EXTRATO DE: A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Autor: Henry David Thoreau

Tradutor: José Paulo Paes

Editora: Cultrix (1987)

 

PREFÁCIO

 

Thoreau foi "um Hukleberry que estudou em Harvard", disse um historiador.

 

Foi depois de dormir uma noite na cadeia que ele escreveu esta obra.

 

Thoureau dormiu uma noite na cadeia por se ter recusado a pagar seus impostos, recusa que era um protesto ao mau uso que o governo fazia do dinheiro dos contribuintes, utilizando-o para assegurar a manutenção de uma instituição iníqua como a escravidão e para mover uma guerra como a que então [os Estados Unidos] empreendia contra o México

 

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

[O livro leva o título deste ensaio. Existem outros 3, mas não têm importância filosófica.]

 

Aceito [diz ele] com entusiasmo a divisa: "O melhor governo é o que menos governa". [Mas prefiro] "O melhor governo é o que não governa de modo algum."

 

O governo, por si só, jamais favoreceu qualquer empresa, a não ser pela presteza com que lhe sal do caminho. Ele não mantém o país livre. /ele não povoa o Oeste. Ele não educa. O caráter inerente ao povo americano fez duto quanto tem sido feito, e teria feito mais ainda se o governo não se lhe tivesse atravessado no caminho.

 

Deve o cidadão, mesmo por um momento, ou em caso extremo, abdicar de sua consciência em favor do legislador? Então, para que serve a consciência do indivíduo?

 

Costuma-se dizer, com acerto, que uma corporação não tem consciência; uma corporação de homens, porém, é uma corporação com consciência.

 

A maioria dos homens serve ao Estado não como homens de fato, mas como maquinas, com seus corpos. (...) Na maioria dos casos, não há livre exercício nem do raciocínio nem do senso moral; eles se colocam, porém, ao nível da arvore, da terra, da pedra; talvez se possam manufaturar homens de madeira que sirvam a tal propósito de modo igualmente satisfatório. Homens que tais não merecem maior respeito que um espantalho em um torrão de barro.

 

Quando a maioria votar, por fim, pela abolição da escravatura, há de ser porque lhe é indiferente a escravidão, ou porque sobrou muito pouco dela para ser abolida pelo voto.

 

O soldado que se recusa a servir numa guerra injusta é aplaudido por aqueles que não se recusam a sustentar o governo injusto que faz a guerra; é aplaudido por aquele4s cujos atos e autoridade ele despreza e aos quais não da nenhum valor, como se o Estado fosse um penitente que chegasse ao ponto de contratar alguém para flagela-lo enquanto pecava, mas não ao ponto de deixar de pecar, um momento que fosse.

 

Após o primeiro rubor do pecado, vem a indiferença; e, de imoral, ela se torna, por assim dizer, amoral, e não de todo desnecessária aaquela vida que levamos.

 

Como pode um homem contentar-se com apenas ter uma opinião e nela se comprazer? Haverá algum comprazimento na opinião de ser-se oprimido?

 

Leis injustas existem: devemos contentar-nos em obedecer-lhes ou empenhar-nos em corrigi-las; obedecer-lhe até o momento em que tenhamos êxito ou transgredi-las desde logo?

 

É culpa do próprio governo o remédio ser pior que o mal.

 

O que me cabe fazer, em qualquer caso, é ver que eu não me preste a ser instrumento do mal que condeno.

 

Vim a este mundo não, principalmente, para fazer dele um bom lugar onde viver, mas para nele viver, seja ele bom ou mau.

 

Num governo que encarcere quem quer que seja injustamente, o lugar certo para um homem justo será também a prisão.

 

O homem rico está sempre vendido à instituição que o torna rico.

 

A melhor coisa que um homem pode fazer pela sua própria cultura, quando rico, será tentar levar a cabo aqueles planos que acalentou quando pobre.

 

Confúcio disse: "Se um Estado for governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objeto de vergonha; se um Estado n ao for governado pelos princípios da razão, as riquezas e as honras serão objeto de vergonha."

 

Como não podiam alcançar-me, haviam resolvido punir-me o corpo; como meninos, que, se não podem atingir uma pessoa contra quem tenham rancor, maltratam-lhe o cão.

 

O Estado não está dotado de inteligência ou honestidade superior, e sim de superior força física.

 

Quando um planta não pode viver de acordo com sua natureza, perece; assim também o homem.

 

A verdade do jurista não é Verdade, mas coerência ou conveniência coerente.

 

Amamos a eloqüência pela eloqüência e não por qualquer verdade que possa exprimir,ou qualquer  heroísmo que possa inspirar.

 

Nossos legisladores ainda não aprenderam o valor comparativo do livre comércio e da liberdade, da união, e da retidão, para uma nação.

 

Será a democracia, tal como a conhecemos, o derradeiro aperfeiçoamento possível em matéria de governo?