EXTRATO DE: BABEL: ENTRE A INCERTEZA E A ESPERANÇA

Autor: Zygmunt Bauman e Ezio Mauro, jornalista e escritor italiano

Ed. Zahar (2015/2016)

 

[A obra está na forma de uma conversa entre os dois pensadores sobre vários temas.]

 

EZIO MAURO

Estamos descobrindo que acreditar nas formas e instituições da democracia não é o bastante. A democracia não é autossuficiente.

 

Governos democráticos são instáveis porque tudo está fora de controle

 

Autonomia da crise: a crise é indiferente ao processo democrático [e] tira vantagem das fraquezas desse processo e exagerando-as.

 

Como a democracia está sob ataque, nós devemos indagar se ela ainda é capaz de pensar sobre si mesma, se ainda é capaz de se repensar, de modo a imaginar o novo e recuperar o poder de governar de fato.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Como observou Freud, em nome de maior segurança, nós tendemos a estar prontos para sacrificar e ceder grande parte de outro valor que exaltamos, a liberdade.

 

De maneira pendular, nós vamos da ânsia por mais liberdade à angustia por mais segurança.

 

Eleitores apenas procedem mecanicamente (...) eles vão às cabines eleitorais para escolher males menores.

 

 

EZIO MAURO

 

Estamos enfrentando uma instabilidade política que, em primeiro lugar e acima de tudo, é uma solidão política, uma incomunicabilidade política.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

A apatia política não é novidade. (...) Já na virada para o século XX, pensadores já nos advertiam sobre a passividade dos membros da base dos partidos políticos, bem como da maioria do eleitorado, causada pela incapacidade da gente comum, equipada apenas de conhecimentos médios, de compreender a espantosa complexidade das questões que os poderes investidos confrontam diariamente e com que são obrigados a lidar. [Desde lá já se observava que os cidadãos] são incapazes de contribuir com qualquer coisa relevante.

 

A passividade dos cidadãos era baseada na confiança de que governos e parlamentos podiam realizar a tarefa [de conduzir a sociedade] e cumprir suas promessas. Contudo, agora não é mais assim.

 

Benjamim Barber: "Hoje, depois de uma longa história de sucesso regional, o Estado-nação está nos decepcionando na escala global. Ele foi a receita política perfeita para a liberdade e a independência de povos e nações autônomos. Ele é terminantemente inadequado para a interdependência."

 

 

EZIO MAURO

 

Se a palavra "massas" é inteiramente inapta para definir as várias solidões que se reúnem atrás desse novo flautista de Hamelin - ouvindo sua musica mágica, por assim dizer, cada qual com seu próprio fone de ouvido -, mesmo a palavra "líder" nos chega de outro século, sem ser capaz de traduzir nossa época de transformações.

 

Você, Bauman, há muitos anos dizia: a política é reduzida à dimensão de evento, o guru substitui o líder, a celebridade toma o lugar do renome, a popularidade, o lugar da reputação.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Barber: A cidade, o habitat humano em primeira instância, tornou-se hoje, no mundo em globalização, mais uma vez, a melhor esperança da democracia. A cidade, agora, parece o nosso destino. É onde a criatividade é desatrelada, a comunidade, consolidada e a cidadania, realizada.

 

Considerada do ponto de vista da coletividade, a rivalidade de seus membros está em dar ou em acrescentar à comunidade colaborativa, não em se apossar e tirar dela.

 

Dar significa fazer o bem, mas também sentir-se bem: as duas satisfações se fundem numa só e não são mais distinguíveis uma da outra.

 

A democracia foi sustentada pela tradução contínua de interesses privados em questões públicas e de necessidades públicas em direitos e deveres privados.

 

Não há sentido em desenvolver lealdade para com nossos colegas de trabalho, os quais já não são mais companheiros de armas. Não faz sentido, tampouco, desenvolver lealdade para com a empresa. Quem sabe quanto tempo vão eles permitir que você fique? Essa é a mentalidade dos nossos tempos.

 

Para John Major, em sua "Carta ao cidadão" propugnava que o bom cidadão é aquele que aceita o que o Estado oferece e fica satisfeito com o que obtém.

 

Onde isso vai dar? Estamos preocupados com o estado lamentável da democracia e a impotência cada vez mais patente das instituições criadas em seu nome. Preocupamo-nos com a política reduzida a espetáculo; os cidadãos, a espectadores; o discurso político, a oportunidades para tirar a foto; e a batalha de idéias, à competição entre "marqueteiros".

 

Existe alguma perspectiva realista de um movimento de massa em defesa da nossa democracia doente e vulnerável?

 

Essas manifestações, inclino-me a dizer, são casos de "solidariedade explosiva": por um instante as pessoas suspendem as diferenças de seus interesses e de suas preferências a fim de liberar a energia acumulada pelo grande número de manifestantes e de maneira tão impressionante (e esperançosamente efetiva).

 

EZIO MAURO

 

Hoje nos falta um "telhado", algo que compartilhamos e que pode nos manter juntos, dando-nos um sentido de pertencimento e de identidade na nossa relação uns com os outros.

 

O que está em jogo aqui não são apenas as conseqüências de graves transformações no trabalho, mas o próprio trabalho.

 

Rifkin, em The Zero Marginal Cost Society: Se a taxa atual de deslocamento tecnológico no setor manufatureiro continua, ... o emprego fabril, que era responsável por 163 milhões de empregos em 2003, provavelmente terá apenas uns poucos milhões de pessoas em 2040 (...) Uma vez que, nos mercados capitalistas, capital e trabalho se alimentam um do outro, o que acontece quando tão poucas pessoas estão produtivamente empregadas que não  há compradores para adquirir os bens e serviços de quem os vende?

 

Para Ulrich Beck o que está em jogo não são apenas milhões de desempregados. (...) Tudo o que temos está em jogo. A liberdade política e a democracia na Europa estão em jogo.

 

Quando você, Bauman, argumenta que, sob a pressão da crise, o mundo se desloca para fora da esfera da nossa responsabilidade e do nosso poder de intervir, você mostra que, se participarmos de alguma batalha política ou se nos trancarmos em  nossas casas, isso não faz nenhuma diferença.

 

Não somos mais capazes de encontrar razões para construir, propor, reformar.

 

O cidadão é chamado a abastecer seu voto com sua raiva, a qual é então preservada em compartimentos esterilizados até o período eleitoral seguinte.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Sob condições democráticas, o preço do trabalho transcendeu, em regra, a capacidade de pagar do capital; consequentemente, o progresso da democracia teve de ser - e certamente foi - acompanhado pelo estabelecimento e expansão de direitos sociais na forma institucionalizada das clausulas do Estado de bem-estar social.

 

Os seres humanos se ressentem de atenção e negligência; ter seu mérito reconhecido e apreciado é, segundo Platão, uma necessidade humana fundamental.

 

A economia "erótica" ou consumista é conhecida por ajustar a demanda à oferta seduzindo consumidores prospectivos a desejar produtos de que ele nunca imaginou precisar.

 

Peter Sloterdijk: Hoje, o indivíduo é em primeiro lugar e acima de tudo um consumidor, não um cidadão.

 

 

EZIO MAURO

 

Eis onde estamos: a exclusão é a nova forma da desigualdade, não apenas uma de suas consequências.

 

Quem vive no espaço dos fluxos não tem mais necessidades desses laços nem dessa responsabilidade.

 

Precisamos dar um novo significado (...) a ex-cidadãos que não têm mais identidade, indivíduos que não projetam nenhuma sombra social, não deixam nenhuma pegada política em pleno meio onde vivemos.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Hoje, todos estão sozinhos não só na morte, mas em seus esforços para continuar vivos. (...) Ser abandonado e excluído, rejeitado e relegado à lixeira não engendra solidariedade, gera e causa desrespeito mútuo, desconfiança, rancor e aversão (...) um vale-tudo pelas migalhas que caem das mesas festivas da sociedade de consumo.

 

Sindicatos? Greves? Nada a esperar daí, a não ser mais fábricas fechadas e abandonadas pelos proprietários de capital, ofendidos com as reivindicações e a militância inospitaleira e arrogante dos obstinados habitantes locais.

 

Acredito que o que nos mantém vivos e atuantes é a imortalidade da esperança. E como Camus, "Eu me rebelo, logo existimos."

 

 

EZIO MAURO

 

Colin Crouch: Quanto capitalismo a democracia pode agüentar?

 

(...) pois na democracia o poder está sempre em leilão.

 

A opinião é afetada pela linguagem da necessidade e se aloja profundamente dentro dela.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

O grande José Saramago, escritor de cujos insights sou profundamente devedor, confessou, ao fazer 86 anos, "um gosto amargo" na boca causado por sua certeza "de que o punhado de coisas sensíveis" que havido dito em sua longa vida "mostrou-esse afinal sem consequência alguma". (...) "As pessoas não escolhem um governo que porá o mercado sob seu controle; em vez disso, o mercado condiciona o governo, de todos os modos a pôr as pessoas sob seu controle." Em consequência. Esse mercado não é democrático porque as pessoas nunca o elegeram e não o governam e, finalmente, "porque ele não tem a felicidade das pessoas como meta".

 

Por "natureza prática" queria dizer que devemos ser realistas - brutalmente honestos com nós mesmos - quando se trata de nossas chances de levar as transformações a cabo.

 

A necessidade é uma ilusão, ou pior: para citar o discurso de William Pitt, o Jovem, em 18 de novembro de 1783, a "necessidade é o pretexto para todas as violações da liberdade humana. É o argumento dos tiranos, é o credo dos escravos.

 

O mundo dos seres humanos é um reino de possibilidades-probabilidades,  de determinações e necessidades.

 

Outrora todos os caminhos levavam a Roma. Hoje todos levam ás lojas.

 

Leis do mercado, da Tina (There is no Alternative).

 

A ruína notória de todo e qualquer governo do dia: o déficit crônico de poder que seria necessário para lidar com os problemas que afetam a vida cotidiana e as perspectivas de vida de seus cidadãos.

 

 

EZIO MAURO

 

Eu permaneço no interior dos fluxos, plenamente imerso na poeira fina da informação, exposto aos ritos televisionários de poder. Esse mecanismo, porém, só anda numa direção, e tudo o que posso fazer é mudar de canal ou desligar o aparelho à noite.

 

Sou um cidadão-cliente: na verdade, um consumidor. Eu compro e recebo idéias pré-processadas e transmitidas de formas funcionais para a narrativa de outrem.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Pelo uso da força, as pessoas podem ser obrigadas a fazer algo de que prefeririam se abster. Pelo uso do dinheiro (grandes quantidades de dinheiro), as pessoas podem ser induzidas a fazer o que não fariam por iniciativa própria. Pelo uso da sedução, as pessoas podem ser tentadas a fazer coisas pela pura felicidade de fazê-lo.

 

As tentações da irresponsabilidade são quase irresistíveis.

 

Desde o começo da humanidade os seres humanos preferiram deixar essa responsabilidade [de carregar o fardo pelo estado e conduta do mundo], total e indivisa, para os deuses.

 

Sejamos francos e honestos: a maior parte das pessoas sob a maioria das circunstâncias não está ansiosa para (e nem gostaria de) jogar as responsabilidades sobre seus próprios ombros.

 

Os jovens atuais vivem numa "conectividade" que substituiu sub-repticiamente as coletividades dos velhos tempos. (...) os jovens de hoje "têm acesso a todas as pessoas" com seus smartphones. Com os Sistemas de Posicionamento Global, eles têm acesso "a todos os lugares. Com a internet, a todos os conhecimentos".

 

Michel Serres prognostica uma mudança profunda na condição e no modo de vida humanos, talvez sem precedentes em seu radicalismo e abrangência. Uma mudança que ocorre sem ideologias, movimentos políticos maciços, gabinetes de planejamento, politburos e estados-maiores; não uma mudança planejada, projetada, monitorada, administrada e controlada, mas uma mudança que emergirá por lógica e por ímpeto próprios a partir de atos difusos, dispersos e pobremente coordenados de atores difusos, dispersos e pobremente coordenados (...). O que está acontecendo hoje não é uma nova reviravolta na história, mas uma nova maneira de fazer a história.

 

EZIO MAURO

 

O que estamos excluindo de nosso processo cognitivo é precisamente a seleção, vale dizer, a capacidade de estudar, entender, descartar, definir, refinar e finalmente escolher.

 

O homem que viveu o processo a partir dos anos 1970 até agora escolheu o autorrefinamento ou a estupidez, segundo as oportunidades e os riscos com os quais se viu confrontado; ele fez escolhas e modelou a si próprio segundo as exigências ou possibilidades sociais que lhe estavam disponíveis, até se tornar afinal o "solitário interconectado" que você, Bauman, mencionou.

 

Se posso fazer tudo sozinho, todas as formas de mediação são injustificadas e arrogantes.

 

O tempo de rede excede o tempo biológico, e desse modo se torna o que Castells chama de "tempo intemporal, que é o tempo do 'agora' curto, sem nenhuma sequência ou ciclo", um tempo de rede que "não tem passado nem futuro. É o cancelamento da sequência, portanto, do tempo".

 

Na verdade, diz Castells, a relação com o tempo é definida pelo uso de tecnologias de informação e comunicação em seu esforço implacável para aniquilar o tempo pela negação do sequenciamento: por um lado, comprimindo o tempo (como nas transações financeiras globais de frações de segundo ou na prática generalizada da multitarefa, que comprime mais atividades numa só); por outro lado, a sequência toldada de práticas sociais, incluindo passado, presente e futuro em ordem aleatória, como no hipertexto eletrônica da Web 2.0 ou na diluição dos ciclos de vida tanto no trabalho quanto nos cuidados parentais.

 

Se tudo é simultâneo, só conta o que é imediato, não o que foi acumulado (...).

 

Aqui e agora, a impressão toma o lugar da opinião.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Uma "rede" não é um espaço para desafiar as idéias recebidas e as preferências de seu criador. Ela é povoada exclusivamente por pessoas de mesma opinião, dizendo o que a pessoa que os admitiu deseja ouvir e prontas a aplaudir tudo o que quem as admitiu ou nomeou venha a dizer; dissidentes são exilados ao primeiro sinal de discordância.

 

 

EZIO MAURO

 

Eu sou tecnicamente capaz de investigar a sua vida, todos os mínimos  recantos, em nome de sua segurança e da dos demais. Por essa razão, eu o faço.

 

Se o tecnicamente possível for legitimo, então o que é efetivo se torna apropriado - não interessa se é legal ou não.

 

A internet mudou radicalmente não só a comunicação e a conexão, mas também a história, já que na rede tudo acontece no presente; mudou a geografia, pois a internet é ubíqua; mudou a economia, com companhias digitais que valem mais do que os negócios off-line; mudou os costumes, virando de pernas para o ar o equilíbrio do saber entre nós e nossos filhos.

 

Bertrand Russel chama de "imunidade à eloqüência" a capacidade de resistir à falsa mágica das palavras do Poder.

 

A revolução da espacialidade desencadeada pela globalização, junto com a revolução tecnológica, produziu a explosão da espacialidade moderna - do espaço nacional, social, político -, desintegrando a soberania popular e a soberania pública, tornando impossível qualquer controle de mandatos e qualquer limite à representação.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Stanley Milgram, pesquisador universitário de Yale, pediu a estudantes dessa universidade altamente prestigiosa - pessoas ostensivamente bem educadas, inteligentes e instruídas - para dar choques de 400 volts, muito doloroso, em participantes de um pretenso estudo científico sobre processo de aprendizagem; 65% deles obedeceram ao comando (para surpresa e consternação dos especialistas, que esperavam que no máximo 5% concordassem com isso!).

 

[A explicação para tipos de casos como este e outros, como por exemplo, soldados que obedecem a ordens de extermínio de outros cidadãos, é a percepção de que deveriam obedecer aos "superiores", ou às "pessoas no comando", às "pessoas que sabiam o que estavam fazendo".]

 

A geração atual é uma geração de "solitários sempre em contato".

 

EZIO MAURO

 

Mil cacos de informação nada acrescentam ao conhecimento.

 

Eu mesmo estou no fluxo, eu quero estar nele, eu também sou o fluxo. E tudo se encontra no fluxo, ou pelo menos tudo de que eu necessito.

 

Em apenas poucos segundos posso responder aos tuítes de Madonna sobre suas ações de caridade como se ela estivesse falando comigo. Eu sou o protagonista, eu sinto o fluxo à minha volta.

 

Tudo que funcionava como mecanismo de salvaguarda antes da internet, desaba com ela. (...) a rede me leva para dentro dos fenômenos em movimento, quero estar neles como senhor: não reconheço nenhuma autoridade externa. (...) Eu entrei no filme, não vou voltar para a platéia.

 

Clay Shirky: Filtrar e depois publicar, quaisquer que sejam suas vantagens, repousava sobre uma escassez de mídia que é coisa do passado. A expansão da mídia social significa que o único sistema em funcionamento é publicar e depois filtrar.

 

[Estamos assistindo] ao fim da hierarquia, da verticalidade da informação, em nome da horizontalidade da comunicação.

 

Entre meu mouse que descarta opiniões discordantes da minha opinião e meu orgulho satisfeito com as opiniões que concordam comigo jaz o gargalo inevitável pelo qual estou me afunilando, feito de sinais tranquilizadores, mensagens reconfortantes e pensamentos confirmadores. Nós tendemos a viver e a navegar entre nossos iguais, mas o conceito de igualdade dos séculos XIX e XX mudou de significado. Hoje não é social, não é político, não é econômico. Igualdade agora significa apenas concordância, um mundo concorde à minha volta.

 

Castells: Na nossa sociedade, os protocolos de comunicação não são baseados em compartilhamento de cultura, mas na cultura do compartilhamento.

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Kafka: Hoje os portões retrocederam para lugares mais remotos e mais altos, ninguém indica o caminho; muitos carregam espadas, mas apenas para brandi-las, o olho que tenta segui-las fica confuso.

 

Kafka se associa à sua suspeita de que hoje o significado do significado é "não ter um significado definido e reconhecível, não o procurar, não o exigir. Contentar-se com os sinais".

 

 

EZIO MAURO

 

Agora os jovens trocam mensagens vazias com seus telefones só para dizer oi, cutucar, confirmar; impulsos são a síntese ultima da palavra e do n Ada e os confundem.

 

Sinto, logo sou. Estou on-line, logo sinto.

 

O símbolo, como disse Lippmannn, "assegura unidade e flexibilidade sem consentimento real. Ele obscurece a intenção pessoal, neutraliza a discriminação, ... ele cimenta o grupo... para ações deliberadas. Ele torna a massa móvel apesar de imobilizar a personalidade.

 

On-line, todos nós nos tornamos receptores e condutores da informação - grande ou pequena - que chega até nós e transita por nós para seguir adiante, sabe-se lá para onde.

 

André Geim, ganhador do Nobel de Física: nós não sobreviveremos em nossa forma atual. Nós evoluiremos para uma nova forma. Já estamos evoluindo a nova forma é conhecida como "sociedade global". Trata-se de uma criatura inteiramente mais complexa que o Homo sapiens. Seres humanos estão contidos dentro dela como moléculas que compõem a matéria. O Homo sapiens durou, grosso modo, 50 mil anos. Em mais 50 mil anos, nós veremos o que será essa nova criatura, a sociedade global.

 

Castells: Não há oposição entre cognição e emoção porque a cognição política é moldada emocionalmente e os cidadãos tomam decisões gerenciando conflitos entre sua condição emocional (como se sentem) e sua condição cognitiva (o que eles sabem). (...) Quando o conflito se acirra, as pessoas tendem a acreditar no que elas querem acreditar. E, mesmo numa crise econômica, é a resposta emocional de um indivíduo à crise, e não uma avaliação refletida sobe qual a melhor resposta para a crise, que organiza o pensamento e a prática política das pessoas.

 

Gustave Le Bom: Qualquer que seja a ideia sugerida às multidões, ela só poderá exercer influência efetiva sob a condição de assumir uma forma muito simples.

 

Não obstante, como diz Evgeny Morozov, precisamos compreender logo que a internet "penetra e altera todos os caminhos da vida política, não só aqueles que conduzem à democratização", mas também os vantajosos para os poderes instituídos, que podem afiar sues sistemas de propaganda, tornar a vigilância mais eficaz, manipular a nova mídia, controlar o espaço público, voltando-o para o entretenimento e não para a política. Indaga ele: "E se o potencial libertador da internet também contiver as sementes da despolitização e, assim, da 'desdemocratização'?"

 

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Bronislaw Malinowski, um dos principais fundadores da antropologia moderna, cunhou o conceito de "expressões fáticas" - um nome familiar para exclamações do tipo "Alô", "Como vai", "Tudo bem", "Oi", ou "Bem-vindo". A única informação que as expressões fáticas contêm e comunicam é "Estou aqui! E noto que você também está aqui".

 

Pode-se usar o machado para derrubar madeira ou cotar cabeças.

 

E há outra tentação on-line à qual é mais difícil de se resistir: substituir a dura necessidade de discussão por uma jovial liberdade de discurso de ódio.

 

Um diálogo que tenha chances de apoiar uma coabitação mutuamente benéfica, ao mesmo tempo que ajuda a escapar das armadilhas da proximidade das diferenças, precisa ter disposição informal, aberta e cooperativa (em oposição à disputada e belicosa). Informal: iniciado sem uma agenda predeterminada e sem regras de procedimento, com a esperança de que ambas emergirão no curso do dialogo. Aberta: iniciado com a determinação de assumir o papel de quem aprende ao lado daquele de quem ensina, aceitando assim a possibilidade de estar errado. Cooperativa: tratando o dialogo como um jogo de soma mais que zero - sem o propósito de dividir os participantes em ganhadores e perdedores, mas de permitir que todos saiam enriquecidos em conhecimento e sabedoria. A aplicação prática desta fórmula não é nada fácil. (...) Optar por essa fórmula e se esforçar com determinação para fazê-la funcionar é, a longo prazo, o que pode fazer a diferença entre sobreviver juntos e morrer juntos.

 

 

EZIO MAURO

 

Vivemos por fragmentos e fragmentamos a  história. Kurt Vonnegut escreveu: "Comunidades eletrônicas não constroem nada. Você acaba de mãos vazias.

 

Hoje, os efeitos de todo evento isolado se espalham, segundo um processo on-line, em direções e com conseqüências políticas e culturais que são em ultima analise imprevisíveis e extravasam toda proporção do evento original.

 

A universalidade perdida ou imaginária dos nossos valores terá de dar lugar a uma tentativa desafiadora de descobrir nossa compatibilidade.

 

Para Ian McEwan, "a liberdade de expressão, o ato de dar e receber informação, fazer perguntas embaraçosas, pesquisa acadêmica, criticas, fantasia, sátira - o intercâmbio no interior de toda a gama da nossa capacidade intelectual, essa é a liberdade que dá origem às demais. A liberdade de expressão não é inimiga da religião, é sua protetora. Porque assim o é, há um grande número de mesquitas em Paris, Londres, Nova York. Em Riad, onde ela está ausente, nenhuma igreja é permitida. Importar uma Bíblia hoje implica pena de morte."

 

O que Simone Weil escreveu em 1934 ainda é válido: "O homem nunca foi tão incapaz, não só de subordinar suas ações a seus pensamentos, mas até de pensar." O que Albert Camus disse vinte anos mais tarde também ainda é válido: "Talvez seja difícil encontrar uma época em que o número de pessoas humilhadas seja tão grande."

 

Nada nos garante ou assegura de nada, porque, felizmente, nada é predeterminado. Quid est veritas?

 

ZYGMUNT BAUMAN

 

Seja como for, eu continuo a repetir que, entre os veículos disponíveis para a viagem ao longo da estrada, é o diálogo sério, com disposição favorável (informal, aberta, cooperativa), buscando a compreensão mútua e o beneficio recíproco, que merece mais confiança. Esse tipo de diálogo não é uma tarefa fácil nem divertida. Ela exige determinação resoluta, contínua e imune aos sucessivos resultados negativos. Exige um sentido forte de propósito, grande arte, capacidade de admitir seus próprios erros, além do dever árduo e doloroso de repará-los. E acima de tudo muita serenidade, muito equilíbrio e muita paciência.

 

[Mas as perspectivas disto se disseminar esbarram no] slaktivismo das redes sociais que instigam seus usuários a expressar seus interesses sobre questões públicas e sua preocupação com os males da sociedade usando o mouse para clicar em "curtir", "compartilhar" ou "tweet", enquanto se iludem de que "estão praticando bem sem sair da poltrona.

 

Ainda estamos numa etapa muito primária de nossa busca desesperada por modos efetivos para reciclar nossas instituições, transformá-las em palavras significativas, as palavras em programas, os programas em ações e as ações em realidades.

 

Slacktivismo - ativismo de preguiçosos

 

 

EZIO MAURO - Epílogo

 

Joshua Meyrowitz: Na sociedade de caçadores e coletores, a falta de fronteiras tanto ao caçar quanto ao coletar leva a muitos paralelos surpreendentes com as sociedades eletrônicas (eles também não tinham "noção de lugar").

 

Bulgákov: Alguma coisa vai acontecer, pois uma situação como esta não pode se arrastar para sempre.

 

O espaço ao qual nos apegamos, ainda desconhecido, ainda receptivo ao debate, é a estrada para sair de Babel.