as decisões são tomadas por muitas pessoas e instituições, enquanto a ditadura concentra informação e poder num só lugar.

 

A principal desvantagem dos regimes autoritários do século XX – a tentativa de concentrar toda a informação num só lugar – pode se tornar a vantagem decisiva no século XXI.

 

A democracia em seu formato atual não será capaz de sobreviver à fusão da biotecnologia com a tecnologia de informação. Ou a democracia se reinventa com sucesso numa forma radicalmente nova, ou os humanos acabarão vivendo em “ditaduras digitais”.

 

[Ao lhe ser negado um pedido de empréstimo, o banco lhe dirá que “há algo específico em você de que o algoritmo não gosta, nós não sabemos o que é mas confiamos nele”.]

 

4.IGUALDADE – Os donos dos dados são os donos do futuro

 

Depois da revolução agrícola, a propriedade multiplicou-se e com ela a desigualdade. (...) a hierarquia não era apenas a  norma, mas também o ideal. como poderia  haver ordem sem uma hierarquia clara entre aristocratas e pessoas comuns, entre homens e mulheres, entre pais e filhos? (...) os pés têm de obedecer à cabeça -, também na sociedade humana a igualdade só traz o caos.

 

Alguns grupos monopolizam cada vez mais os frutos da globalização, enquanto bilhões são deixados para trás. Hoje, o 1% mais rico é dono de metade da riqueza do mundo. Ainda mais alarmante, as cem pessoas mais ricas possuem juntas mais do que as 4 bilhões mais pobres.

 

Se os novos tratamentos para prolongar a vida e aprimorar  habilidades físicas e cognitivas forem dispendiosos, o gênero humano poderia se dividir em castas biológicas.

 

No decorrer da história, os ricos e a aristocracia sempre imaginaram que tinham qualificações superiores às de todos os outros, e que por isso estavam no controle.

 

Se quisermos evitar a concentração de toda a riqueza e de todo o poder nas mãos de uma pequena elite, a chave é regulamentar a propriedade dos dados. Antigamente a terra era o ativo mais importante no mundo, a política era o esforço por controlar a terra, e se muitas terras acabassem se concentrando em poucas mãos – a sociedade se dividia em aristocratas e pessoas comuns. Na era moderna, máquinas e fábricas tornaram-se mais importantes que a terra (...). No século XXI, os dados vão suplantar tanto a terra quanto a maquinaria como o ativo mais importante, e a política será o esforço por controlar o fluxo de dados.

 

[Para a inteligência artificial] nós não somos seus clientes – somos seu produto.

 

No presente, as pessoas ficam contentes de ceder seu ativo mais valioso – seus dados pessoais – em troca de serviços de e-mail e vídeos de gatinhos fofos gratuitos.

 

A questão-chave é: quem é dono dos dados? Os dados de meu DNA, meu cérebro e minha vida pertencem a mim, ao governo, a uma corporação ou ao coletivo humano?

 

Toda solução para o desafio tecnológico deve envolver cooperação global. Porém o nacionalismo, a religião e a cultura dividem o gênero humano em campos hostis e fazem com que seja muito difícil cooperar no nível global.

 

5.COMUNIDADE – Os humanos têm corpos.

 

Nos dois séculos passados as comunidades íntimas se desintegraram. [Hoje] as pessoas vivem vidas cada vez mais solitárias num planeta cada vez mais conectado.

 

Humanos viveram milhões de anos sem religiões e sem nações (...)

 

O Homo sapiens mediano é incapaz de conhecer intimamente mais de 150 indivíduos.

 

Uma verdadeira revolução cedo ou tarde exigirá sacrifícios que corporações, seus empregados e seus acionistas não querem fazer.

 

6.CIVILIZAÇÃO – Só existe uma civilização no mundo.

 

Assim como na natureza espécies diferentes lutam pela sobrevivência de acordo com as impiedosas leis da seleção natural, ao longo da história civilizações têm entrado em choque repetidamente, e apenas a mais bem preparada sobrevivia.

 

Islâmicos radicais têm sido influenciados tanto por Marx e Foucault quanto por Maomé, e herdaram o legado de anarquistas europeus do século XIX tanto quanto o dos califas omíadas e abássidas.

 

Grupos humanos têm sistemas sociais distinto, mas eles  não são determinados geneticamente, e quase nunca duram mais que alguns séculos.

 

Apesar de toda a sua glória e influência, a democracia ateniense foi um experimento ambíguo que mal sobreviveu duzentos anos num pequeno canto dos Bálcãs.

 

Grupos humanos se definem mais pelas mudanças por que passam do que pela continuidade (...)

 

Considere-se, por exemplo, as atitudes judaicas em relação às mulheres. Atualmente judeus ultraortodoxos banem imagens de mulheres da esfera pública. Outdoors e anúncios dirigidos a judeus ultraortodoxos exibem apenas homens e meninos – nunca mulheres e meninas.

 

O Islã [e todas as demais religiões] não têm um DNA fixo. O Islã é aquilo que os muçulmanos fizerem dele.

 

Dez mil anos atrás o gênero humano estava dividido em incontáveis tribos isoladas.

 

A guerra difunde idéias, tecnologias e pessoas muito mais rápido que o comércio.

 

A única coisa que unia práticas médicas européias, chinesas, africanas ou americanas era que em toda parte no mínimo um terço das crianças morriam antes de se tornarem adultas, e a expectativa de vida média era bem abaixo dos cinquenta anos. Hoje, se você adoecer, faz muito menos diferença o lugar onde vive.

 

Em 1618 a Europa não tinha uma única identidade religiosa – era definida por conflito religioso. Ser um europeu em 1618 significava estar obcecado por pequenas diferenças doutrinárias entre católicos e protestantes, ou entre calvinistas e luteranos, e estar disposto a matar e ser morto por causa dessas diferenças.

 

As pessoas com quem brigamos mais frequentemente são membros de nossa própria família. A identidade é definida mais por conflitos e dilemas do que por concordâncias.

 

Sejam quais forem as mudanças que nos esperam  no futuro, elas provavelmente envolverão uma luta fraternal dentro de uma única civilização e não um embate entre civilizações estranhas. Os grandes desafios do século XXI serão de natureza global. O que acontecerá quando a mudança climática provocar catástrofes ecológicas?

 

7.NACIONALISMO – Problemas globais exigem respostas globais

 

O nacionalismo não é inato à psique humana e não tem raízes biológicas.

 

(...) a lealdade a milhões de pessoas totalmente estranhas não é natural para os humanos. Essas lealdades em massa só apareceram nos últimos poucos milhares de anos e exigem imensos esforços de construção social.

 

(...) o nacionalismo ainda é capaz de seduzir até mesmo cidadãos da Europa e dos Estados Unidos, mais ainda da Rússia, da Índia e da China. Alienadas pelas forças impessoais do capitalismo global, e temendo pelo destino de seus sistemas nacionais de saúde, educação e bem-estar social, pessoas em todo o mundo vão buscar conforto e sentido no seio da nação.

 

Em 2016, apesar da guerra na Síria, na Ucrânia e vários outros focos de tensão, menos pessoas morreram devido à violência humana do que a obesidade, acidentes de carro e suicídio. Essa talvez seja a maior realização política e moral de nossos tempos.

 

A agricultura, as cidades e as sociedades complexas existem há menos de 10 mil anos [período denominado Holoceno]).

 

Haverá uma resposta nacionalista à ameaça ecológica?

 

(...) dentro de mais uma década espera-se que a carne limpa produzida industrialmente seja mais barata do que a carne abatida.

 

Para proteger Xangai, Hong Kong e Tóquio  de inundações e tufões destrutivos, chineses e japoneses terão de convencer os governos russo e americano a abandonar seu comportamento tradicional.

 

Enquanto temperaturas mais altas provavelmente transformariam a China num deserto, elas podem simultaneamente fazer da Sibéria o celeiro do mundo.

 

Rússia, Irã e Arábia Saudita dependem da exportação de petróleo e gás. Suas economias entrarão em colapso se o petróleo e o gás de repente derem lugar ao Sol e ao vento.

 

Especialmente num mundo xenofóbico em que um devora o outro, se um único país optar por seguir um caminho tecnológico de alto ganho e alto risco, outros países serão obrigados a fazer o mesmo, porque ninguém pode se dar ao luxo de ficar para trás.

 

Cada um desses três problemas – guerra nuclear, colapso ecológico e disrupção tecnológica – é suficiente para ameaçar o futuro da civilização.

 

Países envolvidos em competição armamentista não são propensos a concordar com restrições ao desenvolvimento de inteligência artificial, e países que se esforçam por ultrapassar as conquistas tecnológicas de seus rivais acharão muito difícil concordar com um plano comum para deter a mudança climática.

 

Se queremos sobreviver e florescer, o gênero humano não tem outra opção a não ser complementar essas lealdades locais com obrigações reais para com a comunidade global.

 

8.RELIGIÃO – Deus agora serve à nação

 

Os cientistas aprendem gradualmente como cultivar melhores safras e fazer remédios melhores, enquanto os sacerdotes e os gurus só aprendem a dar melhores desculpas. (...) Quando coisas realmente funcionam todos as adotam [independente de suas culturas].

 

Não importa qual seja a política econômica escolhida por Khamenei, ele sempre poderá encaixá-la no Corão. Com isso, o Corão é rebaixado de fonte do verdadeiro conhecimento para fonte de mera autoridade. (...) depois de formular uma resposta, você se volta para o Corão e o lê atentamente em busca de uma sura que, se interpretada criativamente, é capaz de justificar a decisão que você foi buscar em Hayek ou em Marx.

 

Todas as identidades de massa são baseadas em narrativas ficcionais, não em fatos científicos ou mesmo necessidades econômicas.

 

No século XXI as religiões não trazem chuva, não curam doenças, não constroem bombas – mas sim determinam quem somos “nós” e quem são “eles”, quem devemos curar e quem devemos bombardear.

 

Sejam belas ou feias, todas as tradições religiosas unem certas pessoas enquanto as distinguem de seus vizinhos.

 

Kamikazes se apoiavam na combinação de uma tecnologia de ponta com uma doutrinação religiosa de ponta.

 

Não importa quão arcaica uma religião possa parecer, com um pouco de imaginação e reinterpretarão ela quase sempre pode se casar com as mais recentes engenhocas tecnológicas e as mais sofisticadas instituições modernas.

 

9.IMIGRAÇÃO – Algumas culturas talvez sejam melhores que outras

 

Os suecos trabalharam duro e fizeram numerosos sacrifícios para construir uma próspera democracia liberal, e, se os sírios não conseguiram fazer a mesma coisa, não é culpa dos suecos. Se os eleitores suecos não querem que entrem mais imigrantes sírios – seja qual for o motivo – é seu direito recusar a entrada. (...) O que significa que os imigrantes aos quais se permite que entrem na Suécia deveriam sentir-se extremamente gratos pelo que for que conseguirem, em vez de virem com uma lista de exigências, como se fossem os donos do lugar.

 

Exatamente porque a Europa acalenta a tolerância, não pode permitir que entrem muitas pessoas intolerantes. Enquanto uma sociedade tolerante é capaz de lidar com pequenas minorias não liberais, se o número desses extremistas exceder um certo limite, toda a natureza da sociedade se transforma. Se a Europa permitir a entrada de uma quantidade excessiva de imigrantes do Oriente Médio, ela vai acabar se parecendo com o Oriente Médio.

 

Quando uma sociedade oferece uma posterior igualdade total, tem o direito de exigir assimilação total. Se os imigrantes têm algum problema com certas peculiaridades da cultura britânica, alemã ou sueca, estão convidados a irem para outro lugar.

 

Se seus avós chegaram aqui há quarenta anos e você agora entra em manifestações nas ruas porque acha que não é tratado como um nativo, então você fracassou no teste.

 

A raiz desse debate tem a ver com diferença entre uma escala de tempo pessoal e uma escala de tempo coletiva. Do ponto de vista dos coletivos  humanos, quarenta anos é pouco tempo.

 

Se 1 milhão de imigrantes são cidadãos que respeitam a lei, mas cem juntam-se a grupos terroristas e atacam o país anfitrião, isso significa que, no geral, os imigrantes respeitam ou desrespeitam os termos do acordo?

 

O racismo tradicional está desaparecendo, mas o mundo está agora cheio de “culturistas”.

 

A polícia olha para a cor de sua pele com suspeita não por qualquer razão biológica, mas devido à história.

 

Mesmo sendo a cultura importante, as pessoas são modeladas por seus genes e por sua história pessoal única. Indivíduos desafiam estereótipos estatísticos.

 

Se gregos e alemães não conseguirem se entender quanto a um destino comum, e se 500 milhões de europeus afluentes não forem capazes de absorver uns poucos milhões de refugiados empobrecidos, que possibilidades terão os humanos de superar os conflitos muito mais profundos que assolam nossa civilização?

 

O terrorismo é a arma de um segmento marginal e fraco da humanidade. Como ele veio a dominar a política global?

 

10.TERRORISMO – Não entre em pânico

 

A cada ano acidentes de trânsito matam cerca de 80 mil europeus, 40 mil americanos, 270 mil chineses e 1,25 milhão no total. Diabetes e níveis elevados de açúcar matam até 3,5 milhões de pessoas por ano, e a poluição do ar, cerca de 7 milhões. Então por que temer o terrorismo mais do que o açúcar, e por que governos perdem eleições por causa de ataques terroristas esporádicos, mas não por causa da poluição crônica do ar?

 

Por que a memória pública atribui muito mais importância à destruição de dois prédios civis e à morte de corretores e contadores?

É porque o prédio do Pentágono é relativamente uniforme e despretensioso, enquanto o World Trade Center era um enorme totem fálico cujo colapso tem imenso efeito audiovisual. (...) Como entendemos o terrorismo como um teatro,  nó o julgamos mais por seu impacto emocional do que material.

 

Por que os Estados são tão sensíveis às provocações terroristas?

Os Estados têm dificuldade para resistir a essas provocações porque sua legitimidade baseia-se na promessa de manter a esfera pública livre de violência política.

 

Na França, por exemplo,  são relatados às autoridades mais de 10 mil casos de estupro por ano, e provavelmente dezenas de milhas de outros nem são reportados.

 

Na Idade Média, a esfera pública estava cheia de violência política. (...) Quando um abade morria e surgia uma disputa sucessória, facções rivais – que compreendiam monges, poderosos locais e vizinhos preocupados – frequentemente recorriam às armas para resolver a questão.

 

Para ser levado a sério era preciso pelo menos ter obtido o controle de um ou dois castelos fortificados. O terrorismo não preocupava nossos ancestrais medievais porque eles tinham problemas muito maiores com os quais lidar.

 

Uma pequena moeda num grande jarro vazio faz muito barulho.

 

É o nosso próprio terror interno que incita a mídia a se obcecar com o terrorismo, e o governo a reagir com exagero.

 

Se liberarmos nossa imaginação e reagirmos de forma equilibrada e sensata – o terrorismo fracassará.

 

Enquanto o terrorismo hoje é principalmente teatro, o terrorismo nuclear, o ciberterrorismo ou o bioterrorismo representariam, no futuro, uma ameaça muito mais séria, e exigiriam uma reação mais drásticas dos governos.

 

Simplesmente não sabemos nos preparar para toda e qualquer eventualidade.

 

11.GUERRA – Nunca subestime a estupidez  humana

 

As últimas décadas têm sido a era mais pacífica na história humana.

 

Em 1914 a guerra teve grande apelo para as elites em todo o mundo porque elas tinham muitos exemplos concretos de como guerras bem-sucedidas haviam contribuído para a prosperidade econômica e o poder político.

 

Os romanos prosperaram vendendo gregos e galeses cativos, e  os americanos, no século XIX, ocupando as minas de ouro da Califórnia e as fazendas de gado do Texas.

 

Corporações como Apple, o Facebook e o Google valem centenas de bilhões de dólares, mas não é possível se apropriar dessas fortunas pela força. Não existem minas de silício no Vale do Silício.

 

A bomba atômica transformou a vitória numa guerra mundial num suicídio coletivo.

 

Se os Estados Unidos atacassem agora um, país que possua capacidade para guerra cibernética, mesmo que moderada, a guerra poderia ser levada à Califórnia e a Illinois em minutos. Softwares contendo vírus e códigos maliciosos podem causar a parada do tráfego aéreo em Dallas, fazer trens colidirem na Filadélfia interromper o fornecimento de eletricidade em Michigan.

 

Armas nucleares e guerra cibernética, são tecnologias altamente danosas e de baixa lucratividade. Podem-se usar essas ferramentas para destruir países inteiros, mas não para construir impérios lucrativos.

 

Tanto no nível pessoal quanto no coletivo, os humanos são propensos a se engajar em atividades autodestrutivas.

 

A estupidez humana é uma das forças mais importantes na história, porém com freqüência tendemos a desconsiderá-la. Políticos, generais e estudiosos tratam o mundo como se fosse um grande jogo de xadrez, no qual cada movimento deve seguir-se a cuidadosos cálculos racionais. (...) o problema é que o mundo é muito mais complicado que um tabuleiro de xadrez, e a racionalidade humana não está à altura da tarefa de realmente compreender esse fato. Por isso até mesmo líderes racionais muitas vezes acabam fazendo coisas muito estúpidas.

 

(...) nenhum deus e nenhuma lei da natureza nos protegem da estupidez humana.

 

Tensões nacionais, religiosas e culturais são agravadas pelo sentimento grandioso de que minha nação, minha religião e minha cultura são as mais importantes no mundo. (...).

 

12.HUMILDADE – Você não é o centro do mundo

 

É desnecessário dizer que o gênero humano teria vivido numa bárbara e imoral ignorância não fosse pelas espetaculares conquistas de sua nação. Ao longo da história, alguns povos chegaram a ponto de imaginar que suas instituições políticas e práticas religiosas eram essenciais para as próprias leis da física.

 

Todas essas alegações são falsas. Elas combinam uma ignorância intencional da história com uma dose de racismo.

 

(...) Judeus seculares (...) acreditam que o povo judeu é o herói central da história e o manancial definitivo da moralidade, espiritualidade e aprendizado humanos. A China, a Índia, a Austrália e mesmo as galáxias distantes serão todas aniquiladas se os rabis em Jerusalém e no Brooklyn pararem de debater o Talmude.

 

O Antigo Testamento hebraico acabou se tornando a pedra angular da cultura humana global porque foi calorosamente adotado pelo cristianismo e incorporado na Bíblia.

 

A ideia de que os Dez Mandamentos sejam o sustentáculo da moralidade é uma ideia sem fundamento e insolente, que ignora muitas das mais importantes tradições éticas do mundo.

 

Aparentemente os chimpanzés líderes desenvolveram a inclinação a ajudar os pobres, órfãos e necessitados milhões de anos antes que a bíblia instruísse os antigos israelitas a “não afligirei a nenhuma viúva ou órfão”, e antes de o profeta Amós reclamar das elites sociais que “oprimem os fracos e esmagam os indigentes”.

 

Mil anos antes de o profeta Amós repreender as elites israelitas por seu comportamento opressor, o rei babilônio Hamurabi explicou que os grandes deuses o instruíram a “demonstrar justiça no país, destruir o mal e a perversidade e impedir que os poderosos explorem os fracos”.

 

Alguns sábios judeus alegaram que até mesmo o famoso mandamento “Ama o próximo como a ti mesmo” refere-se apenas a judeus, e que não existe nenhum mandamento para amar gentios.

 

A bíblia está longe de ser a fonte exclusiva da moralidade humana (e felizmente é assim, em vista das muitas atitudes racistas, misóginas e homofóbicas que ela contém).

 

A primeira evidência clara de monoteísmo vem da revolução religiosa do faraó Aquenatón, por volta de 1350 a.C., e documentos como o da Estela de Mesa (erigida pelo rei moabita Mesa) indicam que a religião bíblica de Israel não era em nada diferente das religiões de reinos vizinhos, como Moab. (...) De um ponto de vista ético, o monoteísmo foi sem dúvida uma das piores idéias na  história  humana.

 

O que o monoteísmo sem dúvida fez foi deixar as pessoas muito mais intolerantes do que eram, contribuindo assim para a disseminação das perseguições religiosas e guerras santas.

 

Quando o cristianismo se tornou a religião oficial, os imperadores romanos adotaram uma abordagem bem diferente. A começar com Constantino, o Grande, e seu filho Constâncio I, os imperadores fecharam todos os templos não cristãos e proibiram os assim chamados rituais “pagãos”, sob pena de morte.

 

13.DEUS – Não tomarás o nome de Deus em vão.

 

Por que existe algo, em vez de nada? O que moldou as leis fundamentais da física? O que é a consciência, e de onde ela vem? Não temos resposta para essas perguntas, e damos à nossa ignorância o grandioso nome de Deus.

 

Moralidade não quer dizer “cumprir os mandamentos divinos”. Quer dizer “diminuir o sofrimento”.

 

O seu próprio interesse – e não a ordem de algum Deus – é que deveria induzir você a fazer alguma coisa quanto a sua raiva. Se você se livrar totalmente dela, vai se sentir muito melhor do que se assassinar um inimigo.

 

O valor do Deus legislador depende em última análise do comportamento de seus devotos.

 

14.SECULARISMO – Tenha consciência de sua sombra

 

O secularismo é uma visão de mundo muito positiva e ativa, definida por um código de valores coerentes, e não pela oposição a esta ou aquela religião.

 

Uma das principais características das pessoas seculares é que elas não reivindicam esse monopólio. Não pensam que moralidade e sabedoria tenham descido do céu num lugar e tempo específicos. E sim que moralidade e sabedoria são o legado natural de todos os humanos.

 

O que é então o ideal secular? O compromisso secular mais importante é com a verdade, que se baseia em observação e evidência e não apenas na fé. (...) (Muitas vezes crenças fortes são necessárias justamente porque a narrativa não é verdadeira.)

 

Quando pessoas seculares se deparam com esses dilemas elas não perguntam: “O que Deus ordena?”. Em vez disso, avaliam cuidadosamente os sentimentos de todas as partes envolvidas, examinam um amplo espectro de observações e possibilidades e buscam um caminho do meio que cause o menor dano possível.

 

Não seremos capazes de buscar a verdade e uma saída para o sofrimento sem a liberdade de pensar, investigar e experimentar.

 

Pessoas temerosas de perder sua verdade são propensas a ser mais violentas do que pessoas acostumadas a olhar para o mundo de diferentes pontos de vista.

 

Há muitos cientistas judeus, ambientalistas cristãos, feministas muçulmanos e ativistas de direitos humanos hindus. Se forem leais à verdade científica,à compaixão, à igualdade e à liberdade, serão membros integrais do mundo secular, e não há nenhum motivo para solicitar que tirem seus solidéus, suas cruzes, seus hijabs ou tilakas.

 

Se estamos comprometidos com o direito à vida, isso implicaria que devemos usar a biotecnologia para superar a morte? Se estamos comprometidos com o direito a liberdade, deveríamos conferir poder a algoritmos que decifram e realizam desejos ocultos? Se  humanos desfrutam de direitos humanos iguais, super-humanos deveriam desfrutar de superdireitos? As pessoas seculares encontrarão dificuldades para se envolver nessas questões enquanto estiverem comprometidas com a crença dogmática em “direitos humanos”.

 

Toda religião, ideologia e credo tem sua sombra e, não importa qual o credo que você segue, deveria tomar consciência de sua sombra e evitar a ingênua certeza de “isso não pode acontecer conosco”.

 

Eu confiaria mais naqueles que admitem ignorância do que naqueles que alegam infalibilidade.

 

Se você se sente impotente e confuso diante da situação global, está no caminho certo. Processos globais são complicados demais para que uma única pessoa os compreenda. Como então saber a verdade sobre o mundo e não ser vítima de propaganda e desinformação?

 

 

15.IGNORÂNCIA – Você sabe menos do que pensa que sabe

 

A democracia fundamenta-se na ideia de que o eleitor sabe o que é melhor, o livre mercado capitalista acredita que o cliente tem sempre razão, e a educação liberal ensina os estudantes a pensarem por si mesmos. No entanto, é um erro depositar tanta confiança no indivíduo racional.

 

(...) a maioria das decisões humanas é baseada em reações emocionais e atalhos heurísticos e não em análise racional.

 

O que deu ao homo sapiens uma vantagem em relação a todos os outros animais e nos tornou os senhores do planeta não foi nossa racionalidade individual, mas nossa incomparável capacidade de pensar juntos em grandes grupos. (...) Baseamo-nos na expertise de outros para quase todas as nossas necessidades.

 

Nossa confiança no pensamento de grupo nos fez senhores do mundo, e a ilusão do conhecimento nos permite atravessar a vida sem cairmos em um esforço impossível para compreender tudo por nós mesmos.

 

(...) as pessoas não se dão conta de quão ignorantes são.

 

As pessoas mantêm opiniões muito firmes quanto ao que deveria ser feito no Iraque ou na Ucrânia, sem serem capazes de localizar esses países no mapa.

 

A maioria das pessoas não gosta de dados demais, e certamente não gosta de se sentir idiota.

 

Se você quiser se aprofundar em qualquer assunto, vai precisar de mito tempo e, principalmente, do privilégio de poder desperdiçar tempo. Terá de experimentar caminhos improdutivos, explorar becos sem saida, abrifr espaço para as dúvidas e o tédio e permitir que pequenas sementes de idéias cresçam e floresçam. Se você não pode se dar ao luxo de perder tempo, nunca encontrará a verdade.

 

Poder diz respeito a mudar a realidade e não a enxergá-la como ela é.

 

16.JUSTIÇA – Nosso senso de justiça pode estar desatualizado

 

O senso de justiça dos nossos ancestrais era estruturado para lidar com dilemas relativos à vida de algumas dezenas de pessoas em poucas dezenas de quilômetros quadrados. Quando tentamos compreender relações entre milhões de pessoas em continentes inteiros, nosso senso moral fica assoberbado.

 

O sistema está estruturado de tal maneira que aqueles que não se esforçam por saber podem permanecer numa feliz ignorância, e os que fazem um esforço vão descobrir que é muito difícil saber a verdade.

 

Como podemos agir moralmente quando não temos como conhecer todos os fatos relevantes?

 

Encantadoras damas inglesas financiaram o tráfico de escravos no Atlântico comprando ações e títulos na Bolsa de Londres, sem nunca terem posto o pé na África ou no Caribe. Elas depois adoçavam o chá das quatro com cubos de açúcar brancos como a neve, produzidos em plantations infernais – sobre as quais elas nada sabiam.

 

Algo está errado quanto às intenções de quem não faz um esforço sincero para saber.

 

Mas o que pode ser considerado “um esforço sincero para saber”? Deveriam os chefes dos correios em cada país abrir a correspondência que estão entregando e se demitirem ou se revoltarem se descobrirem propaganda do governo?

 

Sem a vantagem da visão retrospectiva, a certeza moral pode estar fora de nosso alcance. A verdade amarga é que o mundo ficou complicado demais para nosso cérebro de caçadores-coletores.

 

Um homem afro-americano com trinta anos de idade tem uma experiência de trinta anos do que significa ser um homem afro-americano. Mas não tem experiência do que é ser uma mulher afro-americana, uma cigana búlgara, uma russa cega ou uma lésbica chinesa.

 

Daí que crescer como negro em Baltimore dificilmente faz com que seja fácil compreender a luta de crescer como lésbica em Hangzhou.

 

Em épocas mais antigas isso tinha menos importância, porque você não se sentia responsável pelas dificuldades de gente que vivia do outro lado do mundo. Em geral, fazer um esforço para simpatizar com seus vizinhos menos afortunados já era suficiente. (...) Como compreender a rede de relações entre milhares de grupos que se intersectam por todo o mundo?

 

A maioria de nós não é mais capaz de compreender os grandes problemas reais do mundo.

 

Ao tentar entender e julgar dilemas morais as pessoas frequentemente recorrem a um de quatro métodos.

1º - minimizar a questão. A complexidade histórica do conflito [na Síria] é substituída por uma trama simples e clara.

2º - focar numa narrativa humana tocante. Isto é algo que as instituições de caridade compreenderam durante muito tempo.

3º - tecer teorias de conspiração. É muito mais fácil imaginar que vinte multibilionários estão puxando as cordinhas nos bastidores, controlando a mídia e fomentando guerras para enriquecer. [A questão é que] ninguém compreende realmente o que está acontecendo no mundo.

4º - Criar um dogma, depositar nossa fé em alguma teoria, instituição ou liderança e segui-la. Eles nos oferecem um porto seguro para a frustrante complexidade da realidade.

 

Todas as tribos humanas existentes estão empenhadas em fazer avançar seus interesses particulares e não em compreender a verdade global.

 

17.PÓS-VERDADE – Algumas fake news duram para sempre

 

Enquanto todos acreditamos nas mesmas ficções, todos nós obedecemos às mesmas leis e, portanto, cooperamos efetivamente.

 

Temos zero evidência científica de que Eva foi tentada pela serpente, que as almas dos infiéis ardem no inferno depois que morrem ou que os criados do universo não gostam quando um brâmane se casa com um intocável – mas bilhões de pessoas têm acreditado nessas narrativas durante milhares de anos. Algumas fake news duram para sempre.

 

Para o bem ou para o mal, a ficção está entre os instrumentos mais eficazes na caixa de ferramentas da humanidade.

 

O Senado Romano alegava ter o poder de transformar pessoas em deuses, e depois esperava que os súditos do império cultuassem esses deuses. Isso não era ficção?

 

Para Joseph Goebbels, “uma mentira dita uma vez continua uma mentira, mas uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”.

 

O poder da cooperação humana depende de um delicado equilíbrio entre a verdade e a ficção. Se você distorcer demais a realidade, isso na verdade vai enfraquecê-lo, fazendo-o agir de maneira irrealista.

 

Se ficar preso à realidade crua, poucas pessoas o seguirão.

 

Pedir às pessoas que acreditem num absurdo é um teste muito melhor do que pedir que acreditem na verdade. (...) Se todos os seus vizinhos acreditarem na mesma história absurda, você pode contar com eles em momentos de crise.

 

[Uma nota de dólar ou qualquer outra moeda] é, na verdade, um pedaço de papel sem valor, mas, como outras pessoas o consideram valioso, posso fazer uso dele. (...) Aprendemos a respeitar livros sagrados da mesmíssima maneira que aprendemos a respeitar notas de dinheiro.

 

Daí que, na prática, não existe uma divisão clara entre “saber que algo é apenas uma convenção humana” e “crer que algo é inerentemente valioso”.

 

(...) você poderá descobrir que nações são elaboradas invencionices.

 

Se você quer poder, em algum momento terá de disseminar mentiras. Se você quiser saber a verdade sobre o mundo, em algum momento terá de renunciar ao poder.

 

Os intelectualmente mais poderosos – fossem sacerdotes cristãos, mandarins confucianos ou ideólogos comunistas – puseram a união acima da verdade. E justamente por isso eram tão poderosos.

 

Se você sonha com uma sociedade na qual a verdade reina suprema e os mitos são ignorados, não pode esperar muito do Homo sapiens. Melhor tentar a sorte com os chipanzés.

 

Em vez de aceitar as fake news como a norma, deveríamos reconhecer que é um problema muito mais difícil do que supomos, e que deveríamos nos esforçar ainda mais para distinguir a realidade da ficção. (...) nenhum jornal está livre de vieses e erros, mas alguns fazem um esforço honesto de descobrir a verdade, enquanto outros são uma máquina de lavagem cerebral.

 

É responsabilidade de todos nós (...) verificar nossas fontes de informação.

 

[Para isso] duas regras gerais simples:

1ª – se você quer uma informação confiável, pague por ela. [Não necessariamente será confiável.]

2ª – se algum assunto parece ser importante para você, faça o esforço de ler literatura científica relevante sobre ele.

 

Silêncio não é neutralidade, é apoio ao status quo.

 

18.FICÇÃO CIENTÍFICA – O futuro não é o que você vê nos filmes

 

[No futuro] Devemos temer um conflito entre uma pequena elite de super-humanos com poderes ampliados por algoritmos e uma vasta subclasse de Homo sapiens sem nenhum poder.

 

Na verdade, tudo o que você experimentar na vida está dentro de seu próprio corpo e sua própria mente.

 

O que quer que você seja capaz de sentir em Fiji, você é capaz de sentir em qualquer lugar do mundo (...).

 

Segundo as melhores teorias científicas e as mais atualizadas ferramentas tecnológicas, a mente nunca está livre de manipulação. Não existe um “eu” autêntico esperando ser libertado da carapaça da manipulação.

 

No admirável mundo novo de Huxley, o Governo Mundial utiliza biotecnologia avançada e engenharia social para garantir que todos estejam sempre contentes e que ninguém tenha nenhum motivo para se rebelar.

 

O genial em Huxley consiste em demonstrar que é possível controlar pessoas  com muito mais segurança mediante amor e prazer do que por medo e violência.

 

[Em Admirável Mundo Novo] John então questiona as idéias que sustentam a ordem global, e acusa o Governo Mundial de que, na busca da felicidade, ele eliminou não só a verdade e a beleza, mas tudo o que é nobre e heroico na vida.

 

“Meu jovem querido amigo”, diz Mustafá Mond, “a civilização não precisa de nobreza ou heroísmo. Essas coisas são sintomas de ineficiência política”.

 

“Tudo bem, então”, disse o Selvagem, desafiador. “Estou reivindicando o direito de ser infeliz.”

“Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; o direito de ter sífilis e câncer; o direito de ter muito pouco o que comer; o direito de ser horrível; o direito de viver em constante apreensão quanto ao que vai acontecer amanhã; o direito de pegar tifo; o direito de ser torturado por dores indizíveis de todo tipo”.

Houve um longo silencio.

“Reivindico tudo isso”, disse o Selvagem afinal.

Mustafá Mond deu de ombros. “Disponha”, disse ele.

 

19.EDUCAÇÃO – A mudança é a única constante

 

Uma vez tendo a tecnologia nos capacitado a projetar e construir corpos, cérebros e mentes, não podemos mais ter certeza de nada – inclusive coisas que antes pareciam ser fixas e eternas.

 

Hoje não temos ideia de que aspecto terão a China e o resto do mundo em 2050. Não sabemos o que as pessoas farão para ganhar a vida e  não sabemos como vão funcionar exércitos ou burocracias, e não sabemos como serão as relações entre os gêneros.

 

Nenhum governo pode ter esperança de esconder toda informação da qual ele não gosta. Por outro lado, é alarmantemente fácil inundar o público com relatos conflitantes e pistas falsas.

 

Num mundo assim, a última coisa que um professor precisa dar a seus alunos é informação. (...) As pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo.

 

Como você deve agir quando estiver inundado por enormes quantidades de informação e não houver meios de absorvê-la e analisá-la? Como viver num mundo em que uma profunda incerteza não é um bug, e sim  uma característica?

 

Milhares de anos atrás, os humanos inventaram a agricultura, mas essa tecnologia só enriqueceu uma pequena elite, enquanto escravizava a maioria dos humanos.

 

A voz que ouvimos dentro de nossa cabeça nunca foi confiável, porque sempre refletiu propaganda oficial, lavagem cerebral ideológica e publicidade comercial, sem falar nos bugs bioquímicos.

 

Para ser bem-sucedido numa tarefa tão intimidadora, você terá de trabalhar muito duro para conhecer melhor seu sistema operacional. (...) Coca-Cola, Amazon, Baidu e o governo estão todos correndo para hackear você. (...) Você pode ter ouvido dizer que estamos vivendo uma era de hackeamento de computadores, mas isso não é nem metade da verdade. A verdade é que estamos vivendo na era do hackeamento de humanos.

 

Se os algoritmos realmente compreenderem melhor que você o que está acontecendo dentro de você, a autoridade passará para eles.

 

Se você quiser manter algum controle sobre sua existência pessoal e futuro de sua vida, terá de correr mais rápido que os algoritmos e conseguir conhecer a si mesmo melhor do que eles conhecem. Para correr tão rápido, não leve muita bagagem consigo. Deixe para trás suas ilusões. Elas são pesadas demais.

 

20.SENTIDO – A vida não é uma história

 

Antílopes comem capim, leões comem antílopes, e quando os leões morrem seu corpo se decompõe e alimenta o capim.

 

O que são uns poucos mortos comparados com a eternidade?

 

Será que alguém acredita seriamente que o povo judeu, o Estado de Israel ou acidade de Jerusalém ainda existirão dentro de 13 mil anos, que dirá 13 bilhões de anos?

 

Toda narrativa é incompleta.

 

Para dar sentido a minha vida, uma narrativa precisa satisfazer apenas duas condições: primeiro, tem de dar a mim algum papel a desempenhar. (...) Assim como as estrelas do cinema, os humanos só gostam dos roteiros que reservam papéis importantes para eles.

Segundo, uma boa narrativa tem de se estender além de meus horizontes. A narrativa me provê de uma identidade e dá sentido a minha vida ao me incorporar a algo maior do que eu mesmo.

 

A maioria das histórias bem-sucedidas não se fecha.

 

Se você tecer uma narrativa boa o bastante, não ocorrerá a ninguém perguntar sobre onde o elefante se apoia.

 

Pessoas não precisam de um dogma elaborado – só precisam de um sentimento reconfortante de que sua narrativa continua além do horizonte da morte.

 

Perguntaram a um  homem idoso e sábio o que tinha aprendido sobre o sentido da vida. “Bem”, ele respondeu, “aprendi que estou aqui na Terra para ajudar outras pessoas. O que ainda não descobri é por que as outras pessoas estão aqui”.

 

Toda história está errada, simplesmente por ser uma história.

 

Quando identidades pessoais e sistemas sociais são construídos sobre uma narrativa, torna-se impensável duvidar dela,  não devido a uma evidência que a sustenta, mas porque seu colapso desencadearia um cataclismo pessoal e social. Na  história, o telhado é às vezes mais importante que as fundações.

 

Se você quer saber qual é a verdade definitiva da vida, os ritos e os rituais são um grande obstáculo. Mas, se está interessado – como Confúcio – em estabilidade e harmonia social, a verdade é frequentemente um risco, enquanto os ritos e rituais estão entre seus melhores aliados.

 

Para muitas pessoas, em 2018, dois pedaços de madeira pregados um no outro são Deus, um pôster colorido na parede é a Revolução, e um pedaço de pano drapejando ao vento é a Nação.

 

Se você quer fazer com que as pessoas realmente acreditem em alguma ficção, seduza-as a fazer um sacrifício por ela. Se você sofrer por uma história, normalmente isso é suficiente para convencê-lo de que a história é real.

 

A maioria das pessoas não gosta de admitir que são tolas. Consequentemente, quanto mais sacrifícios fazem por uma determinada crença, mais forte é sua fé.

 

O sacrifício não é apenas um modo de convencer a pessoa amada de que seu amor é sério – mas um meio de convencer a si mesmo de que está realmente apaixonado.

 

“Ou a narrativa é verdadeira ou eu sou crédulo e tolo”.

 

Quando você inflige sofrimento a outros, você também tem uma escolha: “Ou a narrativa é verdadeira ou sou um vilão cruel”.

 

(o significado literal da palavra shabat é “ficar imóvel” ou “descansar”)

 

Em Israel, judeus religiosos tentam frequentemente obrigar judeus seculares, e até mesmo ateus, a seguir esses tabus. (...) Embora não tenham conseguido banir o uso de veículos privados no Shabat, conseguiram banir o transporte público [e fodam-se os gentios!].

 

Quantos socialistas trabalham com sua máxima capacidade sem receber mais do que realmente necessitam?

 

Quase ninguém tem apenas uma identidade. Ninguém é só um muçulmano, ou só um italiano, ou só um capitalista. Mas de vez em quando surge um credo fanático e insiste que as pessoas deveriam acreditar em apenas uma única narrativa e ter somente uma identidade.

 

Fascismo é aquilo que acontece quando o nacionalismo quer tornar a vida fácil demais para ele, negando todas as outras identidades e obrigações.

 (...) o fascismo diz que minha nação é suprema, e que devo a ela obrigações exclusivas.

 

E como um fascista decide o que se deve ensinar às crianças na escola? Ele emprega o mesmo parâmetro. Ensinar às crianças tudo o que atenda aos interesses da nação; a verdade não tem importância.

 

A vasta maioria dos nazistas de carteirinha e até mesmo os soldados da SS nem enlouqueceram nem se mataram. Continuaram a ser agricultores, professores, médicos e corretores de seguro produtivos.

 

Com a ascensão da cultura moderna, no entanto, a mesa foi virada. A fé parecia cada vez mais uma escravidão mental, enquanto a dúvida passou a ser vista como uma precondição para a liberdade.

 

O significado da vida não é um produto que já vem pronto para uso. Não há um roteiro divino, e nada que está fora de mim pode emprestar significado a minha vida. Sou eu quem imbuo significado em tudo mediante minhas livres escolhas e meus próprios sentimentos.

 

O universo é apenas uma miscelânea de átomos. Nada é bonito, sagrado ou sexy – mas os sentimentos humanos fazem com que seja.

 

Eu dou um sentido ao universo.

 

Uma pessoa pode decidir ir à igreja todo domingo, num esforço consciente para fortalecer seus fracos sentimentos religiosos – mas por que uma aspira a ser mais religiosa, enquanto outra está perfeitamente satisfeita por permanecer ateia? Isso pode resultar de quaisquer disposições culturais e genéticas, mas nunca é resultado de um “livre-arbítrio”.

 

O universo não segue um enredo, assim cabe aos humanos criar um enredo, e esta é nossa vocação e o sentido de nossa vida.

 

O universo não tem sentido, tampouco os sentimentos humanos. Eles não são parte de alguma grande narrativa cósmica, são apenas vibrações efêmeras, que aparecem e desaparecem sem propósito especifico. Essa é a verdade. Trate de superar isto.

 

Buda ensinou que há três realidades básicas do universo: tudo está em constante mudança, nada tem uma essência duradoura, e nada é totalmente satisfatório.

 

O sofrimento surge porque as pessoas não conseguem entender que ninguém encontrará algo que não mude, que tenha uma essência eterna e que o satisfaça completamente.

 

Segundo Buda, então, a vida não tem sentido, e as pessoas não precisam criar nenhum sentido. Precisam apenas se dar conta de que não há sentido, e assim estão liberadas do sofrimento causado por nossas ligações e nossa identificação com fenômenos vazios.

 

Hoje em dia, a situação dos direitos humanos em Mianmar, país budista, está entre as piores no mundo, e um monge budista, Ashin Wirathu, lidera o movimento antimuçulmano no país.

 

Um monge pregou compaixão por um mosquito, mas, confrontado com alegações de que mulheres muçulmanas tinham sido estupradas por militares de Mianmar, ele riu e disse: “Impossível. Os corpos delas são repulsivos demais”.

 

Somos particularmente ruins em perceber a diferença entre ficção e realidade. Ignorar essa diferença tem sido para nós uma questão de sobrevivência. Porque a coisa mais real no mundo é o sofrimento.

 

21.MEDITAÇÃO – Apenas observe

 

Estou muito consciente de que as peculiaridades de meus genes, neurônios, história pessoal e darma não são compartilhadas por todo mundo.