EXTRATO DE: A DOUTRINA DE EPICURO

Autor: Benjamim Farrington

Ed. Zahar (1967/1968)

 

[Entre aspas, mas sem referência a autor, são sempre falas/escritos de Epicuro.]

 

Epicuro (341-270 a./C.), de Atenas, a mais famosa das cidades-estado gregas, fundador de um movimento que se difundiu por todo o mundo mediterrâneo e durou 700 anos, cujo objetivo era fazer a humanidade voltar à felicidade depois da devastação das guerras.

 

O princípio fundamental de seu pensamento era o de que uma sociedade feliz deve basear-se na "amizade", um acordo mútuo para não infligir nem sofrer injustiças, e não na "justiça", isto é, numa constituição ideada por um legislador e imposta por sanções.

 

"Devemos meditar sobre as coisas que fazem a nossa felicidade."

 

Seus adeptos eram proibidos de participar da vida publica.

 

Sinecismo: concentração da vida política de uma área geográfica muito grande em uma só cidade. Processo atribuído ao Rei Teseu (supostamente governou Atenas entre 1234 e 1204 a.C.). O processo estratificou as pessoas em nobres, lavradores e artífices. Os velhos chefes de clã tornaram-se proprietários rurais e o novo estado foi um instrumento para controlar os camponeses. Na visão de Aristóteles (384-322 a.C.), "a constituição era completamente oligárquica, sendo as classes mais pobres, homens, mulheres e crianças, os servos dos ricos. (...) A massa do povo não partilhava de nada."

 

Atenas era o centro político de Ática.

 

A reforma de Sólon (594 a.C.) devolveu as terras aos camponeses e a constituição de Clístenes (509 a.C.) fez a democracia funcionar.

 

Epicuro estava basicamente interessado em defender a autonomia da vontade individual. (...) Embora fosse inimigo implacável do que chamava de "o mito" (nome pelo qual se referia à doutrina de que os deuses controlam todos os fenômenos da natureza), afirmava que "seria melhor conformar-se com o mito sobre os deuses do que ser um escravo do fatalismo dos filósofos naturais". (...) A sua concepção do átomo levava em conta um mundo de natureza animada, diferençado daquele por ser, em vários graus, o teatro da vontade.

 

Foi em Cólofon, por volta de 312 a.C. que nasceu o movimento epicurista. (...) Seu sistema era uma resposta prática ao problema que lhe era imposto por todas as experiências da sua vida, a saber: descobrir "de que modo os homens poderiam defender-se dos homens".

 

Para Sócrates (469-399 a.C.), "qualquer verdadeiro defensor da justiça, se quiser sobreviver mesmo por breve período, deve permanecer um indivíduo privado e abjurar a vida pública".

 

Platão (428-348 a.C.) nos diz que a mais antiga e simples forma de cidade surge para satisfazer "as necessidades naturais" do homem, as quais são definidas como alimento, abrigo e vestuário.

 

Para Platão, a primeira forma de cidade compreenderá certo número de comerciantes e lojistas, bem como lavradores, construtores, tecelões, sapateiros, carpinteiros ferreiros, etc. Nesse estágio os homens levam uma vida sadia e feliz. Seus produtos básicos são os bolos de cevada, pão de trigo e vinho caseiro. Satisfazem-se em se deitarem em ramos de teixo e murta espalhados no chão e servir seus alimentos em esteiras de palha ou em grãs folhas. Têm sal, azeitonas e queijos para saborear, e figos e bolotas torradas como sobremesa. Bebem moderadamente, com grinaldas na cabeça, e cantam louvores aos deuses. Tomam o devido cuidado para limitar a família e evitar o perigo da pobreza ou da guerra.

 

À medida que prossegue o exame do estado luxuoso, revelam-se inúmeras características desagradáveis - diversões de classes, busca ilimitada da riqueza, lutas de fronteiras com vizinhos, quando surge a necessidade de maiores territórios, e o desenvolvimento da arte da guerra.

 

"Devemos nos libertar da prisão dos negócios e da política. (...) Alguns desejos são naturais e necessários, outro, naturais, porém desnecessários, alguns não são nem naturais nem necessários, mas apenas devidos à imaginação ociosa."

 

O que temos de Epicuro são três cartas e um punhado de frases.

 

A transição do Estado Simples para o Faustoso produzira, não a felicidade, mas a desgraça. Nas palavras de Dicearco (350-290 a.C.), "Maior número de homens morre pela guerra e pelas revoluções do que por calamidades naturais ou pelos ataques de animais selvagens."

 

Cícero (106-43 a.C.): "Pelo uso das nossas próprias mãos criamos dentro do reino da Natureza uma Segunda Natureza para nós mesmos."

 

A escola de Mileto, nome para a sucessão de três pensadores - Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

 

Para os atomistas, "a Natureza trabalha por partículas invisíveis".

 

Os pitagóricos defendiam a crença na imortalidade da alma e na transmigração, aceitando assim, uma forma tradicional, uma distinção radical entre alma e corpo que se mostraria importante no desenvolvimento do seu pensamento.

 

Pitágoras (570-495 a.C.)

 

Realizar o despertar da virtude nos jovens, o nascimento do conhecimento ético na alma, não como algo imposto a ela, mas descoberto nela, tornou-se a missão deliberada de Sócrates.

 

Faustel de Coulange, em sua obra La Cite Antique, diz: "Na cidade antiga, o estado e a religião eram tão completamente unos que era impossível não só imaginar um conflito entre eles como também distinguir um do outro."

 

E nas palavras de Estrabão (64 a.C. - 24 d.C.), o geógrafo: [os governantes] "precisavam controlar o povo pelos medos supersticiosos e estes não podem ser manifestados sem mitos e portentos."

 

Nos círculos governamentais, o direito do estado de ditar as crenças dos cidadãos era a norma aceita. (...) Dentro do movimento epicurista, a diferença entre estado e religião já era um fato consumado.

 

Platão, em sua obra República explicando as disposições quanto à classe dos guardiães:  "Ontem nosso assunto foi o estado ideal e seus cidadãos. Começamos separando os fazendeiros e os artífices dos guardiães. A cada classe atribuímos uma única ocupação. Somente os guardiães defenderiam a comunidade do perigo externo ou interno, conduzindo seus súditos delicadamente, mas lidando rudemente com os inimigos externos. Deveriam ser sustentados pelo estado, viver em comum e dedicar todas as suas energias à manutenção dos padrões morais da comunidade. As mulheres deveriam receber o mesmo treinamento dos homens e partilhar das mesmas ocupações na guerra e na paz. Esposas e filhos deveriam ser comuns. Pai algum deveria reconhecer o próprio filho. Os pertencentes ao mesmo grupo de idade deveriam considerar-se irmãos e irmãs; todos os outros, em grupos mais velhos, seriam país ou avos, os dos grupos mais jovens, filhos ou netos. O casamento deveria ser feito por sorteio. Contudo, os homens e mulheres encarregados do casamento deveriam, secretamente, manipular os sorteios de maneira que os bons se casassem com os bons, e os ruins com os ruins. Os filhos dos bons seriam educados, os dos ruins seriam afastados para distribuição entre os fazendeiros e artífices. Todas as crianças deveriam ser mantidas em observação e promovidas ou rebaixadas posteriormente, se aconselhável."

 

"Vã é a palavra de um filosofo que não cura nenhum sofrimento do homem."

 

Para Epicuro, nenhuma legislação penal, se pudesse ser aplicada, forçá-lo-ia a aceitar a cosmologia de Platão. (...) À moderna religião dos deuses estelares [de Platão], opôs o que chamou de "a ideia comum de Deus gravada na mente de todos". (...) a autoridade dominadora do legislador foi abandonada em favor do principio do consentimento voluntário.

 

No primeiro estágio pastoral-agrícola da sociedade não existira nenhum legislador. A vida na Cidade Simples baseava-se no contrato.

 

A astronomia, a primeira ciência exata, baseada em observações dos movimentos periódicos do sol, da lua e dos planetas, teve início no século VIII a.C. Isso surgiu  numa sociedade que, ao contrário dos ingênuos gregos que adoravam deuses em forma humana, dirigiam sua adoração para o próprio céu e sua hierarquia de estrelas fixas e moveis.

 

Crítias, brilhante escritor e político ativo, em 403 a.C., coloca o seguinte discurso no orador de uma de suas peças: "Houve uma época em que a vida de um homem era desregrada, selvagem e estava à mercê da força. Nenhuma recompensa vinha do bem e nenhum castigo, do mal. Creio que foi então que os homens imaginaram leis para castigar o pecador, de modo que a justiça pudesse exercer igual domínio sobre todos e frustrar a violência. Assim, o pecador era castigado. Mas posteriormente observou-se que as leis só atingiam a violência manifesta, enquanto o crime oculto escapava. Foi então que algum homem mais inteligente do que seus pares inventou o medo dos deuses, para que os homens gemessem as conseqüências até mesmo dos seus feitos, palavras e pensamentos secretos. Nasceu a religião.

 

Em ensinamento de Epinomis, o décimo terceiro livro das Leis, de Platão: "os homens, que são feitos de barro, devem aprender com as estrela, que são feitas de fogo. As estrelas são a encarnação da alma;

 

Aristóteles comenta que "o país deveria ser semeado de templos, alguns deles dedicados aos deuses, outros, aos  heróis", pois, como Platão, ele aprovava os deuses antropomórficos como "um mito criado para garantir a obediência da multidão e uma atenção adequada às leis".

 

A descrição de Atenas por Plutarco (46-120 d.C): "Aos nobres estavam afeitos o controle da religião, o suprimento das magistraturas, a exposição da lei e a interpretação da vontade do céu."

 

"O motivo pelo qual Epicuro se mantinha afastado da vida pública", diz seu biografo, "era seu excepcional interesse pela igualdade."

 

Platão censura os jovens ateus da sua época. Para Platão, não cabe aos jovens desafiar a sua legislação porque ele prefere legislar na suposição de que os deuses existem.

 

Políbio (200-118 a.C.): "As massas em todos os estados são instáveis, cheias de desejos licenciosos, ira irracional e paixão violenta. O melhor que se pode fazer é refreá-las pelo medo do invisível e outras imposturas. Não foi gratuitamente, mas com intenção deliberada, que os homens de outrora introduziram nas massas idéias sobre os deuses e opiniões sobre a vida futura."

 

Tito Lívio (59 a.C. - 17 d.C.): "A melhor maneira de controlar um povo ignorante e simples enchê-lo de medo dos deuses."

 

Para Platão, "com a morte do corpo (...) um homem que viveu bem retornaria a seu lar a fim de ter uma vida feliz em sua estrela natal. O que fracassou seria reencarnado como mulher." [!!!!!!]

 

Enquanto Platão salientava a realidade do universal e permitia ao particular apenas uma existência indistinta e derivativa, Aristoteles foi o primeiro a ver a necessidade de considerar a realidade como individual, e o indivíduo como o real.

 

Aristóteles diz: "Por mais queridos que sejam os nossos amigos, a verdade é ainda mais querida."

 

Aristóteles concluiu que a noção de um bem universal é uma ilusão. Devemos pergunta "Bom para quem, para que finalidade e quando?". Para ele nenhum legislador pode promulgar uma regra universalmente válida. [E concluiu:] o que é alimento para um homem, para outro é veneno.

 

Para Aristóteles a função do estado não é esmagar o indivíduo, mas proporcionar-lhe o ambiente em que ele possa atingir o seu potencial mais elevado.

 

O ponto fundamental da ética epicurista é a interiorização da virtude pela exaltação do papel do sentimento sobre a razão.

 

Platão e Aristóteles, considerando a filosofia como o valor mais elevado, visavam a criar uma sociedade na qual ela pudesse florescer.

 

"Quando afirmamos que o prazer é a meta (...) o que temos em vista é o ser livre da dor no corpo e da angustia na mente. A isso damos o nome de vida agradável, e não é obtida pelo beber e festejar contínuos, pela satisfação dos nossos apetites com rapazes e mulheres, ou pelos banquetes dos ricos, mas pelo raciocínio sóbrio, pela procura paciente dos motivos para escolha e recusa e pela nossa libertação das falsas opiniões que mais contribuem para prejudicar a nossa paz de espírito."

 

Em sua literatura epistolar endereçada às suas comunidades espalhadas no Oriente, Epicuro surge como o precursor de São Paulo.

 

"A morte, o mais aterrador dos males, não é nada para nós; enquanto vivemos a morte não existe, quando vem a morte, nós não existimos."

 

"Os seres humanos", disse Epicuro, "não devem ser coagidos, mas persuadidos."

 

Para Platão, a tarefa dos governantes era proporcionar os mitos (o castigo divino tanto nessa vida como na de além-túmulo) para controlar os produtores que, de acordo com essa teoria, careciam de razão e só podiam ser governados pela força ou pelo medo.

 

Aristóteles não acreditava ser possível abandonar os aterradores mitos pelos quais as massas devem ser controladas.

 

O ensino filosófico de que os sentimentos são maus em si próprios, fazem parte da teoria política de que a sociedade justa só pode existir se a minoria monopoliza o poder e defende esse monopólio patrocinado ou tolerando a crença em deuses caprichosos e irados, cuja vontade é expressa em calamidades naturais nesta vida, estendendo-se para além do túmulo para roubar sua paz até mesmo na morte. Epicuro atacou todo este conjunto de ideias.

 

Alexandre de Abonútico percebeu que os homens vivem suspensos entre o medo e a esperança.

 

Um epicurista deveria ser meigo e afável.

 

Diz Políbio: "Arriscarei a afirmação de que o resto da humanidade zomba é da base da grandeza romana, a saber, a superstição. Esse elemento foi introduzido pelos romanos em todos os aspectos da sua vida privada e pública, com todos os artifícios para amedrontar a imaginação, num grau que não poderia ser melhorado. Muitos talvez sejam incapazes de compreender isso. Minha opinião é que tal foi feito para impressionar as massas. Se fosse possível ter um estado onde todos os cidadãos fossem filósofos, talvez pudéssemos prescindir desse tipo de coisa. Mas as massas, em todos os estados, são instáveis, cheias de desejos licenciosos, de ira irracional e paixão violenta. O Maximo que se pode fazer é reprimi-las pelo medo do invisível e outras imposturas do mesmo tipo. Não foi sem motivo, mas deliberadamente, que os homens de outrora introduziram nas massas noções sobre os deuses e opiniões sobre a vida futura. A loucura e a insensatez pertencem a nós, que procuramos dissipar essas ilusões."

 

Ensina o pontífice Cevola a Cícero: "É conveniente que o povo seja iludido em questões de religião."

 

Diz Cícero: "A constante necessidade que tem o povo do conselho e da autoridade da aristocracia mantém o estado coeso."

 

A Igreja Cristã, no poder, revelou-se um grupo de perseguição, eliminando a liberdade de pensamento e impondo, pela força, se necessário, a uniformidade de crença. (...) Recorreu-se ao medo do inferno para manter a conformidade que a imagem da Igreja não bastava para evocar. (...) A prova de um cristão era sua fidelidade a uma crença e não a um modo de vida. O tremendo problema da condenação ou salvação da alma na vida de além-túmulo exauriu a vida neste mundo de qualquer importância que lhe pertencia por direito próprio.

 

 

PREDECESSORES, CONTEMPORÂNEOS E POSTERIORES A EPICURO

 

Sólon (640-558 a.C.)

Pitágoras (570-495 a.C.)

Clístenes (565-492 a.C.)

Sócrates (469-399 a.C.)

Platão (428-348 a.C.)

Crítias (460-403 a.C.)

Aristóteles (384-322 a.C.)

Epicuro (341-270 a./C.),

Políbio (200-118 a.C.)

Cícero (106-43 a.C.)

Estrabão (64 a.C. - 24 d.C.)

Tito Lívio (59 a.C. - 17 d.C.)

Plutarco (46-120 d.C)

Alexandre de Abonútico (105-170 d.C.)