EXTRATO DE: DIÁRIOS DA PRESIDÊNCIA - 1995-1996

Fernando Henrique Cardoso

Ed. Companhia das Letras - 2015

 

CORRUPÇÃO

 

(...) [Na formação dos ministérios] Eu próprio depois de ter pedido uma informação ao Roberto Irineu Marinho a respeito de três pessoas competentes da área, pedi ao Eduardo Jorge que as entrevistasse. Passei os nomes ao Sergio Motta e a partir deles foi feito um diagnóstico da situação. Fiquei sabendo através do Roberto Irineu que, no ministério [das Comunicações] se roubava de alto a baixo. Insisti, ele não quis entrar em detalhes, mas me disse: "De alto a baixo".

 

(...) [O Xico] mandou mais uma nota, pouco infeliz, porque no final diz que estava lutando contra a corrupção, no fundo falava do episódio do Julio, mas, claro, cai lama no governo. Cada um está pensando em si por despreparo para o exercício de funções públicas com responsabilidade. Mas isso não é a questão principal a ser relatada aqui.

 

(...) Na verdade o que eles querem é nomear o Eduardo cunha diretor comercial da Petrobras! Imagina! O Eduardo cunha foi presidente da TELERJ, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor. (...) Enfim, não cedemos à nomeação.

 

(...) Eu comentei que o governo FHC teve não sei se a honra ou a tristeza de terminar quatrocentos e tantos Caics, creio que ao todo 470, a maior parte construída pelo governo Itamar e agora pelo meu, porque havia que cumprir o contrato, senão as multas seriam mais caras do que fazer as escolas. São elefantes brancos, os municípios não querem, ninguém quer. [Incompetência + Corrupção = Descaso com o Brasil]

 

EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA E PRESIDENCIALISMO

 

(...) Todos dizem que estou me cansando muito, me matando, que isto não está certo que não devo me meter em tudo, mas, se não me meto, parece ser mais difícil que as coisas andem. Nenhum ministro assumiu realmente a envergadura de poder levar a política do governo no seu conjunto nem mesmo em matérias específicas.

 

(...) O deputado que não é atendido pede logo que o ministro vá expor lá. Isso é inviável, continuamos com um regime que não é nem parlamentarista nem presidencialista. Embora o poder do Executivo seja imenso, o poder de chantagem do Congresso também é muito grande. O povo não sabe disso e a imprensa, como eu já disse tantas vezes aqui, não desmascara.

 

(...) “Sérgio, faz dois anos que toda a política gira ao redor do que eu disse ou deixei de dizer. Claro que não toda, mas grande parte, a política, a economia, mesmo esses movimentos da sociedade têm uma interlocução permanente com o presidente. Esse presidencialismo que nós temos é tão terrível que obriga o presidente a, queira ou não queira, participar de tudo. E, quando não participa, a imprensa usa dois critérios, um seria o das lectures symptomales, tudo que não se diz eles imaginam e dizem, o outro é analisar pelo deslize. Portanto, é uma imprensa que destrói mas cujo quadro de referência acaba sendo o governo. Mesmo quando os ministros falam, na verdade é o presidente da república que está em jogo, é a mim que eles querem ouvir, que eu fale ou não fale, ou levo aplauso ou levo pau, tudo gira em torno de mim. É um regime doentio em que há o presidencialismo, que tem esse poder simbólico, e, por outro lado, uma sujeição tão grande ao Congresso porque a constituição ainda deixa o Congresso amarrando muitas coisas do governo”.

 

(...) Gosto de estar aqui, gosto de ser Presidente da República, mas tenho muitos problemas. Primeiro porque, do ponto de vista familiar, nunca houve uma adesão efetiva a isso, achar que a Presidência é uma coisa que realmente tenha significado transcendente. A Ruth cumpre muito bem o seu papel, com muita dedicação, fazendo até mais do que deveria fazer, e me dá um apoio constante. Mas, no fundo, no fundo, a família como um todo – alguns podem achar que é fantástico e tal – não gosta de viver institucionalmente. A vida aqui é institucional. O que eu vou fazer?

 

(...) nesse maldito presidencialismo brasileiro o Presidente é muito forte e, ao mesmo tempo o Congresso quer ter poderes, tem alguns poderes que são excessivos para um regime presidencialista. Nos Estados Unidos a situação é semelhante, estou vendo o Clinton lá, penando, é uma situação real no mundo. Ou seja, os Congressos querem avançar mais, e o pior é que eles têm menos legitimidade, então as organizações não governamentais e os corpos técnicos do  governo, inclusive a Procuradoria, passam a ter um papel que nunca tiveram.

 

(...) Os governos se arrebentam pela fragilidade dos amigos próximos. Os inimigos dão menos trabalho do que os amigos próximos. Todo mundo sabe disso, mas é duro sentir na pele.

 

(...) É verdade, a Presidência é doída. Porque dispensar o Júlio, uma pessoa que trabalha comigo com tanta dedicação, e, ainda agora, assinar a medida provisória que vai arruinar a família da minha nora é de lascar. Mas é para isso mesmo que existe a separação entre o público e privado, e eu não tenho nem hesitação, apenas me dói, e dói bastante. As pessoas não percebem que tenho esses sentimentos porque disfarço muito, mas fico intimamente muito abalado, constrangido, quando tenho que fazer as coisas do modo como teremos que fazer. Enfim, é a lógica de Estado.

 

(...) [Recebi] Sarney e Carlos Bezerra para a rolagem da dívida dos estados. Também com Malan e Pedro Parente as coisas caminharam. Mas olha de novo o presidente da República atuando em todos os fronts, é terrível.

 

(...) O que saiu depois nas revistas, com mais detalhes, foi a Procuradoria quem entregou, porque os procuradores (...) passam tudo para a imprensa. Isso  é o Estado que está corroído, não existe Estado. A crise nesse caso é de deslealdade para com o Estado brasileiro. Isso é na  Polícia Federal, é na Receita, é na questão do Banco Central, é no Tribunal de Contas, é uma coisa vergonhosa. E eu estou mandando punir.

 

(...) De vez em quando tenho que ser autoridade máxima e quase impositiva, às vezes tenho que ser moderador. Isso aqui é um  sistema complexo em que o presidente tem papéis múltiplos, tem papel de líder às vezes do próprio Congresso, tem papel de poder moderador como se fosse um rei, tem papel Executivo, tem papel de coordenação de Estado e de governo

 

(...) Quem sabe a gente deva reler certos momentos da história do Brasil para ver, sobretudo, as dificuldades de quem governa e como as decisões são tomadas.

 

(...) Pelo registro que estou fazendo, vê-se que acabo me metendo em muita coisa: nos ministérios, na articulação política, na política externa, na política sindical, e ainda pensam que é porque eu quero. Não é. É da natureza do regime presidencialista, e talvez da minha também, querer que as coisas andem, e tenho entusiasmo com o processo.

 

(...) Numa semana como esta acabei ganhando tudo, mas fiz quase tudo sozinho. Está difícil, e assim não dá. Estou assumindo funções que não são do presidente.

 

(...) Pedem a mim que participe de tudo, até da apuração do assassinato do PC Farias. Não existem meios para isso, nem é necessário nem conveniente que assim seja. E não se consegue ver mais claramente o papel simbólico que eu tento, bem ou mal, levar, mostrando que o país tem rumo. E que temos um governo decente, sem roubalheira e que é modesto - o quanto é possível a autoridade ser modesta.

 

(...) As pessoas que não estão aqui não imaginam o esforço necessário para conseguir ficar esse tempo todo aqui, mantendo o leme firme.

 

(...) Vou passar o sábado e o domingo aqui, modorrentamente. Estou sozinho no alvorada. À noite é um pouco triste aqui. Vou ouvir música, ler e dormir.

 

(...) Estou acabando de ler o livro do [José] Sette Câmara sobre agosto de 54, sobre Getúlio. Como já registrei a propósito do livro do Castelinho sobe o Jânio, os governos se perdem por pequenas coisas, são desatinos verbais, relações de amizade... Preciso ter isso sempre presente, para evitar que aconteça o mesmo comigo.

 

GLOBALIZAÇÃO

 

(...) ressaltei que o papel dos políticos e dos intelectuais é o de definir, nesse novo quadro, valores que possam contrabalançar as forças homogeneizadoras e os efeitos perversos da globalização.

 

(...) Eu disse a ele [Renato Ruggiero, diretor-geral da organização mundial do comercio]: "O problema é a exclusão, não a globalização; a globalização está aí, a grande questão é saber se ela vai ser totalmente excludente, mais ou menos excludente ou includente. O que vai acontecer com a África, com partes do mundo que se desenvolvem? Como vão se integrar?". (..) Ruggiero acha, como eu, que há chances para o Brasil. Mas a grande questão está colocada: a globalização é um fato e a exclusão é uma tendência. Dá para reverter? Como se faz a distribuição de renda, como se faz com os empregos? (...) estamos no início de uma nova era e as pessoas estão esperneando contra essa nova era (...) Neste momento tudo é mera ideologia. 

 

(...) o jogo no qual o Congresso faz de conta que tem poder no governo e o governo faz de conta que o Congresso pode muito, quando na prática não é bem assim. Na prática depende muito mais da capacidade do governo de continuar sendo hegemônico e de levar adiante programas que correspondam à nova sociedade, que está baseada tanto na globalização e no aumento da relação de fluxo de comércio nos dois sentidos, importação e exportação, como, principalmente, na demanda por equidade social.

 

IMPRENSA, MÍDIA EM GERAL

 

(...) Ainda disseram [a Veja] que fiquei constrangido com o fato de ele [o filho Paulo Henrique] ter ido no avião. Não é verdade, muito gente viaja nesses aviões quando voam vazios, sem gastar um tostão do dinheiro público. Trata-se de um falso moralismo da Veja, que vive pedindo canais e mais canais de televisão ao governo, de alta freqüência, e, ao mesmo tempo, espicaça sem parar para jogar todo mundo na vala comum. A gente tem que ter o pelo duro e ir em frente.

 

(...) O Boris [Casoy] acha que a opinião pública está atenta e esperando algo sobre o México. Não sei se isso é verdade ou não, a opinião pública são os próprios formadores de opinião.

 

(...) Meu Deus do céu, onde vamos parar com essa sanha destruidora para vender jornal, para esse sensacionalismo na televisão, para os deputados gritarem, é infernal.

 

(...) Ontem, quando cheguei, fiquei indignado com o artigo do Clóvis Rossi, e depois soube de outro, de Josias [de Souza], sobre o Nacional, dizendo que eu tinha ajudado o banco, e o do Clóvis Rossi dava a impressão de que eu permitiria roubo, qualquer coisa assim, no governo. Fiquei muito irritado, telefonei de imediato para o Frias. Disse que não poderia mais ir à inauguração da Folha, que será no dia 4. Frias ficou desesperado, disse que ia fazer os dois engolirem, e fez. Hoje, domingo, ambos escrevem no jornal desdizendo-se. (...) De qualquer maneira, houve muito desrespeito pessoal. Já estou cansado, é demais!, por mais que eu seja tolerante.

 

(...) A política vive de intriga e de infâmia imaginária. Então, levando ou não a sério, que é o que eu faço em geral – não levar a sério -, às vezes a gente tem que atalhar. A coisa da IstoÉ é uma infâmia. Pior ainda o da Veja. É incrível, é briga entre as duas revistas.

 

(...) O problema é a promiscuidade que Brasília criou entre os políticos e a imprensa. Eu não me excluo disso,  mas acho que está ficando muito grave. E tão grave (...) que tudo que eu disse ao Luis, ele disse imediatamente ao Moreno, que já botou na imprensa, sem distorcer. Tudo foi para a imprensa, a conversa entre o presidente da câmara e o presidente da república, o que mostra que realmente não há mais o  recato necessário para levar as questões de Estado com certa discrição e com propriedade, com um comportamento adequado.

 

(...) Sei que a imprensa está procurando chifre em cabeça de cavalo e criando coisas difíceis, sem uma noção do Brasil, das perspectivas, dos reais problemas, transformando uma intriga no principal. Só que sempre foi assim, em Florença era a mesma coisa, na  Grécia é a mesma coisa, na Espanha, nos Estados Unidos, a política é feita também  de intriga, que tem um papel preponderante.

 

(...) Enfim, essa proximidade entre a imprensa e a vida política acaba ajudando a politicalha. Não por intenção, mas porque a politicalha rende mais ao interesse menor, ao interesse do escândalo, que hoje chama muito mais a atenção do leitor.

 

(...) o Jornal do Brasil criticou o meu pronunciamento aquelas coisas de sempre que havia muitas estatísticas, que o povo não entende, todos se arvoram de sabedores do que o povo quer. Muitos pesquisadores e muitos jornalistas deviam ter um contado efetivo com o povo, mas como não têm imaginam que eu é que não tenho.

 

(...) Falta muito aos nossos jornalistas essa vontade mais positiva não de elogiar, mas de olhar o que está acontecendo.

 

(...) Quanto à revisão da legislação trabalhista, se a Folha é a favor, o Estado é contra e vice-versa. Parece que o interesse público, a ideia de ter uma posição mais compreensiva, mais filosófica, nem o Estadão está conseguindo mais.

 

(...) A revista [Veja] faz uma esculhambação com o que aconteceu no Carnaval do Rio, que desmoraliza tudo e todos. Sobre o Banco Nacional, e avançando o sinal, já está responsabilizando por fraudes o Marcos, o Eduardo e alguns diretores. Eu não conheço os dados da questão, provavelmente houve tramóias por lá, mas que o Banco Central vai gastar não sei quantos bilhões, isso não é certo. O banco já gastou; ele vai recuperar esses bilhões. Enfim, as revistas são o que são nessa competição para ver quem descobre mais podridão no mundo, e às vezes acabam achando alguma podridão mesmo. Esse é o lado positivo, quando se consegue descobrir a podridão e acabar com ela.

 

(...) À noite, vi uma gravação do Roda Viva com o Otavinho [Otavio Frias Filho] definiu como papel da imprensa "ser contra de uma maneira conseqüente. (...) ele nota a imprensa com muito entusiasmo pelo governo, isso é ruim, tem que achar uma maneira de ser contra. Aí o Dines disse: "Bom, mas sendo contra você está sendo parcial, porque uma boa parte, a maioria do eleitorado está contente, está feliz, está otimista, e você tem um pessimismo permanente". "E eu", disse o Dines, "sou admirador do presidente Fernando Henrique." O Otavinho disse: "Cuidado, eu tenho muita simpatia pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e grande admiração pelo sociólogo dos anos 60, 70, 80. Não é isso, eu tenho admiração; o problema é outro. "É que publicamente nós temos que ser contra, porque o papel da imprensa é ser contrário".

Então é a teoria do deslize, em que você analisa o todo pelo erro, pelo engano, pelo deslize, tem que sempre ser contra, não cabe à imprensa elogiar, não cabe à imprensa dizer o que é bom, só cabe dizer que está errado.  (...) [Otavinho] é contra em qualquer nível: estadual, municipal e federal, seja qual for o partido. A imprensa é autônoma, independente das forças sociais, é um poder em si e esse poder disputa, na verdade, com os outros poderes e, para poder disputar, ela é contra. Ele não disse isso, sou eu que estou dizendo. É realmente extraordinário, mas é verdadeiro.

 

(...) Por isso (...) adianta muito pouco falar com os jornalistas para chamar a atenção para uma coisa importante do governo; isso não conta.

 

(...) De qualquer maneira tem havido muita distorção nas coisas do governo através da Folha, que está numa sistemática que não é de oposição, mas de desmoralização. Eles me chamam de autoritário, imagina você, achar que por aí pega. Só faltava essa.

 

(...) [Em conversa com um diretor da TV Globo] Acho que há um momento de incerteza e a TV [Globo] resolveu também ser independente do governo. Tudo bem. Da minha parte, nada a opor, mas eles estão um pouco perdidos nessa independência e assumindo a posição um p0ouco da Folha. O Frias, dono do jornal, me disse outro dia que ele achava que a Folha não tinha mais alternativa a não ser radicalizar mais. Imagine só onde é que vamos parar. Não fiz toda essa análise com o Marcelo Netto, só dei a entender, sem me queixar de nada.

 

 (...) Também estive com o Roberto Irineu Marinho, que fez um stop aqui na volta dos Estados Unidos para me explicar que eles não têm nada contra mim ou contra o governo, que estão de acordo, [o que houve] foi um erro da Globo, isso tudo em função da reclamação forte que o Sérgio Motta fez a ele. Eu disse que entendia que não tinham nada contra, mas que haviam ido alem dos limites, tinham inventado [a história de Jequié]. Ele se desculpou e disse que eles não são como na Abril, onde o Civita diz que não manda, que quem manda é a redação. No caso da Globo, disse, eles mandam, e que essa não era a orientação, que foi um acidente de percurso.

 

LULA

 

(...) [Em conversa com D. Lucas] "Olha, no fundo aqui é preciso tomar cuidado porque existe um pensamento totalitário, autocrático, que não aceita, não aceitou nunca, a minha eleição, a derrota do lula, que agora não aceita a vontade da maioria no Congresso e, na prática, fica defendendo privilégios". Voltei à tese da união da esquerda com a direita canalha para defender prerrogativas e privilégios, dando a impresso de que eles são a vanguarda, e disse: "Bom, vanguarda só se for do atraso". Ou seja, eu disse a D. Lucas tudo o que era preciso dizer. D. Lucas sabe, concorda comigo, no final ele e eu conversamos e isso ficou bem claro.

 

 (...) [Se referindo a Lula ter dito que “ser professor de ciência política não significa saber política”.] Enfim, essa coisa deprimente, essa mediocridade que faz com que gente que não tem proposta para o país encontre logo acolhida na mídia. Bobagens ditas com ar de grande sabedoria. Enfim, o que podemos fazer? (...) O mundo é assim.

 

(...) O Lula continua me atacando de uma maneira pouco equilibrada. Na ultima entrevista que ele deu, disse que na verdade o problema não é o PFL, sou eu que penso errado ele não engoliu a derrota. E talvez nem entenda muito bem o que está acontecendo. Alimentando aquela mágoa, atira em cima de mim sem parar, acredito que não teve um momento de compreensão.

 

MEMBROS DO GOVERNO

 

(...) O Brasil é pesado, porque a base da administração é precária e os que vêm de fora aguentam um ou dois anos e depois começam a dar sinais de cansaço. Não há retribuição, a sociedade não reconhece o esforço imenso que muita gente faz para colocar em funcionamento um sistema que já é muito viciado, como o sistema burocrático de Brasília.

 

(...) Pelé, esse, sim, teve a coragem de demitir doze pessoas depois da acusação de bandalheira na área de esportes. Mandou embora inclusive o presidente do Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, criado por ele, indicado pela senadora Benedita da Silva. O Pelé agiu com coragem. Ele é um homem sério, gosto dele.

 

(...) Benedita me telefonou dizendo que não tem nada a ver com a nomeação do tal presidente do Indesp, mas que tinha algumas coisas para contar ao Eduardo Jorge ou seja, ela tem, sim, a ver, foi ela quem o indicou ao Pelé é claro que o cara agora vai querer acusar terceiros, essa coisa de sempre.

 

(...) Esse pessoal [tecnocratas do governo] pensa que dá para lidar com políticos somente mostrando o certo e o errado, sem que discutam os interesses deles.

 

(...) É um jogo duro. O próprio Luis Carlos Santos veio hoje me ver dizendo que já não aguentava mais tanto papelzinho no bolso, tanta fisiologia. Os assuntos mais importantes do país são discutidos por um grupo grande de deputados nesta base, e o pior é que ele [Luis Carlos] não pode nem proclamar isso, tem que ir levando até porque apesar de tudo, estamos ganhando.

 

POLÍTICOS E PARTIDOS

 

[O Temer] é um homem que tem formação cultural, um perfil que não é de fisiologia, mas sabe se manter bem dentro do partido.

 

(...) Embora nem todos [líderes, políticos] me digam sem rodeios o que querem, quase todos querem a mesma coisa: emprego para um, para outro, uma posição política aqui, outra acolá.

 

 (...) O PMDB hoje não é um partido, é uma confederação de interesses e de valores. Muito difícil. O Simon puxa para um lado, os outros puxam para o outro, os governadores não são reconhecidos pela bancada.

 

(...) [Hoje] Não existe mais um valor que aglutine as forças políticas. Nem nacionalismo, nem socialismo, nem desenvolvimentismo, nada. A última agregação que houve, no passado, foi a chamada “bancada ruralista”. Que, na verdade, são interesses mal disfarçados, de pequenos grupos que usam a maioria dos ruralistas para defender os seus interesses.

 

(...) O PCdoB é arcaico e o PT começa a sofrer também da fragmentação, embora se unifique no corporativismo, que é a única força, retrógada mas que existe, e é presente paradoxalmente na esquerda.

 

(...) Recebi o pessoal do PP, PPR, todos. Eram uns cinquenta deputados e senadores. Todos muito alegres, dizendo que o PP deve tudo a mim, que eles são fiéis, aquela coisa toda, e baixinho cada um fez um pedido.

 

(...) Vê-se, pois, que junto com toda a construção jurídica, que é correta, é para ser mais solidário com o governo ele quer também alguma achega pessoal nessa questão de nomeações. É sempre assim. Temer é dos mais discretos, mas eles não escapam. Todos têm, naturalmente, os seus interesses.

 

(...) Recebi o Valdemar Costa Neto, que naturalmente apresentou suas reivindicações rotineiras de nomeações. Deu uns nomes, pedindo lugares e tal, essa coisa desagradável.

 

(...) Todos dizem que têm questões menores, que não querem conversar comigo, que eu designe quem tratará do assunto, e eles só querem umas nomeacõeszinhas, uns contratinhos, essas coisas, esse beabá dessa política empobrecida.

 

(...) É de fato extraordinária a falta de sentido de Estado, sentido de responsabilidade pública, responsabilidade nacional de muitos dos nossos políticos.

 

(...) Ora, esta é boa! (...) ele [Sarney] serviu a todos os governos militares, nunca lutou nada, não me esqueço até hoje do discurso violento que fez de resposta o Ulysses, que seria as diretas já. Ele, presidente do PDS, fez um discurso exaltado no senado, contra. Aderiu ao Partido da Frente Liberal no fizinho, apenas, porque não tinha mais saída com a questão do Maluf e o Figueiredo, e agora vir posar de democrata já é um escárnio! Uma vergonha. Não posso dizer isso porque prejudico os votos [das reformas], mas estou chegando ao meu limite de paciência.

Além do mais, Sarney agora está se queixando (...) de que a Receita Federal estava em cima do Jader, em cima do Gilberto Miranda e dele. (...) Eu nunca soube disso. Não mandei a Receita em cima de ninguém. A Receita também está em cima do Tasso, está em cima de todo mundo porque essa é a função e eu não estou aqui para amenizar. Se alguém estiver errado tem que pagar, é claro que não podem é perseguir. Eles pensam que eu estou perseguindo. Não estou. Estou simplesmente deixando que cada funcionário cumpra o seu dever. Isso, aqui no Brasil, já parece ser uma afronta à classe dominante.

 

(...) [Marco Maciel conta:] "Olha, o PPB está inquieto. Falaram com Eduardo Jorge, o Odelmo [Leão] não quer nem discutir o texto do Michel temer da Previdência, ele quer votar contra se não tiver uma compensação".

 

(...) [Em conversa com Jader Barbalho] "O Luiz Antônio Fleury me telefonou ainda hoje, para dizer que já mandou uma carta ao Sarney pedindo que a CPI vá até 1974, sobre o Banespa, que ele também quer ir à forra do Banespa, naturalmente haverá os dossiês que existem no Banco Central sobre deputados e senadores, eles vão aparecer, haverá uma lavagem de roupa suja, isso vai pôr fogo no circo."

 

(...) No fundo o Josa [do JB] me disse que o Jornal do Brasil está com o Miro, mesma coisa O Globo. Eles são pelas reformas, o Miro é o líder contra as reformas, mas "O Miro, não sei o quê... é carioca... é amigo..", e lá vai o Miro. Não sei se ganha, mas vai dar trabalho. Eles dizem que isso afunda o Brizola, porque o Miro trai o Brizola. Belo elemento de convicção para votar no Miro: trair o patrono dele. Fantástico!

 

(...) Eles [parlamentares] estão se apegando a pequenas questões. Por exemplo: o senador Jefferson Peres diz que está movendo uma CPI contra o governo. No fundo, quando você vai ver, é porque o ministro Kandir não respondeu um telefonema dele. É ridículo.

 

 (...) Os jornais continuarão dizendo que ele [Sarney] está contra mim, não sei o quê, mas ele acha que para o Brasil é melhor a minha eleição, porque o Maluf é um perigo, ele não aceita, acha muito ruim, eles não se entendem, ele e eu somos intelectuais, temos uma convivência agradável, eu gosto da Roseana, e vice-versa, então ele acha que é melhor para o país. 

 

(...) Foi uma conversa [com Itamar] amistosa e um pouco, digamos assim, falsa, fingida. Na verdade eu nunca imaginei que Itamar quisesse ser presidente outra vez, tamanho sofrimento a presidência foi para ele. Mas ele está louco para ser e, por alguma razão, acha que, se eu for [candidato], isso atrapalha. Esse é o lado real da questão. Fora isso são jogos de cena.

 

(...) [O Ciro Gomes] Abriu o jogo no radio numa briga com o César Maia, uma coisa ridícula, atacando o governo, e o Cesar mais defendendo. É um mundo de malucos, e o Ciro faz tudo isso com o oportunismo que lhe é próprio, e com certa leviandade, que não sei se vem da idade ou se é algo mais persistente no caráter dele é pena, porque ele tem talento.

 

(...) O Luís Carlos Santos me procurou para contar a história do Roberto Brant (...) que foi procurado por alguém que, em nome do Maluf, lhe ofereceu 1 milhão de dólares para ele votar contra a reeleição. Pois bem. O Vadão Gomes soube que o pessoal do Maluf de fato se reuniu; ele sabe perfeitamente onde foi, quem estava lá, não sei o quê, para escolher as pessoas que deveriam ser abordadas. E a proposta é esta mesmo: 1 milhão de dólares para quem votar contra a reeleição.

 

(...) Falam sempre em "expectativas", manipulação de mercado, e quando você aperta... Eu pergunto: "Qual é a medida prática que vocês querem que eu tome?". Aí ninguém diz nada, não se vê nenhuma medida. Alguns têm medo, sobretudo Rosenberg, de que, por causa da taxa de juros e da dieta da estabilização, as empresas quebrem, a inadimplência é muito alta. Outros, como o André, têm medo de que já estejamos soltando demais, medo de um juscelinismo no governo. Eles próprios não se entendem sobre qual é o problema. O próprio pastore parecia ter a posição mais favorável ao juscelinismo, ao desenvolvimentismo, mas não se vê muito claro. Alguns falam do Serra como sendo um sinal negativo do governo em contraposição à estabilização. Então eu pergunto: "Mas vocês querem uma coisa ou querem outra? Também não sabem.

 

(...) Recebi também alguns parlamentares tipo Agnaldo Timóteo, que veio pedir que fizéssemos anúncios na Tribuna da Imprensa.

Recebi Joaci Góes que quer que a gente faça anúncio na Tribuna da Bahia.

 

 

QUESTÕES DIVERSAS

 

Sinto também que não temos capacidade de combater o narcotráfico. Parecemos muito perdidos na área. Isso me preocupa, e grandemente. O problema é real e, se os americanos apertarem o cerco, [os narcotraficantes] virão para cá. Essa atitude pseudonacionalista de não  querer cooperar com os americanos nessa matéria me parece um equivoco. Vou fazer tudo para impedir que esse equivoco se concretize.

 

 (...) O Tasso queria que tivéssemos uma posição mais firme, rompendo já com o Sarney. É curioso, eles não conhecem a dinâmica do Congresso. Como é que eu rompo com o PMDB? Como é que eu divido o PMDB e consigo dois terços de votos para aprovar as reformas?

 

(...)Discuti com o Jatene e com outros ministros sobre um forte combate ao mosquito da dengue. Pareceu-me uma coisa de vulto e que tem sentido social, porque é saneamento básico. [Já em 96 o problema da Dengue já estava em pauta.]

 

(...) Acordo para combater droga, tudo bem, queremos a cooperação até da CIA, mas não nesses termos em que eles têm uma capacidade de

controle tão grande de coisas que são brasileiras.

 

(...) Almocei aqui com o Emílio Odebrecht e a Ruth. Emílio veio trazer sugestões, nada para ele, só a respeito de vários temas de interesse nacional é curioso. Tem um nome tão ruim a Odebrecht, e o Emílio tem sido sempre correto, e há tantos anos.

 

 (...) Depois fui a uma reunião a respeito do orçamento de 96 e do que fazer com a crise dos estados. Dificuldades, os estados estão endividados, muito difícil mesmo, e reafirmamos que o Pedro Parente e o Mendonça de Barros vão discutir estado por estado.

 

(...)  um oficial da aeronáutica indagando sobre a compra de aviões F-16, entre outros. São aviões modernos. Só que a aeronáutica quer isso até o ano de 2015, e os americanos estão usando esse eventual interesse do Brasil para açular os argentinos, para que eles também comprem.  Ora!, os chilenos também podem comprar, os peruanos também. E aí começa o que haveria de pior, uma corrida armamentista na América do Sul, o que atrapalharia tudo. Há sinais evidentes de certa intriga americana entre Brasil e argentina.

 

(...) Houve uma cerimônia de condecoração dos juizes que condenaram os ladrões da Previdência. Só no Brasil mesmo a gente precisa condecorar juiz por cumprir o dever. Mas aqui é importante, mostra que há gente que cumpre o dever, precisamos reconstruir, como eu disse, a moral republicana.

 

 (...) No fundo é gente que não está socializada para o governo, uns porque estavam na academia ou nas empresas financeiras e não têm prática política e outros porque nunca estiveram nessa grande cena nacional e, quando entram nela, é como quem come melado e se lambuza. E eu é que sofro as consequências.

 

 (...) Eu queria ouvi-lo [Benjamim Steinbruch, dono da CSN, e nomeado por FHC para o conselho da Petrobras] sobre a Petrobras. Ele me disse que a Petrobras é um escândalo. Quem manobra tudo e manda mesmo é Orlando Galvão [Filho], embora [Joel] Rennó tenha autoridade sobre orlando Galvão. E o que há de mais grave é que todos os diretores da Petrobras são membros do conselho de administração. São sete diretores, são sete membros do conselho. Uma coisa completamente descabida. Acho que é preciso intervir na Petrobras o problema é que eu não quero mexer antes da aprovação da lei da regulamentação do petróleo pelo Congresso, e também tenho que ter pessoas competentes para botar lá.

 

RADICAIS, ENTIDADES SINDICAIS E SIMILARES

 

Brasília é hoje uma praça sitiada pelo funcionalismo e pela CUT, que se concentrou basicamente nas questões corporativas do funcionalismo.

 

(...) O MST hoje é autônomo, não querem terra, o que eles realmente querem é manter uma pressão constante sobre o governo.

 

(...) Urbano (presidente da Contag, subordinada à CUT) me deu um depoimento bastante honesto sobre o MST. (...) O movimento, na verdade, é um movimento revolucionário de cunho - a expressão é minha - saudosista. Há um comento não ostensivo, e 30% de tudo que eles recolhem vai para o movimento. E como eles recolhem? As ONGS internacionais, mas também o governo. O governo faz convênios, dá alimentação para muitos assentados, e de tudo eles tiram 30%, com o que financiam a parte revolucionária. É patético, mas é isso.

Trata-se de um movimento na verdade arcaico, é como se fosse Antônio Conselheiro outra vez. Mas em Sarandi eles juntaram 20 mil pessoas, ou seja, num momento de aflição na área rural esse movimento pode dar trabalho. E temos que cuidar de não estar também fomentando o MST. O Banco do Brasil deu recursos, o Ministério da Educação, o da Agricultura, o Incra, todo mundo faz convênios com eles, que é o da crença que é possível [surgir] um movimento revolucionário a partir daí.

 

(...) Vou atuar com responsabilidade. Separando a importância da reforma agrária da questão quase surrealista, não sei nem como qualificar, desse movimento ao mesmo tempo anacrônico e revolucionário, baseado na crença de que a partir do campo vem a revolução para um país urbanizado e industrializado, desenvolvido e injusto como o Brasil.

 

(...) O sindicalismo está num beco sem saída. Eles são uma estrutura burocrática, carcomida, com muita corrupção, utilizam recursos obrigatórios, pagos pelos trabalhadores, sem nenhum controle. Utilizam isso ao bel-prazer e estão tentando uma escalada inútil de greve geral. Isso é completamente anacrônico. Não conseguem mobilizar porque, apesar de tudo, os salários estão crescendo, e com o crescimento da economia pode ser até que eles reivindiquem com mais êxito, mas não greve geral. Greve geral é quando há crise de instituições, crise da economia, e não há nada disso.

 

(...) o Rainha [José Rainha Júnior] nesse momento está lá no Pontal de Paranapanema queimando fazendas, fazendo chantagem, apoiando candidatos a prefeito até mesmo do PFL. Sei que os fazendeiros se armaram, compraram metralhadoras no Paraguai, pode haver um confronto desagradável, pode haver mortes e tudo isso com esse Rainha que não obedece a ninguém e que acaba ficando, no limite, entre o herói do campo e o bandoleiro e extraordinário! Essa chamada classe dirigente brasileira, ou elite brasileira, não tem noção dos interesses do país, nem mesmo dos seus próprios! E passam de uma atitude de não publicar nada, de chapa branca a uma atitude de destruição global, como se fosse uma espécie de bomba atômica permanente. A Veja, a Folha e agora a Globo. Quando me encontram, todos dizem que apóiam o governo e não sei o quê...

 

REFORMAS, VONTADES E OUTRAS IDEIAS

 

(...) Já se falou até mesmo de passar a Vale do Rio Doce para o Banco do Brasil, para não aumentar o endividamento do governo federal. Já se falou também que os fundos de participação devem entrar com uma cota disso, mas o principal é que o banco não pode continuar como está, desestruturado, com essa quantidade de gente trabalhando lá.

Creio que nem o Ximenes, que é duro, viu o alcance da situação. O que reforça minha noção de que esses bancos não podem ficar nas mãos do governo porque dá nisso, dá em uso político do banco e o povo paga. E alguns roubam ou se beneficiam, empréstimos que não são repostos.

 

(...) Recordo outra vez que a Previdência passou a ocupar todas as verbas que eram da seguridade, portanto a parte da Saúde passou a ser também paga pelo tesouro, o que de maneira alguma estava nos cálculos de quem fez inicialmente as reformas na Constituição de 88.

 

(...) Notei que os governadores esperam uma reforma mais audaciosa, inclusive para podermos avançar também na reforma administrativa. Eles querem acabar com a estabilidade, como nós.

O Antônio Brito (...) estava muito aflito porque não via um bom encaminhamento da articulação política do governo nas reformas. Ele acha que mais vale cortar 10% de pessoal do que fazer qualquer alteração de tributo, e que uma coisa pode ser trocada pela outra.

 

(...) Vi que o Carlos Eduardo Moreira Ferreira está reclamando que a reforma é tímida, o abram Szajman também, só que eles não dizem o que querem, que é não pagar imposto, botar tudo num imposto simplesmente de venda ao consumo, quer dizer, a indústria não paga nada de imposto. É fantástico. Mas fora disso parece que a repercussão da entrevista foi a de acalmar os espíritos.

 

(...) já tínhamos acertado com o Carlos Bezerra de alongar o prazo para a recomposição da situação da dívida dos estados. Não tem alternativa, eles não têm como pagar.

 

(...) não contamos com um quadro em que Executivo e Legislativo tenham suas competências definidas. O Legislativo inchou sua competência fiscalizadora, avançando muito para dentro da administração propriamente dita para entorpecê-la não para controlá-la, e marginalmente claro, vão tirando as vantagens. E o Executivo não tem tido a condição de ser um Executivo, digamos, mais agressivo. Eu posso fazer isso, eu e um ou outro ministro, mas no conjunto é um Executivo que está minado pela própria incapacidade do Estado, não do governo, de se organizar. Esses vazamentos incessantes são a prova mais clara disso.

 

(...) Vê-se que o aparelho do Estado está minado por todos os lados. É uma espécie de quinta-coluna permanente. Não há mais reserva de nada. Isso  não é o governo, não. O Estado é que está assim, como é que a gente reconstrói esse Estado tão apodrecido? Esta é a grande questão. Estou tentando mudar o tema, mostrar onde estão os grandes problemas do Brasil, mas esses pequenos problemas acabam fazendo a política pegar fogo: um incêndio hoje, outro amanhã, minando nossas possibilidades de uma maneira realmente desesperadora.

Não são os grandes problemas, não é na condução geral das coisas, são essas pequenas coisas que estão torturando todo mundo é algo  desagradável, um  país que olha o tempo todo para o chão quando deve olhar para os horizontes. Acho que o povo cansa. Tenho dito isso na televisão, o que se chama de política no  Brasil é um  desfilar permanente de pequenas e grandes infâmias.

 

(...) Mas como se refaz o Estado se o Estado inteiro está totalmente minado por essas forças de partidos conservadores que são os que apóiam as votações no Congresso?

 

(...) A verdade é que não há crise no governo, o governo está governando, o problema é que não temos um Estado por trás do governo para responder.

 

(...) está totalmente contra (...) tudo que é do governo, e essa coisa tão velha meu Deus, tão sem sentido. O país pronto para decolar e nós aqui perdendo tempo.

 

(...) nem é a direita, é a podridão mais clara no Congresso, a pequena política, para chantagear o presidente, porque o objetivo deles não era fazer a CPI; era assustar, como eles mesmos dizem. E eles se unem a quem? À esquerda, e a esquerda topa. Quer dizer, nós estamos aqui numa situação muito delicada, porque a reformulação do Estado, a limpeza democrática das coisas está sendo feita pelo governo. E como a esquerda perdeu a eleição, ela não pode concordar com isso, ela não pode concordar que seja eu quem faça. E eu, que tenho a credibilidade com a opinião pública para fazer, fico num jogo em que agrado o Congresso, mas me distancio dele, ataco de vez em quando, para mostrar que estou indo num certo rumo e que eles estão desviando do rumo.

E as forças que deveriam ajudar nesse processo não têm consciência do seu papel histórico e ficam do outro lado, ou seja, atrapalham a possibilidade de uma mutação que implica o quê? Basicamente quebrar o sistema financeiro e todo tipo de ganho, por exemplo, nas universidades, em detrimento do ensino primário, e assim vai, um conjunto de privilégios.

 

(...) Meu ponto de vista é diferente. No mundo de hoje é preciso que o líder, ou os lideres, ou aqueles que articulam, sejam capazes de problematizar e de interpelar para constituir um espaço político, porque as classes ou os grupos em si mesmos não têm essa capacidade de atuação. A liderança, essa sim, tem essa função, que é cultural, moral, pedagógica e política ao mesmo tempo. Contudo, ela enfrenta interesses, não se trata simplesmente de negociar, chegar a um pedacinho para cada um; tem que enfrentar interesses.

 

(...) Hoje estamos governando com todo mundo porque não tem outro jeito para ter os três quintos. Depois só preciso da maioria para leis mais simples e aí não dá para continuar modernizando o Brasil na base dessa velharia toda, dessa fisiologia sem-vergonha de que eu tenho horror. É uma coisa tremenda.

 

(...) Volto ao tema que mencionei há pouco sobre a situação paradoxal em que nos encontramos. Modernizar usando tudo que há de tradicional junto. O rumo dou eu, mas o voto ele tem que dar e, para eles darem o voto, eu tenho que distribuir algumas benesses.

 

(...) O juiz do Supremo Marco Aurélio [Mello] deu uma liminar paralisando as reformas. Parece piada! Os juizes do Supremo jantaram na sexta-feira, inclusive o Marco Aurélio, na casa do Jobim. Parece que no mérito o pleno do Supremo derruba a liminar do Marco Aurélio, mas isso causa duas semanas de atraso na votação da Previdência. E assim é o Brasil: vai indo, mas só vai a muque. E com uma lentidão que dá nos nervos até das pessoas mais calmas.

 

(...) Enfim, quinze dias de atraso na reforma. Parece piada! O Brasil precisando de decisões e cada um com o seu pequeno mundo, fechando as possibilidades.

 

(...) Enfim, volta-se à quadratura do círculo. Ou se diminui o pessoal e os gastos com pessoal e aposentadoria, ou o Brasil não vai fazer mais nada, o Estado vai ficar à mingua e todo mundo reclamando. É a dura realidade. Embora alguns saibam, não há uma consciência geral disso. Repito sempre que posso, mesmo assim a consciência parece muito escassa. [As mesmas questões de hoje, portanto, um país paralisado há mais de 20 anos.]

 

 (...) É preciso uma mudança institucional que não leve a déficits crescentes, para permitir a viabilidade do regime democrático.

 

(...) Depois ele [Helmut Kohl, chanceler alemão] falou sobre a situação interna da Alemanha, a reforma da previdência, as dificuldades que enfrenta, e demonstrou com muita clareza que vai apoiar firmemente a moeda européia (...) Mostrou uma disposição absolutamente firme. Disse que recebeu manifestações contrárias à reforma da previdência de 300 mil operários, liderados pelos sindicalistas, mas que era impossível, que é preciso ampliar a duração do tempo de trabalho e que não é possível agüentar [a situação atual] por causa da expectativa de vida que aumenta muito. Como no Brasil, a mesma coisa, só que lá ele ganhou, teve uma maioria escassa, mas obediente que não é o nosso caso.

 

RELAÇÕES DE PODER

 

O Vargas me trouxe uma informação sobre o Sérgio Machado, líder do PSDB no Senado, que está apresentando uma emenda à Lei de Patentes contrária aos interesses do governo. Ao que dizem, parece que ele está ligado, não sei se é verdade à Itautec. Então quer permitir as importações paralelas. Confusão.

 

(...) o embaixador que estava no México, protegido do Paulo Francis e do Elio Gaspari, quer ir para Paris.

 

(...) Falei longamente com ele [Jader Barbalho] sobre o Sivam, porque o Gilberto Miranda está fazendo uma pressão enorme. À noite o Sardenberg me disse que, através da Aeronáutica, soube que o que  o Miranda quer é que o dinheiro, 110 milhões de dólares, que é para as obras civis, fique com a Raytheon, inacreditável isso! Ele deve ter feito um acerto com a Raytheon, não ousou jamais me contar, nem poderia. Falei com Jader sobre a necessidade de resolver o negócio do Sivam e sobre o Fundo Social de Emergência.

 

(...) Não sei, mas não vejo como haverá contrapeso aos fortes interesses tanto corporativos quantos privados senão por meio de um poder político que transcenda o burocratismo estatal, que tenha força diante desse burocratismo estatal e que possa exercer um papel de mediação alias, não é um pensamento novo meu, talvez num passado remoto eu acreditasse mais na ação dos partidos. Hoje acho que os partidos não têm essa capacidade, sobretudo no Brasil, com essa enorme fragmentação a que estamos assistindo. Ontem mesmo fiz o registro aqui da pouca importância da eleição municipal par ao poder central. (...) O poder central (...) tem que ser um poder de compensação, compensatório dos desvios regionais, das concentrações econômicas, enfim, dos desequilíbrios sociais. Acho que essa deve ser a função [do Executivo].

 

 (...) Enfim, começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá dá cá, porque é isto: se eu não der algum ministério o PPB não vota, se eu não puser o Luís Carlos santos no PMDB não cimenta, e muitas vezes - o que Dorothea diz tem razão - fazemos tudo isso e eles não entregam o que prometeram.

 

(...) O Serra ficou zangado porque isso tiraria poder dele. Estava lá o Lucena, Clóvis disse a eles que a culpa seria dele, Lucena, se isso acontecesse, porque o Lucena, que devia fazer o pendant, ser o homem do Nordeste, foi sumido pelo brilho do Serra.

 

(...) [Caso Banco Nacional] As coisas são mais feias do que parecem. É estarrecedor. Haverá implicações eventualmente processuais de crime de colarinho-branco. Perguntaram sobre a minha atitude. Eu disse: “Não! Isso é líquido, ou seja, eu não tenho nada com isso. Se feriu a lei, quem for responsável pagará pelas besteiras que terá feito, ainda que sejam besteiras sem maldade”. Deixei bem claro que não tenho nenhum compromisso dessa natureza com Marcos Magalhães Pinto nem com ninguém.

 

(...) Esta manhã veio falar comigo o coronel [Sérgio] Sparta, que não gosta do Julio, perguntando se o Julio ainda entra no Alvorada. Os decaídos do círculo do poder são imediatamente alvos da ira de todos os que ali estavam com algum ódio dos que eventualmente caíram do céu. Que céu é esse, meu Deus?! Mais parece o inferno. Pior é que um inferno para essas pequenas coisas que viram grandes dramas.

 

(...) Há que fazer algumas reflexões também amargas da razão por que o poder tem sempre esse lado lamentável, esse lado mais podre, que atinge mesmo as pessoas que queiram manter suas distâncias: Getúlio caiu enlameado pelos mais próximos. Ele também tinha horror de segurança e, engraçado, ia à Glória para assistir filme somente com o ajudante de ordens do Catete, extraordinário! Como os tempos mudaram, e mudaram muito.

 

(...) O que sempre atrapalha, no processo político, são as questões pessoais, as vaidades, às vezes as ambições, e os mais próximos são os que mais nos machucam e atrapalham, porque a gente não tem o mesmo distanciamento para poder fazer o que deve ser feito.

 

(...) Com o Olavo Setúbal conversei por telefone e o convidei para vir jantar com o Rubens Barbosa, que vem da Inglaterra. Pedi ao Olavo que ajudasse o Serra. Ele certamente vai ajudar, está do lado do Serra, mas é preciso que mais gente mostre a força do nosso candidato em São Paulo.

 

(...) Tasso veio dizer mais uma vez que o governo fez composições políticas, nomeou gente politicamente, que precisa mudar de cara, que quando passarmos a fase dos três quintos vai ter que ser diferente. Respondi: "Tasso, tudo bem, mas todo sistema de poder implica troca de cargos, é ingenuidade pensar que seja diferente".

 

SISTEMAS DE GOVERNO, REELEIÇÃO, TAMANHO DO ESTADO

Quatro anos certamente é um mandato muito curto para quem, como o Brasil, está num período de grandes transformações. Oito anos é muito longo. O ideal teria sido – eu não pensava assim n a época [da constituinte], mas hoje penso – um mandato de cinco ou seis anos e ponto, sem reeleição. Agora estamos com esse abacaxi e terei que ir levando, não vou poder impedir que se discuta, todos vão atribuir a mim a vontade de permanecer (...).

 

(...) O Sarney me propôs, eu já registrei aqui, que fosse feita uma extensão do mandato precedido de plebiscito. Não sei, fico pensando se não seria o caso de voltar ao tema do parlamentarismo com reforma do sistema eleitoral, regras de barreira para a formação de partidos, distritalizacao do voto, não total, parcial (sistema misto). Enfim, procurar uma representação que seja diferente dessa que aqí está, para poder dar ao congresso maior condição de decência para conduzir os negócios públicos.

 

(...) Bloqueamos [na Constituinte] a ação do Executivo porque estávamos contra o autoritarismo, e agora custa entender o papel do congresso num regime democrático, que não pode ser só de bloqueio, tem que ser também de construção. A respnsabilidade primeira disso não é dos partidos de oposição. É, sim, dessa maioria que se diz apoiadora do governo e que na prática tem outras ideias

 

 

 

 

Não que [o Estado] esteja quebrado, é que não pode fazer o essencial no que diz respeito a obras, investimentos e custeio, porque todo recurso está sendo consumido por gastos com pessoal e por juros. É uma espécie de Estado de sub-bem-estar social que acaba gerando mal-estar social generalizado.

 

(...) Nas sociedades de massa atuais, (...) O Estado vai ter sempre um papel, mas para ser um papel equilibrado vai depender realmente da vontade geral, e a vontade geral tem que ser encarada pelos eleitos. No caso, o eleito é o presidente da república, que tem mais força, que se torna um quase rei, um quase rei no sentido positivo da palavra, como símbolo desse interesse geral, portanto não se pode enfraquecer a posição presidencial, nem mesmo no parlamentarismo.

 

(...) Se por acaso eu não puder ser candidato, o que vai acontecer? É a dúvida do general Cardoso. Será que haverá forças para botar alguém? Será que haverá alguém capaz de levar  adiante o nosso projeto com tranquilidade?

Quando você olha o Congresso, de fato o turmoil continua presente. As forças organizadas não são suficientemente claras nos seus objetivos ou, quando são, são contra, e as outras forças são muito inorgânicas, e ainda tem a mídia, com essa voracidade cético-destrutora. O país está confiante, mas confiante em si próprio, em mim também. A situação política, no entanto, fórmula política, o processamento das demandas, a formação de lideranças e o respeito democrático são preocupantes. Nada disso está realmente enraizado.

 

(...) o Congresso perdeu o sentido neste mundo contemporâneo; quinhentos deputados sem função tendo reunião todos os dias na Câmara. Eles não acompanham direito a política, não podem. Uns não demonstram interesse, outros não têm condição, e para o governo é impossível estar a toda hora passando informações. É um sistema que ainda não está bem, digamos assim, fluido - não o relacionamento do Congresso com o Executivo, mas o do Congresso com a sociedade. A todo instante eles ficam deslocados da sociedade, como estão agora.

 

NOTAS DE RODAPÉ

 

O superintendente da PF no Rio de Janeiro, Eleutério Parracho, foi acusado de abafar a denúncia de que agentes federais haviam extorquido 1 milhão de dólares do Banco Israelense de Desenvolvimento para não investigar depósitos não declarados de correntistas brasileiros na agência de nova York.

 

Em junho de 1995, surgiram denúncias de tráfico de drogas e armas e de cobrança de propina envolvendo funcionários da Receita Federal neste aeroporto [Guarulhos].