EXTRATO DE: CONTRA A PERFEIÇÃO

Autor: Michael J. Sandel

Ed. Civilização Brasileira - 2007/2013

 

A Ética do Melhoramento

 

As duas tentativas [procriação natural e geneticamente controlada] não proporcionam resultado garantido. As duas estão sujeitas aos caprichos da loteria genética.

 

Por que a existência de um elemento de imprevisibilidade parece fazer uma diferença moral?

 

Alguns afirmam que a clonagem é errada porque viola o direito da criança à autonomia. Ao escolher de antemão as características genéticas do filho, os pais o confinariam a uma vida à sombra de alguém que já existiu e, assim, privariam a criança do direito a um futuro aberto.

 

A terapia genética em células não reprodutivas (ou somáticas), tais como as fibras musculares ou os neurônios, age no sentido de reparar ou substituir genes defeituosos. O dilema moral surge quando as pessoas utilizam tais terapias não para curar uma doença, e sim para ir alem da saúde, para melhorar suas capacidades físicas ou cognitivas, para erguer-se acima da norma geral.

 

Quando a ciência avança mais depressa do que a compreensão moral, como é o caso de hoje, homens e mulheres lutam para articular seu mal-estar.

 

Pesquisadores desenvolveram um gene sintético que, quando injetado nas fibras musculares de ratos, provoca o crescimento muscular e evita que os músculos se deteriorem com a idade. O êxito [já obtido] traz bons prognósticos para o uso do gene em seres humanos.

 

As cópias extras inseridas nos ratos foram programadas para permanecer ativas mesmo na velhice, e tal melhoria foi transmitida a suas crias.

 

Alguns dos que se preocupam com a ética do melhoramento cognitivo apontam para o perigo de criar duas classes de seres humanos - aqueles com acesso às tecnologias de melhoramento genético e aqueles que precisam se virar com uma memória inalterada que se deteriora com a idade. [nessa possibilidade um dia teremos] duas subespécies de humanos: os naturais e os melhorados.

 

(...) a questão fundamental não é como assegurar o acesso igualitário ao melhoramento, e sim se devemos aspirar a ele.

 

Em 1996 (...) 40% das prescrições de hormônio de crescimento humano eram para crianças cuja baixa estatura não tinha nenhuma relação com problemas de saúde.

 

À medida que os não melhorados começarem a se sentir mais baixos, poderão eles também buscar tratamento, o que levará a uma corrida hormonal sem sentido que só agravará ainda mais a situação atual, especialmente de quem não puder pagar para superar a baixa estatura.

 

Aristóteles aconselhava que os homens que desejavam um menino amarrassem o testículo esquerdo antes da relação sexual. [!!!!]

 

Uma clinica de Mumbai reportou que, de 8 mil abortos feitos ali, apenas um não o foi por motivos relacionados à escolha do sexo.

 

E se fosse possível [e será] escolher não apenas o sexo, mas também a altura, a cor dos olhos e a cor da pele? Além de orientação sexual, QI, habilidades musicais e aptidão para os esportes?

 

O desafio, porem, é identificar como essas práticas reduzem a nossa humanidade - ou seja, quais aspectos da liberdade humana ou do florescimento humano se vêem ameaçados.

 

[Como a clonagem aplicada à procriação é uma aberração de mentes doentias, e inútil por não produzir o que se imagina, ficará restrita a uns poucos que terão de suportar o peso da opressão social e a fiscalização do Estado. Mas o desejo humano de imortalidade continuará a ser o fator primordial para o avanço do controle genético sobre a procriação e, portanto, em um futuro não muito distante, ao se iniciar uma gestação, não só os pais deverão preencher um formulário identificando que características desejam ver transmitidas, como ao longo da gravidez exames serão realizados para que sejam identificados e corrigidos genes que possam causar "erros" não desejáveis.]

 

 

 

Atletas Biônicos

 

[Gostamos de acreditar] que o sucesso, nos esportes e na vida, é algo que conquistamos, e não algo que herdamos. Os talentos naturais constrangem a fé meritocrática; lançam dúvidas sobre a convicção de que as recompensas e os elogios fluem unicamente do esforço.

 

Tanto a ética do empenho quanto os recursos biotecnológicos que agora estão a seu serviço vão contra as pretensões ao talento natural.

 

No início, os corredores corriam descalços. Pode ser que aquele que calçou o primeiro par de tênis de corrida tenha sido acusado de corromper a competição.

 

Os defensores do melhoramento argumentam que as drogas e as intervenções genéticas não são diferentes de outros modos que os atletas empregam para modificar o corpo, tais como dietas especiais, complexos vitamínicos, barras energéticas, suplementos, programas de treinamento rigorosos e até mesmo cirurgias.

 

Eis o quebra-cabeça ético: se as injeções de EPO e as modificações genéticas são censuráveis, por que a "casa de altitude" da Nike não é?

 

Claro que nem todas as inovações em matéria de treino e equipamentos corrompem o espírito esportivo. Algumas delas, como as luvas de beisebol e as raquetes de tênis de grafite, até o melhoram. [!!! melhoram para quem? E o cara que não pode comprar uma raquete de grafite? ]

 

À medida que os musicais começaram a se tornar "menos cultos e mais óbvios", cantores com vozes de "dimensões operísticas foram marginalizados" e o gênero se transformou em espetáculos melodramáticos, como O fantasma da opera e Miss Saigon. [!!!  Uma visão apenas elitista.  Os espetáculos citados estão em cartaz há décadas!!!]

 

[Enquanto houver ciência, existirão avanços e aprimoramentos. E tudo que trouxer algum benefício, mesmo que para uma parcela minoritária da humanidade, será incorporado, seja à vida, seja ao lazer, seja ao esporte, às artes, seja ao que for.]

 

Filhos projetados, pais projetistas

 

 

As qualidades dos filhos são imprevisíveis e nem mesmo os pais mais cuidadosos podem ser responsabilizados completamente pelo tipo de filho que têm. [Os pais devem estar] "abertos para o inesperado".

 

O bioeticista Julian Savulesco argumenta que "a saúde não tem valor intrínseco", apenas "valor instrumental", é um "recurso" que nos permite fazer o que desejamos. De acordo com ele, os pais não apenas têm o dever de promover a saúde dos filhos como também a "obrigação moral de modificá-los geneticamente". Os pais deveriam utilizar a tecnologia para manipular a "memória, o temperamento, a paciência, a empatia, o senso de humor, o otimismo" e outras características dos filhos, a fim de lhes dar "a melhor oportunidade de ter uma vida melhor". [É um imbecil!]

 

[O que dizer] daqueles pais que pagam quantias exorbitantes para escolher o sexo do filho (por motivos alheios à medicina) ou que desejam projetar com a bioengenharia os dotes intelectuais e as competências esportivas da sua prole. Como todas as distinções, o limite entre terapia e melhoramento se torna indistinto nos extremos. Que dizer da ortodontia, ou da terapia com hormônio do crescimento no caso de crianças muito baixas?

 

(...) os pais têm a obrigação de cultivar os filhos, de ajudá-los a descobrir e desenvolver seus talentos e dons.

 

Qual é, então, a diferença entre oferecer essa ajuda por meio da educação e da disciplina e fornecê-la por meio do melhoramento genético?

 

(...) por que não é igualmente admirável que os pais se valham de quaisquer tecnologias genéticas à disposição para melhorar a inteligência, a habilidade musical ou a competência esportiva dos seus filhos? [Mas onde está a garantia de que essa melhora é o que eles irão valorizar?]

 

Os defensores do melhoramento argumentam que, em principio, não existe diferença entre melhorar as crianças por meio da educação ou por meio da bioengenharia. Os críticos do melhoramento insistem em que tentar melhorar as crianças por meio da manipulação de sua carga genética é algo que remonta à eugenia, aquele movimento desacreditado do século passado que visava a melhorar a raça humana por meio de políticas voltadas para o aprimoramento genético.

 

Richard Williams, pai de Venus e Serena: "Nenhuma criança se dedica a um esporte desse jeito. São os pais que fazem isso, e sou culpado por isso. Se você não planejar, acredite, a coisa não vai acontecer."

 

À medida que a prática de jogos e esportes por lazer foi abrindo caminho para ligas esportivas organizadas e administradas por pais exigentes, os pediatras passaram a relatar um aumento alarmante das lesões por esforço entre adolescentes. (...) "Os pais acham que estão maximizando as chances dos filhos ao se concentrarem em um único esporte. Os resultados nem sempre são os esperados."

 

(...)  cada vez mais pais querem que seus filhos sejam diagnosticados com alguma deficiência de aprendizagem apenas para que o filho tenha direito a mais tempo para responder ao exame.

 

Esse apoio à ansiedade parental fez com que o negócio do aconselhamento particular se transformasse em uma indústria.

 

 

(Nos EUA) entre 1981 e 1997, a quantidade de dever de casa das crianças de 6 a 8 anos triplicou.

 

Há quem atribua o enorme aumento nos diagnósticos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) às novas demandas impostas às crianças.

 

Ao contrário das drogas dos anos 19760 1970, a ritalina e o Adderall não são para se distrair, mas para se concentrar; não para observar o mundo e absorve-lo, mas para moldar o mundo e se encaixar.

 

Há quem veja uma linha distinta entre o melhoramento genético e as outras maneiras que as pessoas utilizam para melhorar a si mesmas e aos seus filhos. A manipulação genética parece de certa forma pior - mais invasiva, mais sinistra - do que outras maneiras de melhorar o desempenho e buscar o sucesso.  Mas do ponto de vista moral, a diferença é menos significativa do que parece.

 

 

A nova e a velha eugenias

 

 

A eugenia foi um movimento dotado de uma grande ambição: aprimorar geneticamente a raça humana. O termo, que significa "bem-nascido", foi cunhado em 1883 por sir Francis Galton, primo de Charles Darwin (...)

 

"O que a natureza fez às cegas, devagar e de modo grosseiro, os homens podem fazer de modo providente, rápido e gentil (...). O aprimoramento de nossa raça me parece ser um dos mais elevados objetivos que podemos buscar racionalmente." Galton.

 

Nos anos 1920, eram oferecidos cursos de eugenia em 350 faculdades e universidades do país, que alertavam os jovens americanos privilegiados para seu dever reprodutor.

 

Vinte e nove estados americanos acabaram adotando leis de esterilização  compulsória e mais de 60 mil americanos geneticamente "defeituosos" foram esterilizadas.

 

No fim da segunda guerra mundial, as notícias sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas contribuíram para o recuo do movimento eugenista norte-americano.

 

Os críticos da engenharia genética argumentam que a clonagem humana, o melhoramento genético e a busca por crianças feitas sob encomenda não passam de eugenia "privatizada" ou de "livre mercado".

 

Se o mercado de óvulos premium provoca mal-estar moral, é porque mostra que as intenções eugênicas não foram deixadas de lado com a liberdade de escolha.

 

Qual é afinal a diferença moral entre projetar crianças segundo um propósito eugênico explicito e projetar crianças segundo os ditames do mercado?

 

(...) a marca que distingue a nova eugenia liberal é a neutralidade do Estado. Os governos não podem dizer aos pais que espécie de filho devem projetar, e os pais podem projetar nos filhos apenas os traços que melhorem suas capacidades, sem prejudicar suas possíveis escolhas de vida. [Como fazer isso? Como separar as coisas?]

 

Para Ronald Dworin, "não há nada de errado na ambição de tornar a vida das futuras gerações de seres humanos mais longa e repleta de talentos e, portanto, de conquistas".

 

O filosofo Robert Nozick propôs a criação de um "supermercado genético" que permitiria que os pais comprassem filhos sob encomenda sem impor um único projeto à sociedade como um todo.

 

Não é um movimento de reforma social, mas uma forma de pais privilegiados terem o tipo de filho que desejam e armá-los para o sucesso numa sociedade competitiva.

 

Os defensores do melhoramento não vêem diferença, do ponto de vista moral, entre melhorar as capacidades intelectuais de uma criança por meio da educação e fazer o mesmo por meio de modificações genéticas. [Eu também não.]

 

Intervir geneticamente para selecionar ou melhorar as crianças é censurável, argumenta Habermas, porque viola os princípios liberais de autonomia e igualdade. [Não vejo assim. A natureza interfere geneticamente e nem por isso tira a autonomia e a igualdade.]

 

Os defensores da eugenia liberal têm razão ao dizerem que as crianças projetadas não são menos autônomas no que diz respeito a sua carga genética do que as crianças nascidas do modo natural. (...) A questão, insistem os liberais, é se a intervenção parental, seja ela eugênica ou do ambiente, prejudica a liberdade da criança de escolher o próprio caminho de vida.

 

Entretanto, a noção de que nossa liberdade está inseparavelmente associada a um "início que não podemos controlar" também carrega uma significação mais ampla: seja qual for seu efeito sobre a autonomia da criança, o impulso de banir a contingência e dominar o mistério do nascimento apequena os pais projetistas e corrompe a experiência da paternidade enquanto prática social governada por preceitos de amor incondicional.

 

Domínio e talento

 

(...) três características cruciais de nossa configuração moral: a humanidade, a responsabilidade e a solidariedade.

 

O fato de nos importarmos profundamente com nossos filhos mas não podermos escolher o tipo e filhos que queremos ensina os pais a se abrirem ao imprevisto.

 

Antes, dar à luz um filho com síndrome de Down era considerado obra do acaso; hoje, muitos pais de crianças com síndrome de down ou outras doenças genéticas se sentem julgados ou culpados.

 

Quando os exames genéticos se tornam parte rotineira da gravidez, os pais que os rejeitam são chamados de "cegos" e responsabilizados por qualquer defeito genético que recaia sobre seus filhos.

 

Paradoxalmente, a explosão de responsabilidade pelo próprio destino, e pelo de nossos filhos, pode diminuir nossa solidariedade para com os menos afortunados. Quanto mais cientes estamos da natureza do acaso de nossos semelhantes, mais motivos temos para compartilhar nosso destino com eles.

 

Aqueles dotados da garantia de uma boa saúde e uma vida longa optariam por sair da vaquinha, o que faria com que os prêmios dos seguros fossem às alturas no caso daqueles condenados a uma saúde ruim.

 

Por que, afinal de contas, os bem-sucedidos devem algo aos membros menos favorecidos da sociedade? Uma resposta sedutora se apoia pesadamente na noção de dádiva.

 

Eis, portanto, a relação entre solidariedade e dádiva: ter um senso vívido da contingência de nossos dons - consciência de que nenhum de nós é completamente responsável pelo próprio sucesso - impede a sociedade meritocrática de deslizar para a crença arrogante de que o sucesso é o coroamento da virtude, de que os ricos são ricos porque são mais merecedores do que os pobres.

 

A primeira objeção afirma que falar em dádiva pressupõe um doador.

 

O que queremos dizer com isso é apenas que o talento em questão não é responsabilidade inteiramente do atleta ou do músico; é um dote que vai alem do seu controle, não importa se ele deve agradecer à natureza, à sorte ou a deus.

 

Para Locke, nossa vida e nossa liberdade, por serem direitos inalienáveis, não são nossas para delas abrirmos mão (por meio do suicídio ou vendendo-nos como escravos). Para Kant, embora sejamos os autores da lei moral, não temos a liberdade de nos explorar ou nos tratar como objetos, do mesmo modo como não podemos fazer isso com os outros. [Algo só pode ser considerado como uma "dádiva", subjetivamente, pois para um outro pode ser uma "penalidade".]

 

O que me preocupa não é o melhoramento como vicio individual, mas sim como hábito mental e modo de vida.

 

É tentador pensar que projetar nossos filhos e nós mesmos para o sucesso por meio da bioengenharia é um exercício de liberdade numa sociedade competitiva. Porém modificar nossa natureza para nos encaixar no mundo, e não o contrário, é, na verdade, a forma mais profunda de enfraquecimento da autonomia. Em vez de empregar nossos novos conhecimentos genéticos para endireitar "a madeira torta da humanidade", deveríamos fazer o possível para criar arranjos políticos e sociais mais tolerantes com as dádivas e limitações dos seres humanos imperfeitos.

 

Copérnico e Darwin "destituíram o homem de sua glória cintilante no ponto focal do universo", mas a nova biologia recuperaria esse papel crucial do ser humano. No espelho de nosso novo conhecimento genético, nós nos veríamos como algo além de um simples elo na corrente da evolução: "Podemos ser os agentes da transição para um novo salto evolutivo. Esse é um acontecimento cósmico."

 

Também é possível ver a engenharia genética como a expressão máxima de nossa decisão de subjugar o mundo, como mestres de nossa própria natureza.

 

Epílogo

 

A necessidade de curar vem do fato de que o mundo não é perfeito e completo, mas necessita constantemente da intervenção e reparação humanas.

 

[O Congresso americano em relação à proposta de lei sobre células tronco] argumentou que era uma pesquisa antiética, porque a extração de tais células destrói o blastocisto, um embrião não implantado, no sexto ou sétimo dia de seu desenvolvimento.

 

Essa discussão coloca três questões. Primeira: deve-se permitir a pesquisa com células-tronco embrionárias? Segunda: essa pesquisa deve ser patrocinada pelo governo? Terceira: caso ela fosse permitida, deveria importar se as células-tronco vieram de embrioes já existentes e descartados de tratamentos para infertilidade ou de embriões clonados criados especificamente para a pesquisa?

 

[para responder deve-se considerar o] status moral do embrião.

 

(...) imagine uma clínica de fertilidade que aceita doações de óvulos e espermatozóides para dois propósitos: reprodução e pesquisa com células-tronco. Não há clonagem envolvida. A clínica produz dois grupos de embriões, um a partir de óvulos e espermatozóides doados para fins da FIV (fertilidade in vitro), outro a partir de óvulos e espermatozóides doados por pessoas que desejam ajudar a causa da pesquisa com células-trono.

 

Aqueles que produzem embriões para tratamentos de infertilidade não desejam destruir ou explorar os excedentes, do mesmo modo que os que os produzem para fins de pesquisa também não.

 

As leis federais da Alemanha regulam as clínicas de fertilidade e proíbem que os médicos criem mais embriões do que serão implantados. O resultado é que as  clínicas de FIV alemãs não produzem embriões excedentes.

 

É importante deixar claro, em primeiro lugar, de qual embrião se extraem as células-tronco. Não é um feto. Não possui formas ou traços humanos reconhecíveis. Não é um embrião implantado crescendo no útero de uma mulher. É, em vez disso, um blastocisto (um grupo de 180 a 200 células) crescendo numa placa de Petri e que mal é visivel a olho nu.

 

Mas ninguém consideraria a célula epitelial uma pessoa, nem a consideraria inviolável. Demonstrar que um blastocisto é um ser humano, ou uma pessoa, exige argumentação adicional.

 

Segundo, mesmo deixando de lado a questão do "clonoto" (blastocistos clonados), o fato de toda pessoa ter sido um dia um embrião não prova que os embriões são pessoas. Considere a seguinte analogia: embora todo carvalho um dia tenha sido uma bolota, isso não significa que as bolotas sejam carvalhos, nem que eu deveria lamentar a perda de uma bolota devorada por um esquilo em meu jardim do mesmo modo que lamentaria a morte de um carvalho abatido por uma tempestade.

 

Se um embrião não é uma pessoa, então quando exatamente nos tornamos pessoas?

 

Esse enigma de especificar pontos em um continuum, conhecido pelos filósofos como "paradoxo sorites", remonta aos antigos gregos ("Sorites" vem de soros, a palavra grega para "pilha", ou "monte".) Os sofistas usavam argumentos do tipo sorites para tentar convencer seus ouvintes de que duas qualidades distintas ligadas por um continuum eram na verdade a mesma, ainda que a intuição e o senso comum sugerissem o contrário. A calvície é um exemplo classico. Todos concordariam que um homem com um único fio de cabelo na cabeça é careca. Que quantidade de fios marca a transição entre ser careca ou não?

 

Na verdade, se estivéssemos convencidos de que a pesquisa com células-tronco embrionárias fosse a mesma coisa que infanticídio, não apenas a proibiríamos como a trataríamos como uma forma abjeta de assassinato e sujeitaríamos como um forma abjeta de assassinato e sujeitaríamos os cientistas envolvidos à punição criminal.

 

Os defensores da fertilização in vitro observam que o índice de perda de embriões na reprodução assistida é na verdade menor do que o que ocorre na gravidez natural; nessa, mais da metade de todos os óvulos fecundados ou não consegue se implantar no útero ou se perde de alguma outra maneira.

 

No entanto, poucas pessoas preocupadas com essas causas estão lançando campanhas ambiciosas ou buscando novas tecnologias para prevenir ou reduzir a perda de embriões na gravidez natural.

 

Respeitar a floresta antiga não significa impedir que qualquer árvore seja derrubada ou extraída para propósitos humanos. O respeito à floresta pode ser condizente com seu uso. Mas os propósitos devem ser importantes e dignos da natureza maravilhosa do objeto.

 

A convicção de que o embrião é uma pessoa deriva não apenas de certas doutrinas religiosas como também da alegação kantiana de que o uni moral se divide em termos binários: tudo ou é pessoa, digna de respeito, ou coisa, sujeita ao uso. Mas (...) esse dualismo é exagerado.

 

Em vez de banir as pesquisas com células-troncos embrionárias e a clonagem para fins de pesquisa, deveríamos permitir sua continuidade sob regulações que englobem as restrições morais adequadas ao mistério do início da vida humana.