EXTRATO DE: O CAPELÃO DO DIABO

Autor: Richard Dawkins

Ed. Companhia das Letras – 2003

 

[Efeito social] Uma diretora convoca os pais de uma garotinha para sugerir que ela tenha aulas particulares fora da escola. Os pais reclamam, dizendo que é papel da escola ensinar a criança. Por que ela não está acompanhando as outras crianças? Ela não está acompanhando o grupo, explica a diretora pacientemente, porque os pais de todas as outras crianças na sala pagam aulas particulares para elas.

 

Darwin não estava exatamente brincando quando cunhou a expressão “capelão do Diabo” numa carta a seu amigo Hooker em 1856: “Um livro e tanto escreveria um capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficiente e terrivelmente cruéis da natureza!”.

 

A natureza não é bondosa nem cruel – é indiferente.

 

O discípulo do Diabo de Bernard Shaw era um velhaco muito mais bem-humorado do que o capelão de Darwin. Shaw não se considerava um homem religioso, mas tinha aquela incapacidade pueril de distinguir o que é verdade daquilo que gostaríamos que fosse verdade.

 

Por razões absolutamente darwinianas, a evolução nos legou um cérebro que se avolumou até o ponto de se tornar capaz de compreender a sua própria origem, de deplorar suas implicações morais e de lutar contra elas.

 

É você quem detém o maior de todos os dons: o dom de compreender o processo implacavelmente cruel que nos deu origem, o dom de reagir contra suas implicações, o dom do discernimento – algo totalmente estranho aos precipitados métodos de curto prazo da seleção natural – e o dom de internalizar o próprio cosmo.

 

Abrimos mão de nossas ilusões reconfortantes: já não podemos mais nos apaziguar com a fé na imortalidade. Em compensação, ganhamos a outra felicidade de que nos fala Sanderson, a alegria de saber que crescemos, que enfrentamos o significado da existência e o fato de que ela é temporária e, por essa razão, ainda mais preciosa.

 

Teoricamente, as pessoas poderiam abrir mão de sua fidelidade a uma “verdade” e mudar para uma outra qualquer cujo mérito considerassem maior. Mas com base em que elas o fariam? Por que razão alguém abandonaria, por exemplo, a verdade kikuyu, para abraçar a verdade navajo?

 

A lição que os ilusionistas, tanto os honestos como os impostores, nos ensinam é que a fé indiscriminada em nossos próprios sentidos não constitui um guia infalível em direção à verdade.

 

Se a verdade cientifica está aberta à dúvida filosófica, então a verdade do senso comum também está.

 

Os humanos são humanos e os gorilas são animais. Há um abismo inquestionável entre eles, de tal maneira que a vida de uma única criança humana vale mais do que a vida de todos os gorilas no planeta. O “valor” de uma vida animal corresponde simplesmente ao custo de sua substituição para seu dono – ou, no caso de uma espécie rara, para a humanidade. Mas, pendure a etiqueta Homo sapiens até mesmo num pedaço de tecido embrionário, minúsculo e desprovido de consciência, e o valor de sua vida subitamente dá um salto e se torna infinito, incalculável. Esse modo de pensar caracteriza o que eu chamo de mente descontínua. (...) Por muitos anos, os tribunais na África do Sul mantiveram um negócio movimentadíssimo, julgando se indivíduos em particular, folhos de um casamento misto, deveriam ser considerados brancos, negros ou pardos.

 

Espécies em anel. O caso mais conhecido é o do anel entre a gaivota-argênica e a gaivota-de-asa-escura. Na Grã-Bretanha elas são espécies nitidamente distintas, de cores muito diferentes. Entretanto, se seguirmos a população de gaivotas-argênicas em direção ao oeste, passando pelo pólo Norte e seguindo para a América do Norte e então para o Alasca, de pois atravessarmos a Sibéria para retornar à Europa, perceberemos um fato curioso. As “gaivotas-argênteas” gradualmente se tornam menos parecidas com as gaivotas-argênteas e mais semelhantes às gaivotas-de-asa-escura até que, por fim, percebe-se que nossas gaivotas-de-asa-escura européias são a outra ponta de um anel que começou como gaivotas-argênteas.

 

O advogado, com sua mente descontínua bem treinada, consiste em situar firmemente os indivíduos nessa ou naquela espécie. (...) É inútil dizer as essas pessoas que, dependendo das características humanas que nos interessem, um feto pode ser “meio-humano” ou “a centésima parte de um humano”. “Humano”, para a mente descontínua, é um conceito absoluto. Não pode haver meio-termo. E disso decorrem muitos danos.

 

Nosso ancestral comum com os chimpanzés e os gorilas é muito mais recente do que o ancestral comum entre eles e os macacos asiáticos – os gibões e os orangotangos.

 

Provas moleculares sugerem que nosso ancestral comum com os chimpanzés viveu na África, entre 5 e 7 milhões de anos atrás, ou seja, há mais ou menos meio milhão de gerações.

 

O código genético é de fato digital, exatamente no mesmo sentido que os códigos dos computadores. (...) É por isso que o famoso gene “anticongelante”, originalmente desenvolvido pelos peixes do Ártico, pode salvar um tomate dos efeitos de uma geada.

 

Ao ser pressionado por um interlocutor que lhe perguntou “quais são seus sentimentos viscerais quanto a isso?”, Carl Sagan respondeu: “Eu tento não pensar com as minhas vísceras”.

 

O PGH (Projeto Genoma Humano) diminui implicitamente a importância das diferenças entre os indivíduos. Mas, com a exceção instigante dos gêmeos idênticos, o genoma de todas as pessoas é único, e uma pergunta razoável que se pode fazer é de quem é o genoma seqüenciado no PGH. (...) Eu não consigo enrolar a língua em U, mas há 50% de chances de que você consiga fazê-lo. Qual versão dos genes relativos ao movimento de enrolar a língua é aquela do Genoma Humano divulgado?

 

O PDGH (Projeto Diversidade do Genoma Humano), (...) tem como foco os sítios de nucleotídeos relativamente pouco numerosos que variam de uma pessoa para outra e de um grupo para outro.

 

No dia em que a previsão determinista se tornar universal, o seguro de vida tal como o conhecemos entrará em colapso.

 

Os remédios homeopáticos [parecem funcionar, às vezes] em razão do notório poder do efeito placebo.

 

“Não existe medicina alternativa, existe apenas medicina que funciona e medicina que não funciona [...]. Não há um sistema nervoso alternativo, uma fisiologia ou uma anatomia alternativas, assim como não existe um mapa alternativo de Londres que possa levá-lo de Chelsea a Battersea sem cruzar o Tamisa.” John Diamond, jornalista.

 

Por que razão doze jurados seriam preferíveis a um único juiz? (...) Deixar que um único juiz decida um veredicto seria como deixar que um único filhote falasse por toda a espécie das gaivotas-argênteas. Doze cabeças pensam melhor que uma, porque elas representam doze avaliações das evidências. Entretanto, para que esse argumento seja válido, as doze avaliações devem ser realmente independentes. E é claro que elas não são.

 

[Mas, assumindo que precisamos “melhorar” o sistema] Deveriam todos os casos ser julgados por dois júris separados? Ou por três? Ou por doze? Isso seria caro demais, se cada júri for composto por doze membros. Dois júris de seis membros ou três júris de quatro membros provavelmente representariam uma melhora em relação ao sistema atual. Mas não haveria uma maneira de avaliar os méritos relativos dessas diferentes opções, ou de comparar os méritos do julgamento pelo júri e do julgamento pelo juiz?

 

Uma pessoa sem compreensão alguma do mundo real poderia estabelecer uma certa associação “poética” entre o cristal e a água “cristalina”. Mas isso não faz mais sentido do que tentar ler à luz de uma idéia “brilhante”. Ou do que se deitar num colchão duro como uma tabua para auxiliar uma ereção.

 

E, a propósito, na próxima vez que você consultar um terapeuta “alternativo” e ele afirmar que vai “equilibrar seus campos de energia”, desafie-o a dizer o que isso significa. A resposta será um absoluto nada.

 

Não há nenhum limite óbvio para a credulidade humana. Somos dóceis vaquinhas ingênuas, vitimas ávidas dos curandeiros e charlatães que mamam e engordam às nossas custas. Há uma verdadeira fortuna à espera de quem quer que se disponha a prostituir a linguagem – e o milagre – da ciência.

 

Se as pessoas desejam acreditar em bobagens como os horóscopos ou a cura pelos cristais, por que não deixá-las em paz? Mas é muito triste pensar em tudo aquilo que elas estão perdendo. A verdadeira ciência é repleta de fatos extraordinários. O mundo é misterioso o suficiente para dispensar a ajuda de feiticeiros, xamãs e vigaristas “paranormais”. Na melhor das hipóteses, eles oferecem uma distração que enfraquece a alma. Nos piores casos, trata-se mesmo de aproveitadores que representam um perigo verdadeiro.

 

Se colocarmos estrategicamente doze pentágonos em meio a vinte hexágonos, a curva se fechará formando uma esfera completa.

 

 

[O erro básico de Dawkins é não entender o papel prático da fé na vida das pessoas. Ele não percebe, ou não quer perceber, que apenas uma parte ínfima dos seres humanos tem paciência para se encantar com complexidade do universo. A maioria arrasadora das pessoas não tem nem paciência nem tempo para isso. Esta a razão para ele dizer coisas do tipo:] Sanderson teria considerado ofensivo o ensino da visão de que a Terra é jovem, não apenas por sua falsidade, mas porque se trata de uma visão trivial, estreita, paroquial, desprovida de imaginação e de poesia, uma visão francamente enfadonha, em comparação com a verdade estremecedora, que é capaz de expandir nossas mentes. [“Expandir” pra quê?]

 

Para Nietzsche “o segredo de uma vida prazerosa é viver perigosamente”.

 

Darwin exultava com a seleção sexual. Como naturalista, ele se mostrava fascinado pela extravagante ostentação dos lucanos e dos faisões, ao passo que, como teorizador, sabia que a sobrevivência é somente um meio para atingir a finalidade da reprodução. Wallace não admitia que capricho estético fosse explicação suficiente para a evolução de cores gritantes e dos outros traços conspícuos ara os quais Darwin invocava a escolha por fêmeas (ou em algumas espécies pro machos).

 

É importante lembrarmos também que Darwin fez uma distinção clara entre seleção natural e seleção sexual, uma distinção que nem sempre é compreendida hoje em dia. A seleção sexual diz respeito à competição entre membros do mesmo sexo pelo sexo oposto. (...) Os machos dos macacos-verdes têm um pênis vermelho brilhante acentuado por um saco escrotal azul-celeste que, juntos, funcionam como manifestações de dominância em relação aos outros machos. É em relação às suas cores, e não aos órgãos em si mesmos, que Darwin invocaria a seleção natural sexual.

 

Todos nós temos um genitor feminino e um genitor masculino, e ainda assim cada um de nós é homem ou mulher, e não um hermafrodita intermediário. [Exceções à parte, é como Dawkins deveria ter terminado a frase.]

 

Um fato não era do conhecimento de Darwin: a contribuição genética dos dois genitores em relação a todo descendente é igual.

 

Devemos nos acautelar contra afirmações do tipo “98% do genoma humano é idêntico ao dos chimpanzés. (...) A unidade que escolhemos para fazer essa comparação é de grande importância. (...) Quando medimos a porcentagem de semelhança entre dois texto, quer se trate de duas edições de um livro, quer se trate de duas edições de um macaco africano, a unidade de comparação que escolhemos (letra ou capitulo, par de bases do DNA ou gene) faz uma enorme diferença na porcentagem final de semelhança.

 

 

Do ponto de vista darwiniano, mutações neutras simplesmente não são mutações. Mas do ponto de vista molecular são mutações extremamente úteis porque a velocidade fixa delas torna o relógio confiável.

 

No contexto da biologia evolutiva, o tipo particular de ordem que tem relevância é a adaptação, o estado de encontrar-se equipado para a sobrevivência e a reprodução.

 

Encontrar uma forma corporal viável através da mutação aleatória pode equivaler a encontrar uma agulha num palheiro, mas, dado que já tenhamos encontrado uma forma corporal viável, é certo que as nossas chances de encontrar uma outra aumentam significativamente se procurarmos na vizinhança imediata, e não num ponto mais distante.

 

Quanto maior o salto no espaço genético, menos é a probabilidade de que a mudança resultante seja viável, e menor ainda a probabilidade de uma melhora.

 

Shannon queria encontrar uma maneira matemática de capturar a idéia de que toda mensagem poderia ser dividida entre a informação (pela qual vale a pena pagar), a redundância (que pode, com vantagem econômica, ser suprimida da mensagem porque, na realidade, ela pode ser reconstruída pelo destinatário) e o ruído (as bobagens sem importância, produzidas acidentalmente).

 

Dê um carro a um engenheiro e ele poderá reconstruir sua planta. Mas dê uma torta a um cozinheiro e ele não conseguirá reconstruir a receita.

 

Em diferentes aspectos de seu comportamento, os genes são às vezes semelhantes às plantas e às vezes semelhantes às receitas. (...) Quando uma parte da fita genética é lida numa célula, a primeira coisa que acontece à informação é ser traduzida de um código para outro. (...) Até aí os genes se comportam como uma planta. Há de fato um mapeamento um a um entre porções de gene e porções de proteína, de uma maneira realmente determinista.

É no passo seguinte do processo que as coisas começam a se tornar mais complicadas e mais semelhantes a uma receita. Raramente há um simples mapeamento um a um entre genes específicos e “pedaços” do corpo.  (...) os efeitos finais no corpo e no seu comportamento são quase sempre variados e difíceis de desemaranhar.

 

O efeito dos genes nos corpos e no comportamento é como o efeito da fumaça do cigarro nos pulmões. Se você fuma muito, isso aumenta a probabilidade de que você tenha um câncer de pulmão. Mas não determina infalivelmente que você terá um câncer de pulmão. Nem garante infalivelmente que você não terá se evitar o fumo. Vivemos num mundo estatístico.

 

Se me pedissem para resumir a genética molecular numa só palavra, eu escolheria o termo “digital”. (...) É precisamente por essa razão que um gene anticongelante pode ser copiado de um peixe do Ártico par um tomate.

 

Existem, provavelmente, mais de meio milhão de espécies de nematódeos, superando de longe o numero de espécies do conjunto de todas as classes de vertebrados reunidas.

 

Uma especulação de Arthur C. Clarke: Imagine uma espaçonave do futuro rumando em direção a uma estrela distante. Ainda que viajando à velocidade mais alta disponível à sua época, ela levaria, mesmo assim, muitos séculos para chegar ao seu longínquo destino. E antes que tivesse completado metade da viagem ela seria alcançada por uma nave mais veloz, produto da tecnologia de uma época posterior. (...)

 

Segundo previsões, em 2050 seremos capazes de seqüenciar um genoma humano individual completo por 160 dólares, em valores de hoje.

 

Hoje, um raio X do tórax nos dirá se temos câncer de pulmão ou tuberculose. Em 2050, pelo preço desse mesmo raio X, poderemos conhecer o texto completo de todos os n ossos genes. O médico nos dará, n ao mais a prescrição dada a uma pessoa média com a mesma queixa, mas aquela que se adequa com precisão ao nosso genoma.

 

Os detetives, ao encontrar uma mancha de sangue, poderão emitir uma imagem no computador do rosto do suspeito – ou melhor, dado que os genes não amadurecem com a idade, uma série de rostos desde a primeira infância até a senilidade!

 

Sydney Brenner fez a seguinte e espantosa sugestão. Quando o genoma do chimpanzé for totalmente conhecido, deverá ser possível, por meio de uma comparação inteligente e sofisticada com o genoma humano, reconstruir o genoma do ancestral compartilhado por essas duas espécies. Esse animal, o chamado “elo perdido”, viveu de 5 a 8 milhões de anos atrás, na África.

 

A razão pela qual a religião organizada merece franca hostilidade é que, diferentemente da crença no bule de Russell, ela é poderosa, influente, isenta de impostos e, além disso, sistematicamente transmitida a crianças que não têm idade suficiente para se defender.

 

[Como interpretar esta passagem em Mateus 25:29!!!] “Porque a todo o que já tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância: e ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que parece que tem.”

 

As crianças são moldadas pela evolução para absorver como uma esponja a cultura de seu povo. Isso salta aos olhos quando observamos o modo como elas aprendem os elementos indispensáveis de sua língua num intervalo de meses.

 

A língua muda porque ela conta tanto com uma grande estabilidade quanto com uma leve mutabilidade, que são os pré-requisitos para que qualquer sistema evolua.

 

A evolução progressiva dos parasitas da mente mais eficientes terá dois aspectos. Os novos “mutantes” (sejam eles acidentais ou projetados pelos humanos) que se mostrarem mais capazes de se disseminar se tornarão mais numerosos. E haverá um agrupamento daquelas idéias que se desenvolvem umas na presença das outras, das idéias que sustentam mutuamente uma à outra, como fazem os genes e, conforme minha especulação, como os vírus de computador talvez venham a fazer um dia.

 

Os católicos romanos, cuja crença na autoridade infalível os compele a aceitar que o vinho é fisicamente transformado em sangue, a despeito de todas as aparências, se referem ao “mistério” da transubstanciação. (...) Os mistérios não foram feitos para serem resolvidos, eles foram feitos para despertar a reverência.

 

Qualquer religioso iniciante poderia acreditar que o pão representa simbolicamente o corpo de Cristo, mas é preciso ser um católico verdadeiro, um católico até a raiz dos cabelos, para acreditar em algo tão bizarro como a transubstanciação.

 

O que é notável a respeito do reverendo Jim Jones não é o seu próprio comportamento explorador, mas credulidade quase sobre-humana de seus seguidores. Considerando-se essa prodigiosa ingenuidade, pode alguém duvidar de que as mentes humanas são um terreno fértil para infecções malignas?

 

Muitos de nós apostaríamos que ninguém teria sucesso se fosse à televisão e dissesse, com todas as palavras: “Envie-me seu dinheiro para que eu possa usá-lo para convencer outros trouxas a me enviar o dinheiro deles também”. E no entanto, hoje em dia, em qualquer grande cidade dos Estados Unidos nós podemos encontrar pelo menos um canal evangélico totalmente dedicado a esse tipo de fraude transparente. (...) Deus só aprecia verdadeiramente uma doação, disse ele, com sinceridade apaixonada, quando ela é substancial a ponto de representar um prejuízo para o doador.

 

Quando somos seguidores de uma fé, há uma probabilidade esmagadora de que se trate da mesma fé que nossos pais e avos seguiam.

 

Disse Einstein: “Não acredito num Deus personificado e jamais neguei isso, pelo contrário, afirmei-o claramente. Se há algo em mim que pode ser chamado de religioso, trata-se da minha enorme admiração pela estrutura do mundo tal como a nossa ciência pôde nos revelar até este momento.”

 

Se a palavra “Deus” pode ser empregada como um sinônimo dos mais profundos princípios da física, como iremos nomear o ser hipotético que responde às preces; que intervém para salvar os pacientes que têm câncer ou para auxiliar a evolução em seus saltos mais difíceis; que perdoa os pecados ou morre por eles?

 

É bem possível que existam algumas questões profundas sobre o cosmo que permanecerão sempre para alem da ciência. O engano está em pensar que, como conseqüência, elas não estão igualmente para alem da religião. Certa ocasião, pedi a um renomado astrônomo, um colega da minha universidade, que me explicasse o que era o Big Bang. Ele o fez invocando o máximo das suas (e das minhas) capacidades, e eu então lhe perguntei o que, nas leis fundamentais da física, tornava possível a origem espontânea do espaço e do tempo. “Ah”, ele sorriu, “agora nos saímos do domínio da ciência. Esse é o ponto em que devo passar a palavra ao nosso bom amigo capelão.” Mas por que ao capelão? Por que não ao jardineiro ou ao cozinheiro? É claro que os capelães, diferentemente dos cozinheiros e dos jardineiros, alegam ter algum entendimento dessas questões supremas. Mas que razões temos nós para levar essa alegação a sério? Uma vez mais, suspeito que meu amigo, o professor de astronomia, estivesse usando o artifício de Einstein e de Hawking de se referir a “Deus” como “Aquilo que não compreendemos”. (...) E “aquilo que não compreendemos” significa apenas “Aquilo que ainda não compreendemos”.

 

Não podemos provar que não há um bule de porcelana em órbita elíptica em torno do Sol. Mas isso não significa que a teoria de que existe esse bule de porcelana seja equiparável à teoria de que ele não existe.

 

Os teístas modernos talvez reconheçam que, quando se trata de Baal e do Bezerro de Ouro, Thor e Wotan, Posêidon e Apolo, mitras e Amon Rá, eles são na realidade ateístas. Somos todos ateístas em relação a quase todos os deuses em que a humanidade já acreditou. Alguns de nós simplesmente desacreditamos num deus a mais.

 

Um dos mais conhecidos líderes religiosos, recentemente alçado à Câmara dos Lordes, fez uma extraordinária entrada na sala, recusando-se a apertar as mãos das mulheres no estúdio, por medo aparentemente, de que elas pudessem estar menstruadas ou, de algum outro modo, “impuras”.

 

Por que a nossa sociedade aquiesceu de maneira tão cordata na conveniente ficção de que as visões religiosas têm alguma espécie de direito automático e indiscutível a uma posição respeitável? Se eu disser que alguém respeite meus pontos de vista sobre política, ciência ou arte, terei que conquistar esse respeito por meio da argumentação, da justificação, da eloqüência ou do conhecimento relevante. Terei que resistir a contra-argumentos. Mas se eu sustentar uma visão que é inerente à minha religião, os críticos respeitosamente sairão nas pontas dos pés ou então terão que enfrentar a indignação de boa parte da sociedade. Por que não há limites para as opiniões religiosas? Por que nós temos que respeitá-las pela simples razão de que elas são religiosas?

 

Douglas Adams declarou: “O método cientifico é a mais poderosa idéia intelectual, a mais poderosa estrutura para a reflexão, a investigação, a compreensão e o enfrentamento do mundo à nossa volta, e ele se baseia na premissa de que toda idéia pode ser atacada. (...) “Eis aqui uma idéia ou uma noção que não pode ser alvo de críticas; isso simplesmente não é permitido. E por que não? – Porque não!” (...) Se alguém diz “Não posso mover uma palha num sábado”, nós dizemos, “Eu respeito isso”. (...) Por que será que consideramos perfeitamente legitimo apoiar o partido Trabalhista ou o partido Conservador – mas ter uma opinião sobre o modo como o universo começou, sobre quem criou o universo... não, isso é sagrado?”

 

Transformemos o nosso tributo aos mortos de 11 de Setembro numa nova decisão: respeitar as pessoas por aquilo que elas pensam como indivíduos, em vez de respeitar os grupos por aquilo que eles foram levados, coletivamente, a acreditar.

 

Rotular as pessoas como inimigos que merecem a morte em decorrência de discordâncias sobre a política do mundo real já é ruim o bastante. Fazer o mesmo em razão de divergências relativas a um mundo ilusório habitado por arcanjos, demônios e amigos imaginários é ridiculamente trágico.

 

“Será que Deus não poderia fazer com que os seqüestradores tivessem um ataque cardíaco ou alguma coisa parecida em vez de matar todas aquelas boas pessoas no avião? Aposto que ele estava ouço se fodendo para o World Trade Center, n em se deu ao trabalho de ter alguma espécie de plano para elas.”

 

Será que não h a catástrofe capaz de abalar a fé das pessoas, de ambos os lados, na bondade e no poder de Deus? Será que não há nenhuma leve conscientização de que talvez ele não esteja lá, de que talvez estejamos sozinhos, em nossas próprias mãos, tendo que lidar com o mundo real como pessoas adultas?

 

Deus ouviu as nações em guerra cantando e gritando

“Gott strafe England” e “God save the King!”

Deus isso, Deus aquilo, e Deus não sei o que mais –

“meu Deus!”, disse Deus, “que tarefa difícil a minha!”

 

O psiquismo humano padece de duas grandes enfermidades: a necessidade de se vingar por gerações a fio e a inclinação a rotular as pessoas com base nos grupos a que pertencem em vez de enxergá-las como indivíduos. A religião monoteísta se mistura às duas de maneira explosiva e as sanciona fortemente.

 

[É quando a certeza de que a cura é impossível] é então que os abutres das terapias “alternativas” ou “complementares” começam a voar em volta. Essa é a hora deles. É aí que eles encontram seu lugar, pois a esperança é um produto vendável: quanto mais desesperadamente se necessitar de esperança, mais rica será a colheita.

 

[O paradoxo da medicina “alternativa” se expõe na seguinte afirmação:] Se for demonstrado em testes de duplo-cego adequadamente controlados que uma técnica terapêutica tem propriedades curativas ela deixará de ser alternativa (...) e passará a fazer parte da medicina. Inversamente, se uma técnica dita científica falhar repetidas vezes nos testes de duplo-cego, ela deixará de fazer parte da medicina “ortodoxa”.

 

Os homeopatas concordam com a afirmação de que nem uma única molécula do ingrediente ativo subsiste no frasco que compramos, mas isso só importa se insistirmos em raciocinar nos termos da química. Eles acreditam que, por algum mecanismo físico que os próprios físicos desconhecem, uma espécie de “traço” ou de “memória” das moléculas ativas se imprime nas moléculas da água empregada para diluí-las. É o molde impresso fisicamente na água que cura o paciente, e não a natureza química do ingrediente original.

 

Quando a técnica “alternativa” fracassa vergonhosamente no teste duplo-cego, o terapeuta dá a seguinte resposta imortal: “Está vendo? É por isso que nós não fazemos testes duplo-cego. Eles nunca funcionam!”

 

Corretamente ou não, nós de fato levamos a sério o julgamento pessoal de um ser humano respeitado.

 

Minha definição alternativa, “adaptacionista”, de progresso é: “a tendência das linhagens de se tornarem cumulativamente mais adaptadas aos seus modos particulares de vida, pelo aumento do número de traços que se combinam nos complexos adaptativos”.

 

[Sobre discutir com criacionistas e teístas de modo geral, Stephen Jay Gould escreveu a Dawkins dizendo:] “Elas não se importam de serem derrotadas em sua argumentação. O que desejam é o reconhecimento que lhes damos pelo simples fato de debatermos com elas em publico. (...) Seja qual for o resultado do debate, o mero fato de que ele ocorra sugere aos espectadores desinformados que há algo a ser debatido, em condições mais ou menos equivalentes.”

 

Como Adam Smith compreendeu corretamente muito tempo atrás, uma ilusão de harmonia e de eficiência real emergirá em toda economia dominada pelo interesse individual num nível mais abaixo. Um ecossistema bem equilibrado é uma economia, e não uma adaptação. (...) As plantas florescem em seu próprio interesse, e não pelo bem dos herbívoros. Mas, porque as plantas florescem, abre-se um nicho para os herbívoros (...).

 

Na visão dos kikuyu, os alemães nada mais são que uma outra tribo branca e, quando a guerra termina, eles se surpreenderão perguntando aos seus botões onde está o gado roubado que os vitoriosos deveriam estar levando com eles. Afinal, por que outra razão se guerreia?

 

As pessoas acreditam em certas coisas somente porque as pessoas acreditaram nelas durante séculos. Isso é tradição.

 

Quando as pessoas religiosas sentem, no interior delas, que alguma coisa deve ser verdade, muito embora não tenham evidência alguma disso, elas chamam esse sentimento de “revelação”.

 

Sentimentos interiores são valiosos na ciência também, mas apenas para nos fornecer idéias que serão testadas mais tarde, por meio da procura de evidências.

 

 

 

 

 


Glossário:

 

Luddismo – concepção segundo a qual todo progresso tecnológico é socialmente nocivo.

 

Fenótipo – o corpo em funcionamento de um animal ou planta em si mesmo.

Genótipo – aquilo que é transmitido para a próxima geração

 

Teísta – aquele que acredita em um (ou mais) Deus.