ANOTAÇÕES DE

A ERA DA INFORMAÇÃO: ECONOMIA, SOCIEDADE E CULTURA

 

Autor: Manuel Castells

Editora Paz e Terra - 1999

Originalmente publicado em 1995

 

Entre colchetes [] observações minhas (leitor).

 

Volume 1 - A SOCIEDADE EM REDE

 

 

Prólogo: A Rede e o Ser

 

Um novo sistema de comunicação q fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como personalizando-os ao gosto das identidades e humores dos indivíduos.

 

Os movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais, com objetivo único e efêmeros, encolhidos em seus mundos interiores ou brilhando por apenas um instante em um símbolo da mídia. Nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais.

 

Essa tendência não é nova, uma vez que a identidade e, em especial, a identidade religiosa e étnica tem sido a base do significado desde os primórdios da sociedade humana.

 

Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em trono do que fazem, mas com base no que elas s ou acreditam que são. Enquanto isso, as redes globais de intercâmbios instrumentais conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até países, de acordo com sua pertinência na realização dos objetivos processados na rede, em um fluxo contínuo de decisões estratégicas.

 

Nesse processo a fragmentação social se propaga à medida que as identidades tornam-se mais especificas e cada vez mais difíceis de compartilhar.

 

Tecnologia, sociedade e transformação histórica - 24

 

A habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que, embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia (ou sua falta) incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidem dar ao seu potencial tecnológico.

 

O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre a tecnologia e a sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza as forcas sociais dominantes em um espaço e uma época determinados.

 

Informacionalismo, industrialismo, capitalismo, estatismo: modos de desenvolvimento e modos de produção

 

Este livro estuda o surgimento de uma nova estrutura social, manifestada sob varias formas conforme a diversidade de culturas e instituições em todo o planeta. Essa nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo, historicamente moldado pela reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX. A perspectiva teórica que fundamenta essa abordagem postula que as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder.

 

·         Produção é a ação da humanidade sobre a matéria (natureza) para apropriar-se dela e transformá-la em seu beneficio, obtendo um produto, consumindo (de forma irregular) parte dele e acumulando o excedente para investimento conforme os vários objetivos socialmente determinados.

·         Experiência é a ação dos sujeitos humanos sobre si mesmos, determinada pela interação entre as identidades biológicas e culturais desses sujeitos em relação a seus ambientes sociais e naturais. É construída pela eterna busca de satisfação das necessidades e desejos humanos.

·         Poder é a aquela relação entre os sujeitos humanos que, com base na produção e na experiência, impõe a vontade alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou real de violência física ou simbólica.

 

O capitalismo visa a maximização de lucros, ou seja, o aumento do excedente apropriado pelo capital com base no controle privado sobre os meios de produção e circulação. O estatismo visa a maximização do poder, ou seja, o aumento da capacidade militar e ideológica do aparato político para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e nos níveis mais profundos de seu consciente.

 

No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos.

 

O Ser na sociedade informacional

 

Alain Touraine vai mais além, afirmando que “numa sociedade pós-industrial em que os serviços culturais substituíram os bens materiais no cerne da produção, é a defesa da personalidade e cultura do sujeito contra a lógica dos aparatos e mercados que substitui a idéia de luta de classe”. Portanto, de acordo com Calderon e Laserna, a questão principal, em um mundo caracterizado pela globalização e fragmentação simultâneas, vem a ser esta: “Como combinar novas tecnologias e memória coletiva, ciência universal e culturas comunitárias, paixão e razão?“ Como, de fato! E por que observamos a tendência oposta em todo o mundo, ou seja, a distancia crescente entre globalização e identidade, entre a Rede e o Ser?

 

Quando a Rede desliga o Ser, o Ser, individual ou coletivo, constrói seu significado sem a referência instrumental global: o processo de desconexão torna-se recíproco após a recusa, pelos excluídos, da lógica unilateral de dominação estrutural e exclusão social.

 

1 - A Revolução da Tecnologia da Informação - 49

 

Como tecnologia, entendo (...) “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível”.

 

O processo atual de transformação tecnológica expande-se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida. Vivemos em um mundo que, segundo Nicholas Negroponte, se tornou digital.

 

A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as Revoluções Industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fosseis e ate mesmo à energia nuclear, visto que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da sociedade industrial.

 

A difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem.

 

Além disso, a velocidade da difusão tecnológica é seletiva tanto social quanto funcionalmente.

 

Os registros históricos parecem indicar que, em termos gerais, quanto mais próxima for a relação entre os locais de inovação, produção e utilização das novas tecnologias, mais rápida será a transformação das sociedades e maior será o retorno positivo das condições sociais sobre as condições gerais para favorecer futuras inovações.

 

·         custo médio de um circuito integrado caiu de US$50 em 1962 para US$ 1 em 1971,

 

·         custo médio de processamento da informação caiu de aproximadamente US$75 por milhão de operações em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990.

 

Optoeletrônica - transmissão por fibra ótica e laser

 

Formas de utilização do espectro de radiodifusão:

·         transmissão tradicional

·         transmissão direta via satélite

·         microondas

·         telefonia celular digital

 

Embora a biotecnologia possa remontar a tabuletas de anotações babilônicas de 6000 antes de Cristo sobre fermentação, e a revolução em microbiologia tenha ocorrido em 1953 com a descoberta cientifica da estrutura básica da vida, a hélice dupla de DNA, por Fancis Crick e James Watson na Universidade de Cambridge, foi somente no inicio da década de 70 que a combinação genética e a recombinação do DNA, base tecnológica da engenharia genética, possibilitaram a aplicação de conhecimentos cumulativos.

 

A clonagem genética entrou em um novo estagio quando, em 1988, Harvard patenteou um rato produzido pela engenharia genética, tirando, assim, os direitos autorais de vida das mãos de Deus e da Natureza.

 

Com as expectativas geradas por essas descobertas, o governo dos EUA decidiu patrocinar e custear, em 1990, um programa de 15 anos de cooperação no valor de US$ 3 bilhões, coordenado por James Watson, reunindo alguns dos mais avançados grupos de pesquisa em microbiologia para mapear o genoma humano, isto é, para identificar e catalogar entre 60 e 80 mil genes que compõem o alfabeto da espécie humana.

 

(...) alguns pesquisadores transformados em empresários estão se apressando e estabelecendo mecanismos para o controle legal e financeiro do genoma humano. (...) Usando a potência de supercomputadores, apenas em cinco anos Creig e Hanseltine determinaram a seqüência de porções de aproximadamente 85% de todos os genes humanos, criando uma base de dados genéticos gigantesca. O problema é que ambos não sabem - e não saberão por um longo tempo - qual a função de cada porção genética ou onde ela está localizada: a base de dados engloba centenas de milhares de fragmentos genéticos com funções desconhecidas.

 

Todas as indicações apontam para uma explosão de aplicações na virada do milênio, que desencadeara um debate fundamental na fronteira, atualmente obscura, entre a natureza e a sociedade.

 

(...) enquanto empresas grandes e bem-estabelecidas do leste eram rígidas (e arrogantes) demais para reequipar-se constantemente com base em novas empresas e praticando troca de experiência e difusão de conhecimentos por intermédio da rotatividade de profissionais e de cisões parciais.

 

A forca cultural e empresarial da metrópole faz dela o ambiente privilegiado dessa nova revolução tecnológica, desmistificando o conceito de inovação sem localidade geográfica na era da informação.

 

Portanto, foi o Estado, e não o empreendedor de inovações em garagens, que iniciou a Revolução da Tecnologia da Informação tanto nos Estados Unidos como em todo o mundo.

 

“A um contemporânea de paradigma pode ser vista como uma transferência de um tecnologia baseada principalmente em insumos baratos de informação derivados do avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações.” Christopher Freeman

 

A primeira característica do novo paradigma é que a informação é sua matéria-prima: são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores.

 

A segunda, refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias.

 

A terceira refere-se à lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações.

 

Em quarto lugar, referente ao sistema de redes, mas sendo um aspecto claramente destino, o paradigma da tecnologia da informação é baseado na flexibilidade. Não apenas os processos são reversíveis, mas organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes.

 

Uma quinta característica dessa revolução tecnológica é a crescente convergência de tecnologias especificas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado.

 

As telecomunicações agora são apenas uma forma de processamento da informação; as tecnologias de transmissão e conexão estão, simultaneamente, cada vez mais diversificadas e integradas na mesma rede operada por computadores.

 

Seus membros procuram compreender o surgimento de estruturas auto-organizadas que criam complexidade a partir da simplicidade e ordem superior a partir do caos, mediante várias ordens de interatividade entre os elementos básicos na origem do processo.

 

A primeira lei de Kranzberg diz: “A tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra.” É uma forca que está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente.

 

 

2 - A economia informacional e o processo de globalização - 87

 

Será que estamos apenas observando o estágio maduro do sistema econômico industrial cuja acumulação constante de capacidade produtiva libera a mão-de-obra da produção material direta em beneficio das atividades de processamento da informação, como sugerido no trabalho pioneiro de Marc Porat?

 

Os historiadores econômico-financeiros afirmam que uma considerável defasagem de tempo entre uma inovação tecnológica e a produtividade econômica é característica das revoluções tecnológicas passadas.

 

Alguns setores de serviços nos EUA, como telecomunicações, transporte aéreo e ferrovias mostraram aumentos substanciais de produtividade, entre 4,5% e 6,8% ao ano no período de 70 a 83.

 

A longo prazo, a produtividade é a fonte da riqueza das nações. (...) Mas, de acordo com a perspectiva de agentes econômicos, a produtividade não é um objetivo em si. E o investimento em tecnologia também não é feito por causa da inovação tecnológica. (...) As empresas estarão motivadas não pela produtividade, e sim pela lucratividade, para a qual a produtividade e a tecnologia podem ser meios importantes mas, com certeza, não os únicos. E as instituições políticas, moldadas por um conjunto maior de valores e interesses, estarão voltadas na esfera econômica, para a maximização da competitividade de suas economias. A lucratividade e a competitividade são os verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do crescimento da produtividade.

 

Para aumentar os lucros, em um determinado ambiente financeiro e comercial os preços ajustados pelo mercado, há quatro caminhos principais:

1.      reduzir os custos de produção (começando com custos de mão-de-obra);

2.      aumentar a produtividade;

3.      ampliar o mercado;

4.      e acelerar o giro do capital.

 

A crise real dos anos 70 não foi a dos preços do petróleo. Foi a da inabilidade do setor público para continuar a expansão de seus mercados e, dessa forma, a geração de emprego sem aumentar os impostos sobre o capital nem alimentar a inflação, mediante a oferta adicional de dinheiro e o endividamento público.

 

Para abrir novos mercados, conectando valiosos segmentos de mercado de cada país a uma rede global, o capital necessitou de extrema mobilidade, e as empresas precisaram de uma capacidade de informação extremamente maior.

 

Chesnais mede o movimento da internacionalização do capital, calculando a percentagem sobre o PIB de operações internacionais em ações e obrigações: em 1980, essa percentagem não superava 10% em nenhum país importante; em 1992, variava entre 72,2% do PIB (Japão) e 122,2% (França), com os EUA na marca de 109,3%.

 

Juntamente com a busca da lucratividade como a motivação propulsora da empresa, a economia informacional também é moldada pelo interesse das instituições políticas em promover a competitividade dessas economias que elas supostamente representam.

 

Os países que são expostos exclusivamente aos impulsos das forcas de mercado, em um mundo em que as relações de poder já estabelecidas entre os governos e as empresas multinacionais direcionam e dão forma às tendências de mercado, ficam muito vulneráveis aos fluxos financeiros voláteis e à dependência tecnológica.

 

O que mudou foi a capacidade tecnológica de utilizar, como forca produtiva direta, aquilo que caracteriza nossa espécie como uma singularidade biológica: nossa capacidade superior de processar símbolos.

 

Uma economia global é algo diferente: é uma economia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária.

 

Uma vez que as moedas são interdependentes, as economias de todas as partes também o são.

 

A mão-de-obra imigrante de todas as partes do planeta pode fluir para qualquer lugar em que haja empregos, mas sua mobilidade está cada vez mais restrita por movimentos xenofóbicos que levam a controles de imigração muito mais rigorosos.

 

[Uma definição para “A Rede Global”: ]

Processo produtivo que incorpora componentes produzidos em vários locais diferentes, por diferentes empresas, e montados para atingir finalidades e mercados específicos em uma nova forma de produção e comercialização: produção em grande volume, flexível e sob encomenda.

 

(...) a mobilidade da mão-de-obra é prejudicada pelos controles de imigração e pela xenofobia das pessoas;

 

“O conceito é interdependência não-hegemonica. O resultado é conflito e cooperação, divergência e convergência.” Barbara Stallings

 

Os Estados são a expressão das sociedades, não das economias. O que se torna crucial na economia informacional é a complexa interação entre as instituições políticas com raízes históricas e os agentes econômicos cada vez mais globalizados.

 

Portanto, embora a economia informacional afete o mundo inteiro e, nesse sentido, seja global mesmo, a maior parte das pessoas do planeta não trabalho para a economia informacional/global nem compra seus produtos.

 

Quatro processos principais determinam a forma e o resultado da concorrência:

1.      Capacidade tecnológica.

2.      Acesso a um grande mercado afluente integrado

3.      Diferencial entre os custos de produção no local da produção e os preços do mercado de destino

4.      Capacidade política das instituições nacionais e supranacionais para impulsionar a estratégia de crescimento desses países ou regiões sob sua jurisdição.

 

A auto-suficiência européia no importante setor de aviação comercial nunca poderia ter sido alcançada sem a ajuda decisiva dos governos francês, alemão, britânico e espanhol para lançar e comercializar o airbus.

 

A economia global resultante da produção e concorrência com base informacional caracteriza-se por sua interdependência, assimetria, regionalização, crescente diversificação dentro de cada região, inclusão seletiva, segmentação excludente e, em conseqüência de todos esses fatores, por uma geometria extraordinariamente variável que tende a desintegrar a geografia econômica e histórica.

 

Segundo as projeções, no ano 2000, as empresas da Europa Ocidental controlarão 14% da produção industrial norte-americana, e as empresas norte-americanas, 16% da produção da Europa Ocidental.

 

Em 92 a União Européia exportou bens e serviços no valor de US$ 95 bilhões para os EUA e importou US$ 111 bilhões desse país; exportou US$ 96 bilhões para a região do Pacífico asiático e importou US$ 153 bilhões.

 

Acrescentado-se à OCDE os 4 países recém-industrializados da Ásia, em 1988 as 3 principais regiões econômicas representavam 72,8% da produção industrial mundial, e no ano 2000 sua participação ainda devera totalizar 69,5%, embora a população dessas três regiões no ano 200 esteja projetada para apenas 15,7% da população mundial.

 

Quanto a gastos com P&D  , enquanto a América do Norte representava 42,8% do total mundial em 1990, a América Latina e a África juntas eram responsáveis por menos de 1% do mesmo total.

 

Somando-se os países asiáticos recém-industrializados ao Japão para formar a região da Ásia desenvolvida, essa área fica prestes a tornar-se a maior região industrial do mundo, com 26,9% da indústria mundial no ano 2000 em comparação com 24,6% para a Europa Ocidental e apenas 18% para a América do Norte.

 

O PIB da China cresceu em média 9,4% em 1980-91, 12,8% em 1992 e 13,4% em 1993.

 

Algumas regiões rurais da China, Índia e América Latina, países inteiros ao redor do mundo e grandes segmentos da população em todos os lugares estão se tornando irrelevantes (sob o ponto de vista dos interesses econômicos predominantes) no novo modelo de divisão internacional do trabalho e, portanto, estão enfrentando exclusão social.

 

As empresas e as pessoas físicas opulentas cuidavam da própria sobrevivência, depositando suas economias nas redes financeiras internacionais, de forma que nos anos 80 a transferência liquida de capital privado para fora da América Latina era maior que o total da divida da região. Quanto à evolução do comercio, de acordo com a cuidadosa analise estatística do Brasil, México e Argentina, elaborada por Paolo Guerrieri, durante a década de 70 e até a crise da divida no inicio dos anos 80, as exportações cresceram mais rapidamente que a média mundial, e a participação dos três países nas exportações mundiais aumentou 76%.

 

Cerca de 60% da população peruana permanece abaixo do nível de pobreza, mas isso não diminui a importância do fato de um pais, que em 1992 estava 30% abaixo do nível do seu PIB per capita de dez anos antes, tornar-se, em 1994, a nação com a mais alta taxa de crescimento do mundo (12%).

 

Parte da nova prosperidade da região (Brasil, Argentina, Peru, Bolívia e México) poderia ser um milagre financeiro, sujeito a fluxos reversíveis de capital que examinam o planeta constantemente buscando uma lucratividade de curto prazo, bem como posicionar-se em setores estratégicos (telecomunicações, por exemplo).

 

A estabilidade e prosperidade da África do Sul, aliadas a sua disposição e capacidade de liderar os vizinhos como primus inter pares, oferece a melhor oportunidade de evitar o holocausto humano que ameaça a África e, por seu intermédio, o senso de humanidade em todos nós.

 

3 - A empresa em rede: a cultura, as instituições e as organizações da economia informacional - 173

 

Para poder generalizar o método a todo o sistema da fábrica, os engenheiros japoneses estudaram os procedimentos de controle para avaliação dos estoques das prateleiras empregados nos supermercados norte-americanos.

 

A execução do modelo também depende da ausência de grandes rupturas em todo o processo produtivo e de distribuição. Ou, em outras palavras, baseia-se na suposição dos “cinco zeros”: nível zero de defeitos nas peças; dano zero nas máquinas; estoque zero; demora zero; burocracia zero.

 

Em resumo, a grande empresa nessa economia não e’ - e não mais será - autônoma e auto-suficiente. A arrogância das IBMs, das Philips ou das Mitsuis do mundo tornou-se questão de historia cultural. Suas operações reais são conduzidas com outras empresas: não apenas com as centenas ou milhares de empresas subcontratadas e auxiliares, mas dezenas de parceiras relativamente iguais, com as quais ao mesmo tempo cooperam e competem neste admirável mundo novo econômico, onde amigos e adversários são os mesmos.

 

A empresa horizontal parece apresentar sete tendências principais:

·         organização em trono do processo, não da tarefa;

·         hierarquia horizontal;

·         gerenciamento em equipe;

·         medida do desempenho pela satisfação do cliente;

·         recompensa com base no desempenho da equipe

·         maximização dos contatos com fornecedores e clientes

·         informação, treinamento e retreinamento de funcionários em todos os níveis

 

Em sua manifestação mais extrema, criou o que foi chamado de “a empresa vazia”, isto é, um negócio especializado em intermediação entre financiamento, produção e vendas no mercado com base em uma marca comercial estabelecida ou em uma imagem industrial.

 

Para conseguir absorver os benefícios da flexibilidade das redes, a própria empresa teve de tornar-se uma rede e dinamizar cada elemento de sua estrutura interna: este é na essência o significado e o objetivo do modelo da “empresa horizontal”.

 

As informações circulam pelas redes: redes entre empresas, redes dentro de empresas, redes pessoais e redes de computadores. As novas tecnologias de informação são decisivas para que esse modelo flexível e adaptável realmente funcione.

 

A “empresa horizontal” é uma rede dinâmica e estrategicamente planejada de unidades auto-programadas e autocomandadas com base na descentralização, participação e coordenação.

 

O sistema kan-ban foi introduzido na Toyota pela primeira vez em 1948 e sua implementação não precisou de conexões eletrônicas on-line.

 

Para definir a empresa em rede de forma mais precisa, relembro minha definição de organização : um sistema de meios estruturados com o propósito de alcançar objetivos específicos.

 

O desempenho de uma determinada rede dependerá de dois de seus atributos fundamentais: conectividade, ou seja, a capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre seus componentes; coerência, isto é, a medida em que há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e de seus componentes.

 

As empresas chinesas bem-sucedidas passam por quatro fases em três gerações: emergente, centralizada, segmentada e desintegrativa, após a qual o ciclo começa novamente.

 

(...) a gloria duradoura da civilização chinesa, na verdade, dependia da vitalidade contínua das famílias egoisticamente bem-sucedidas.

 

As empresas multinacionais parecem ser ainda muito dependentes de suas bases nacionais. E a idéia de as empresas transnacionais serem “cidadãs da economia mundial” parece não ter validade.

 

Ghoshal e Bartlett, após reunir dados sobre a transformação das empresas multinacionais, definem a multinacional contemporânea como “uma rede interorganizacional” ou, mais precisamente, “uma rede que está inserida em uma rede externa”.

 

O gerenciamento das incertezas torna-se decisivo em uma situação de interdependência assimétrica.

 

O aumento dos custos das transações devido ao acréscimo de complexidade tecnológica não resulta na “internalização” das transações na empresa, mas na “externalização” das transações e em custos compartilhados por toda a rede, obviamente aumentando as incertezas, mas também possibilitando sua difusão e compartilhamento.

 

“Um motivo para que os investimentos em Tecnologia da Informação não se tivessem transformado em maior produtividade é que eles serviram principalmente para automatizar as tarefas existentes.” Bar e Borrus

 

Qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede como um código cultural em determinada época e espaço condena a rede à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a geometria variável requerida pelo informacionalismo.

 

4 - A transformação do trabalho e do mercado de trabalho: trabalhadores ativos na rede, desempregados e trabalhadores com jornada flexível.

 

A economia norte-americana está projetada para gerar mais de 26 milhões de empregos entre 1992 e 2005.  (...) A produtividade mais alta que a média continua a ser o segredo do crescimento econômico sustentado capaz de oferecer empregos para todos os outros setores da economia.

 

A análise considerou a taxa de crescimento ou queda das profissões e sua variação em números absolutos. A conclusão dos autores do estudo é que “no geral, a maioria das profissões [em crescimento] requeriam educação e treinamento além do ensino médio. De fato, mais de 2 em cada 3 das 30 profissões com crescimento mais rápido e quase metade das 30 com o maior numero de empregos adicionados tinha uma maioria de trabalhadores com educação e treinamento além do ensino médio em 1990.”

 

A evolução histórica do emprego, no âmago da estrutura social, foi dominada pela tendência secular para o aumento da produtividade do trabalho humano

 

Nossa observação empírica da evolução do emprego nos países do G-7 revela alguns aspectos básicos que, de fato, parecem ser característicos das sociedades informacionais:

·         eliminação gradual do emprego rural

·         declínio estável do emprego industrial tradicional

·         aumento dos serviços relacionados à produção e dos serviços sociais com ênfase sobre os serviços relacionados à produção na primeira categoria e sobre serviços de saúde no segundo grupo;

·         crescente diversificação das atividades do setor de serviços como fontes de emprego

·         rápida elevação do emprego para administradores, profissionais especializados e técnicos;

·         a formação de um proletariado “de escritório”, composto de funcionários administrativos e de vendas

·         relativa estabilidade de uma parcela substancial do emprego no comercio varejista

·         crescimento simultâneo dos níveis superior e inferior da estrutura ocupacional

·         a valorização relativa da estrutura ocupacional ao longo do tempo, com uma crescente participação das profissões que requerem qualificações mais especializadas e nível avançado de instrução em proporção maior que o aumento das categorias inferiores.

 

Quando um pais concentra-se no modelo de “economia de serviços” significa que outros países estão desempenhando seu papel como economias de produção industrial.

 

O enfoque da teoria deve deslocar-se para um paradigma comparativo capaz de explicar, ao mesmo tempo, o compartilhamento de tecnologia, a interdependência da economia e as variações da historia na determinação de um mercado de trabalho que atravessa as fronteiras nacionais.

 

Embora o capital flua com liberdade nos circuitos eletrônicos das redes financeiras globais, o trabalho ainda é muito delimitado (e continuará assim no futuro previsível) por instituições, culturas, fronteiras, policia e xenofobia. Apenas cerca de 1,5% da forca de trabalho global (aproximadamente 80 milhões de pessoas) atuou fora de seu país em 1993 e metade dela concentrava-se na África subsaariana e no Oriente Médio.

 

Para toda a Europa Ocidental, a proporção de estrangeiros no total da população em 1990 era de 4,5% e a França o Reino Unido tinham uma proporção mais baixa em 1990 do que em 1982.

 

O que mudou em ambos os contextos é a composição étnica da imigração, com uma proporção decrescente de imigrantes de origem européia nos EUA e com alta proporção de imigrantes muçulmanos nos países europeus.

 

Em conseqüência dessas duas características, na década de 90 a etnia e a diversidade cultural tornaram-se um importante problema social na Europa, representam uma nova questão no Japão e continuam a ser, como sempre, prioridade na agenda norte-americana.

 

Na verdade para dois terços dos trabalhadores do mundo, emprego ainda significa emprego rural nos campos, geralmente, de suas regiões.

 

Mais importantes para os movimentos de pessoas são os deslocamentos populacionais maciços em razão de guerras e fome.

 

O investimento estrangeiro direto tornou-se a força motriz da globalização, mais significativo que o comércio como condutor da interdependência internacional. (...) O numero de empresas multinacionais aumentou de 7 mil em 1970 para 37 mil em 1993, com 150 mil coligadas em todo o mundo. Embora elas empreguem diretamente “apenas” 70 milhões de trabalhadores, essa mão-de-obra produz um terço do total da produção mundial.

 

Ficará cada vez mais difícil para as empresas japonesas manterem as praticas de emprego vitalício para os privilegiados 30% de sua forca de trabalho se tiverem de competir em uma economia aberta com as empresas norte-americanas utilizando praticas flexíveis de emprego.

 

Embora não haja um mercado de trabalho global unificado e, consequentemente, não exista uma força de trabalho global, há, na verdade, interdependência global da força de trabalho na economia informacional. Essa interdependência caracteriza-se pela segmentação hierárquica da mão-de-obra não entre países, mas entre as fronteiras.

 

(...) a automação, que só se completou com o desenvolvimento da tecnologia da informação, aumenta enormemente a importância dos recursos do cérebro humano no processo de trabalho.

 

O que tende a desaparecer com a automação integral são as tarefas rotineiras, repetitivas que podem ser pre-codificadas e programadas para que máquinas as executem. É a linha de montagem taylorista que se torna uma relíquia histórica (embora ainda uma dura realidade para milhões de trabalhadores do mundo em fase de industrialização).

 

O contexto social e, em particular, a relação capital-trabalho, de acordo com decisões especificas da administração das empresas, afetam de maneira drástica a forma real do processo de trabalho e as conseqüências das mudanças  para os trabalhadores.

 

(...) o famoso estudo de Watanabe sobre o impacto da introdução de robôs na indústria automobilística japonesa, norte-americana, francesa e italiana revelou impactos bastante diferentes de uma tecnologia similar no mesmo setor; nos EUA e na Itália, os trabalhadores eram dispensados porque o principal objetivo da introdução da nova tecnologia era reduzir custos de mão-de-obra; na França, a perda de emprego foi menor que nos dois outros países, porque as políticas governamentais atenuaram os impactos sociais da modernizarão; e no Japão, onde as empresas estavam comprometidas com o emprego vitalício, os empregos, de fato, aumentaram e a produtividade cresceu ainda mais em conseqüência de retreinamento e maior esforço das equipes de trabalho, com isso elevando a competitividade das empresas e tirando fatias de mercado de suas congêneres norte-americanas.

 

(...) as tecnologias foram introduzidas mais para economizar mão-de-obra, submeter os sindicatos e reduzir custos do que melhorar a qualidade ou aumentar a produtividade por meios que não sejam redução do quadro funcional.

 

A multifuncionalidade dos trabalhos e a individualização da responsabilidade sempre eram acompanhadas por novos títulos criados ideologicamente (por exemplo, “assistente da gerência” em vez de “secretario(a)”), dessa forma, aumentando o potencial para o comprometimento dos funcionários administrativos sem melhorar suas recompensas profissionais de forma correspondente.

 

Qualificações educacionais cada vez maiores, gerais ou especializadas, exigidas nos cargos requalificados da estrutura ocupacional segregam ainda mais a força de trabalho com base na educação que, por si só, é um sistema altamente segregado, porque a grosso modo corresponde institucionalmente a uma estrutura residencial segregada.

 

De acordo com o relatório oficial de 1994 da Comissão Européia sobre Crescimento, Competitividade e Empregos, entre 1970 e 1992, a economia norte-americana cresceu 70% em termos reais, e o nível de emprego, 49%. A economia japonesa cresceu 173% e seu nível de emprego 25%.

 

(...) a variação institucional parece ser responsável pelos níveis de desemprego, ao passo que os efeitos dos níveis tecnológicos não seguem um padrão constante. Se os dados internacionais indicassem qualquer padrão, seria na direção oposta às previsões luditas: nível tecnológico mais alto associado a taxa de desemprego mais baixa.

 

A conseqüência obvia dessa analise é que nossas sociedades terão de escolher entre o desemprego maciço com seu corolário, a profunda divisão da sociedade entre os trabalhadores empregados e os desempregados/trabalhadores ocasionais ou, então, uma redefinição do trabalho e do mercado de trabalho, abrindo caminho para a reestruturação completa da organização social e dos valores culturais.

 

(..) Um estudo no Japão (...) concluir que “em todos os casos, a introdução das novas tecnologias não visou a redução da força de trabalho na pratica nem causou sua redução posterior”.

 

Nos EUA, a analise de 5 indústrias revelou diferentes efeitos da inovação tecnológica: em mineração de ferro, mineração de carvão e alumínio, a transformação tecnológica aumentou a produção e resultou em maiores níveis de emprego; nas indústrias siderúrgicas e automobilísticas, por outro lado, o crescimento da demanda não correspondeu à redução do trabalho por unidade de produção e provocou perdas de emprego.

 

No caso do Brasil, Silva não descobriu nenhum efeito da tecnologia sobre o emprego na indústria automobilística, embora o nível de emprego variasse consideravelmente em função dos níveis de produção.

 

(...) Apenas nas circunstancias mais favoráveis a transformação tecnológica aumenta os empregos mediante a melhora da competitividade. Na verdade, os autores concluem que as perdas de emprego são iminentes a menos que ocorram efeitos de demanda compensatória, e essa demanda não poderá ser gerada apenas por um desempenho melhor no comércio internacional.

 

A questão crucial é a mistura certa da inovação em processos com a inovação em produtos. Se a inovação em processos for mais rápida, ocorrerá uma queda no nível de emprego, desde que a igualdade de todos os outros fatores seja mantida. Com a liderança da inovação em produtos, a demanda recem-induzida poderia resultar em nível de emprego mais alto.

 

Em resumo, parece que, como tendência geral, não há relação estrutural sistemática entre a difusão das tecnologias da informação e a evolução dos níveis de emprego na econômica com um todo. Empregos estão sendo extintos e novos empregos estão sendo criados, mas a relação quantitativa entre as perdas e os ganhos varia entre empresas, indústrias, setores, regiões e países em função da competitividade, estratégias empresariais, políticas governamentais, ambientes institucionais e posição relativa na economia global.

 

“A nova vida profissional de Linda não deixa de apresentar inconvenientes. O maior deles é uma ansiedade constante pela procura do próximo emprego. Em certos aspectos, Linda sente-se sozinha e vulnerável. Temerosa do estigma de ter sido demitida, por exemplo, ela não quer que seu nome apareça neste artigo. Mas a liberdade de ser chefe de si mesma compensa a insegurança. Linda consegue fazer seus horários em função de seu filho. Consegue escolher seus trabalhos. E é pioneira da nova força de trabalho.” Newsweek, 14 de junho de 1993

 

As categorias de trabalho que mais crescem são as o trabalho temporário e o trabalho de meio-expediente.

 

No geral, a forma tradicional de trabalho com base em emprego de horário integral, projetos profissionais bem-delineados e um padrão de carreira ao longo da vida estão sendo extintos de forma lenta, mas indiscutível.

 

O modelo predominante de trabalho na nova economia baseada na informação é o modelo de uma força de trabalho permanente formada por administradores que atuam com base na informação e por aqueles a quem Reich chama de “analistas simbólicos” e uma força de trabalho disponível que pode ser automatizada e/ou contratada/demitida/enviada para o exterior, dependendo da demanda do mercado e dos custos do trabalho.

 

O processo de transição histórica para uma sociedade informacional e uma economia global é caracterizado pela deterioração generalizada das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores.

 

Embora a estrutura ocupacional do emprego tenha atingido melhor nível em termos de conteúdo educacional dos conhecimentos necessários para os empregos informacionais, a força de trabalho não está à altura das novas tarefas, seja devido à baixa qualidade do sistema de ensino, seja por causa da inadequação desse sistema no fornecimento das novas qualificados exigidas pela estrutura ocupacional emergente.

 

A conseqüência direta da reestruturação econômica nos EUA é que nas décadas de 80 e 90 a renda familiar despencou. Os salários que a qualidade de vida continuam a declinar nos anos 90, apesar de uma forte recuperação econômica em 1993. Nos EUA a renda média familiar em 1993 baixou de 1% em comparação com 1992. De 1989 a 1993 a família típica norte-americana perdeu 7% da renda anual. (...) De acordo com Thurow, o salário médio para homens trabalhando em horário integral começou a cair em 1973 e, em vinte anos, caiu de US$ 34.048 para US$ 30.407.

 

Na Grande Londres, entre 79 e 91, a renda disponível real das famílias no decil mais baixo de distribuição de renda caiu 14%, e o índice de renda real do decil mais rico em relação ao mais pobre quase duplicou na década, de 5,6 a 10,2.

 

As sociedades estão ficando aparentemente dualizadas, com uma grande camada superior e também uma grande camada inferior, crescendo em ambas as extremidades da estrutura ocupacional, portanto encolhendo no meio, em ritmo e proporção que dependem da posição de cada pais na divisão do trabalho e de seu clima político. Mas, lá no fundo da estrutura social incipiente, o trabalho informacional desencadeou um processo mais fundamental: a desagregação do trabalho, introduzindo a sociedade em rede.

 

5 - A cultura da virtualidade real: a integração da comunicação eletrônica, o fim da audiência de massa e o surgimento de redes interativas - 353

 

Por volta do ano 700 antes de Cristo ocorreu um importante invento na Grécia: o alfabeto.

 

Uma transformação tecnológica de dimensões históricas similares está ocorrendo 2.700 anos depois, ou seja, a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa.

 

(...)”A principal descoberta das pesquisas (...) é simplesmente que as pessoas são atraídas para o caminho de menor resistência”. (porque) existem custos psicológicos de obtenção e de processamento de informação.

 

Por exemplo, de acordo com estudos sobre a mídia, apenas uma pequena proporção de pessoas escolhe antecipadamente o programa a que assistirá. Em geral, a primeira decisão é assistir à televisão, depois os programas são examinados até que se escolha o mais atrativo ou, com mais freqüência, o menos maçante.

 

(...) a televisão é um meio fundamentalmente novo caracterizado pela sua sedução, estimulação sensorial da realidade e fácil comunicabilidade na linha do modelo do menor esforço psicológico.

 

No pais mais voltado para a TV, os EUA, no final dos anos 80 ela apresentou 3.600 imagens por minuto, por canal. De acordo com o Nielsen Report, a casa americana média mantinha o aparelho de TV ligado cerca de sete horas por dia, e o tempo de assistência real foi estimado em 4,5 horas diárias por adulto. (...) Segundo alguns estudos, as famílias norte-americanas com TV a cabo assistem a mais TV em rede do que as sem TV a cabo.

 

As descobertas acumuladas em cinco décadas de pesquisa sistemática de ciências sociais revelam que a audiência da mídia de massa, seja ou não constituída de jovens, não está desamparada, e a mídia não é todo-poderosa. A teoria em evolução sobre os efeitos modestos e condicionais da mídia ajuda a relativizar o ciclo histórico do pânico moral a respeito do novo meio de comunicação.

 

Segundo Draper, embora nos EUA o cidadão comum esteja exposto a 1.600 mensagens publicitarias por dia, as pessoas respondem (e não necessariamente de forma positiva) a apenas cerca de 12 delas. Na verdade, McGuire, após rever as informações acumuladas sobre os efeitos da propaganda na mídia, concluiu que não há prova solida de impactos específicos dos anúncios sobre o comportamento real, conclusão irônica para um setor que gastou naquela época US$ 50 bilhões por ano. Então, por que a são empresas continuam insistindo em fazer publicidade? Pelo seguinte motivo: elas repassam o custo da propaganda para os consumidores. De acordo com a revista The Economist, em 1993, a “TV Gratuita” nos EUA custou US$ 30 por mês a cada americano.

 

“Existe, dependendo das circunstancias socioculturais, uma variedade de códigos, ou melhor, de regras de competência e interpretação. A mensagem tem uma forma significante que pode ser completada com diferentes significados... Assim,, havia margem para a suposição de que o emissor organizava a imagem televisual com base nos próprios códigos, que coincidiam com aqueles da ideologia dominante, enquanto os destinatários a completavam com significados “aberrantes” de acordo com seus códigos culturais específicos.” Humberto Eco.

 

(...) “não existe uma Cultura de Massa no sentido imaginado pelos críticos apocalípticos das comunicações de massa, porque esse modelo compete com os outros (constituídos por vestígios históricos, cultura de classe, aspectos da alta cultura transmitidos pela educação etc.) [experiência própria, nível de reflexão individual....]

 

Constitui uma das ironias da historia intelectual o fato de serem precisamente aqueles pensadores que defendem a mudança social os que, com freqüência, vêem as pessoas como receptáculos passivos de manipulação ideológica, na verdade inibindo as idéias de movimentos e mudanças sociais, exceto sob o modo de eventos excepcionais singulares gerados fora do sistema social.  (...) Na verdade, alguns experimentos de psicologia descobriram que, mesmo se a TV apresentar 3.600 imagens por minuto, por canal, o cérebro respondera de forma consciente a apenas um estimulo sensorial entre cada milhão de estímulos enviados.

 

O poder real da televisão, como Eco e Postman já afirmaram, é que ela arma o palco para todos os processos que se pretendem comunicar à sociedade em geral, de política a negócios, inclusive esportes e arte.

 

A televisão modela a linguagem de comunicação societal. Se os anunciantes continuam gastando bilhões apesar das duvidas razoáveis sobre o real impacto direto da publicidade sobre as vendas, talvez seja porque uma ausência da televisão normalmente signifique admitir o reconhecimento dos nomes dos concorrentes com propaganda no mercado de massa. Embora os efeitos da televisão sobre as opções políticas sejam bastante diversos, a política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades desenvolvidas simplesmente não têm chance de obter apoio popular, visto que as mentes das pessoas são informadas fundamentalmente pelos meios de comunicação, sendo a televisão o principal deles. O impacto social da televisão funciona no modo binário: estar ou não estar.

 

Segundo a UNESCO, em 1992 havia mais de 1 bilhão de aparelhos de TV no mundo (35% dos quais estavam na Europa, 32% na Ásia, 29% na América do Norte, 8% na América Latina, 4% no Oriente Médio e 1% na África).

 

Devido à diversidade da mídia e à possibilidade de visar o público-alvo, podemos afirmar que no novo sistema de mídia, a mensagem é o meio. Ou seja, as características da mensagem moldarão as características do meio. Por exemplo, se a manutenção de um ambiente musical de adolescente for a mensagem (uma mensagem muito explicita), a MTV será programada sob medida para os ritos e linguagem dessa audiência não apenas no conteúdo, mas em toda a organização da estação, bem como na tecnologia e no projeto de produção/transmissão de imagens.

 

(...) embora a audiência tenha sido segmentada e diversificada, a televisão tornou-se mais comercializada do que nunca e cada vez mais oligopolista no âmbito global. (...) Embora os meios de comunicação realmente tenham se interconectado em todo o globo, e os programas e mensagens circulem na rede global, não estamos vivendo em uma aldeia global, mas em domicílios sob medida, globalmente produzidos e localmente distribuídos.

 

Com certa freqüência os intercâmbios on-line baseavam-se na representação de idades, sexos e características físicas, de modo que o Minitel se tornou mais o veiculo dos sonhos sexuais e pessoais do que o substituto dos bares de encontros amorosos. Essa fascinação pelo uso intimo do Minitel foi decisiva para assegurar sua rápida difusão entre o povo francês, apesar dos protestos solenes de puritanos pudicos. No inicio dos anos 90, as utilizações eróticas do Minitel foram diminuído à medida que a moda foi passando, e o caráter rudimentar da tecnologia foi limitando seu apelo sexual: as linhas de bate-papo acabaram por representar menos de 10% do trafego.

 

O único modo de controlar a rede é não fazer parte dela, e esse é um preço alto a ser pago por qualquer instituição ou organização, já que a rede se torna abrangente e leva todos os tipos de informação para o mundo inteiro.

 

(...) minha hipótese é que , devagar mas com toda certeza, as praticas comerciais com cartão de crédito e números de contas bancarias desenvolverão redes separadas, enquanto a internet se expandirá como uma ágora eletrônica global, com sua inevitável dose de desvios psicológicos.

 

Mas à medida que os exageros das primeiras tribos de informática recuam sob o fluxo implacável das novatas, o que permanece das origens contraculturais da rede é a informalidade e a capacidade auto-reguladora de comunicação, a idéia de que muitos contribuem para muitos, mas cada um tem a própria voz e espera uma resposta individualizada. A multipersonalizacao da CMC (comunicação global medida por computadores) expressa, em certa medida, a mesma tensão surgida nos anos 60 entre a “cultura do eu” e os sonhos comunais de cada indivíduo.

 

Apesar de todos os esforços para regular, privatizar e comercializar a internet e seus sistemas tributários, as redes de CMC dentro e fora da internet, têm como características:  penetrabilidade, descentralização multifacetada e flexibilidade.

 

(...) o índice de difusão da CMC interativa dificilmente alcançará o da televisão por um longo período da historia.

 

Passando da analise de usuários para a de usos, deve-se enfatizar que a esmagadora proporção de atividade de CMC ocorre no trabalho ou em situações a ele relacionadas. Será que a relação com o computador é suficientemente especifica para ligar trabalho, casa e diverso no mesmo sistema de processamento de símbolos? Ou, ao contrario, o contexto determina a percepção e os empregos do meio? Não temos pesquisa confiável sobre o assunto até o momento, mas algumas observações preliminares feitas por Penny Gurstein em sua tese de doutorado parecem indicar que, embora desfrutem de autoconfiança no gerenciamento temporal e espacial, os usuários de computadores em casa ressentem-se da falta de separação distinta entre trabalho e lazer, família e negócios, personalidade e função. Digamos, como hipótese a se ter em mente, que a convergência de experiência no mesmo meio, de certa forma atrapalha a separação institucional de domínios de atividade e confunde códigos de comportamento.

 

A política também é uma crescente área de utilização da CMC. Por um lado, o correio eletrônico está sendo usado para a difusão massificada de propaganda política dirigida com possibilidade de interação. Grupos fundamentalistas cristãos, a Milicia Norte-americana nos EUA e os zapatistas no México são os pioneiros dessa tecnologia política.

 

O que há de especifico na linguagem da CMC como um novo meio de comunicação? (...) uma nova forma de “oralidade” expressa por um texto eletrônico.  (...) (um telefone que escreve).

 

Assim, as comunidades do norte da Califórnia por ele estudadas adotaram o telefone para melhorar as redes sociais de comunicação existentes e reforçar seus hábitos sociais profundamente enraizados. O telefone foi adaptado, não apenas adotado. As pessoas moldam a tecnologia para adaptá-la a suas necessidades, (...) como foi claramente demonstrado pela adoção em massa do Minitel pelo povo francês, em atendimento a suas necessidades de fantasias sexuais. (...) O denominador comum da CMC é que, de acordo com os poucos estudos existentes sobre o assunto, ela não substitui outros meios de comunicação e nem cria novas redes: reforça os padrões sociais preexistentes.

 

Como o acesso à CMC é cultural, educacional e economicamente restritivo, e continuará assim por muito tempo, seu impacto cultural mais importante poderia ser o reforço potencial das redes sociais culturalmente dominantes, bem como o aumento de seu cosmopolitismo e globalização. (...) Portanto, a CMC pode ser um meio poderoso para reforçar a coesão social da elite cosmopolita, fornecendo um apoio importante ao significado de uma cultura global, que vai da elegância de um endereço de correio eletrônico à circulação rápida das mensagens em moda.

 

Estou simplesmente indicando que sua utilização real nos primeiros estágios do novo sistema darão forma de maneira considerável aos usos, percepções e, em ultima analise, às conseqüências sociais da multimídia.

 

Há indicações de que nos EUA o tempo de lazer diminuiu 36% entre 1973 e 1994. Além disso, o tempo dedicado à mídia diminuiu na segunda metade dos anos 80: entre 1985 e 1990 o tempo total gasto com leitura e com TV e filmes baixou 45 horas por ano; as horas gastas assistindo a programas de TV diminuíram 4%; e as horas dedicadas à TV em rede baixaram 20%.

 

(...) a mensagem está evoluindo menos que o meio.

 

Criadores arrojados como Steven Spielberg, parecem ter entendido que no novo sistema, em ração da diversidade potencial de conteúdos, a mensagem é a mensagem: é a capacidade de diferenciar um produto que gera o maior potencial competitivo.

 

Uma das pesquisas mais completas sobre a demanda de multimídia, realizada por Charles Piller em amostra nacional de seiscentos adultos nos EUA, revelou interesse muito mais profundo pelo uso da multimídia para acesso à informação, questões comunitárias, envolvimento político e educação que para mais opções de programações televisivas e filmes. (...) Os participantes estavam pontos a confirmar suas opiniões com suas carteiras: 34% estavam dispostos a pagar mais US$ 10 por mês por ensino à distancia, enquanto apenas 19% se dispunham a pagar essa quantia por mais uma opção de entretenimento.

 

 

Infotenimento: mistura de informação e entretenimento

 

Por exemplo, fornos de microondas, que permitem o consumo individual de comida pre-cozida, reduziram a incidência de jantares familiares coletivos. Os aparelhos individuais de jantar para refeições diante da TV representam um mercado em crescimento. (...) No entanto, algumas características sociais parecem perdurar além da revolução tecnológica: a divisão de tarefas domesticas entre os sexos (ou, ao contrario, falta dela) não é afetada pelos meios eletrônicos; o uso de videocassete e o manuseio de dispositivos eletrônicos é diferenciada no que diz respeito a sexo e idade: homens usam computadores com mais freqüência, mulheres cuidam dos serviços telemáticos e de manutenção elétrica domestica e crianças são obcecadas por videogame.

 

Novos aparelhos (...) aumentar as chances de membros individuais da família organizarem o próprio tempo e espaço. Por exemplo, fornos de microondas que permitem o consumo individual de comida pré-cozida, reduziram a incidência de jantares familiares coletivos.

 

Algumas características sociais parecem perdurar além da revolução tecnológica: a divisão de tarefas domesticas entre os sexos (ou, ao contrario, falta dela) não é afetada pelos meios eletrônicos; o uso de videocassete e o manuseio de dispositivos de controle remoto refletem uma estrutura familiar autoritária; e a utilização de dispositivos eletrônicos é diferenciada no que diz respeito a sexo e idade: homens usam computadores com mais freqüência, mulheres cuidam dos serviços telepáticos e de manutenção elétrica domestica e crianças são obcecadas por videogames.

 

(sobre o Karaokê) A concorrência com os amigos para atingir o maior numero de pontos depende da recompensa oferecida pela máquina àquele que seguir o ritmo da melhor forma. A máquina de karaokê não é um instrumento musical: o cantor é engolido pela máquina para completar seus sons e imagens.

 

As mensagens (...) são cada vez mais diversificadas pelos usuários da mídia de acordo com seus interesses, por intermédio da exploração das vantagens das capacidades interativas. Como dizem alguns especialistas, no novos sistema “horário nobre é o meu horário”. A formação de comunidades virtuais é apenas uma das expressões dessa diferenciação.

 

Não apenas a opção da multimídia ficará restrita àqueles com tempo e dinheiro para o acesso e aos países e regiões com o necessário mercado potencial, mas também as diferenças culturais/educacionais serão decisivas no uso da interação para o proveito de cada usuário. (...) Assim, o mundo da multimídia será habitado por duas populações essencialmente distintas: a interagente e a receptora da interação, ou seja, aqueles capazes de selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação e os que recebem um numero restrito de opções pré-empacotadas. E que é o quê será amplamente determinado pela classe, raça, sexo e país. O poder unificados cultural da televisão direcionada às massas (...) agora é substituído por uma diferenciação socialmente estratificada, levando à coexistência de uma cultura da mídia de massa personalizada com uma rede de comunicação eletrônica interativa de comunidades auto-selecionadas.

 

A comunicação de todos os tipos de mensagens no mesmo sistema, ainda que este seja interativo e seletivo (sem dúvida, exatamente por isso) induz a uma integração de todas as mensagens em um padrão cognitivo comum.

 

Talvez a característica mais importante da multimídia seja que ela capta em seu domínio a maioria das expressões culturais em toda a sua diversidade.

 

Culturas são formadas por processos de comunicação. E todas as formas de comunicação, como Rolan Barthes e Jean Baudrillard nos ensinaram há muitos anos, são baseadas na produção e consumo de sinais. Portanto, não há separação entre “realidade” e representação simbólica. Em todas as sociedades, a humanidade tem existido em um ambiente simbólico e atuado por meio dele.

Portanto, o que é historicamente específico ao novo sistema de comunicação organizado pela integração eletrônica de todos os modos de comunicação, do tipográfico ao sensorial, não é a indução à realidade virtual, mas a construção da virtualidade real. Explicarei com a ajuda do dicionário, segundo o qual: “virtual: que existe na pratica, embora não estrita ou nominalmente, e “real”: que existe de fato”. Portanto a realidade, como é vivida, sempre foi virtual porque sempre é percebida por intermédio de símbolos formadores da pratica com algum sentido que escapa à sua rigorosa definição semântica.  (...) De certo modo toda realidade é percebida de modo virtual.

 

O que é um sistema de comunicação que, ao contrário da experiência historia anterior, gera virtualidade real? É um sistema em que a própria realidade (ou seja, a experiência simbólica/material das pessoas) é inteiramente captada, totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam na experiência.

 

Case:

 

Na campanha presidencial norte-americana de 1992, o então vice-presidente Dan Quayle queria posicionar-se em defesa dos valores da família tradicional. Armado de suas convicções morais, iniciou um debate incomum com Murphy Brown. Murphy Brown, representada por uma ótima atriz, Candice Bergen, era a personagem principal de uma série popular de TV que (a)(re)presentava os valores e problemas de um novo tipo de mulher: a profissional solteira com os próprios critérios sobre a vida. Nas semanas da campanha presidencial Murphy Brown (não Candice Bergen) decidiu ter um filho fora do casamento. O vice-presidente Quayle apressou-se a condenar seu comportamento como impróprio, provocando revolta nacional principalmente entre as mulheres trabalhadoras. Murphy Brown (não apenas Candice Bergen) retaliou: no episódio seguinte apareceu assistindo à entrevista de televisão em que o vice-presidente Quayle a criticava e reagiu com criticas acirradas à interferência de políticos na vida das mulheres e com a defesa de seu direito a uma nova moralidade. Com isso Murphy Brown aumentou sua fatia de audiência, e o conservadorismo desatualizado de Dan Quayle contribuiu para a derrota eleitoral do presidente Bush; os dois acontecimentos foram reais e, em certa medida, socialmente relevantes. No entanto, um novo texto do real e do imaginário fora composto ao longo do diálogo. A presença não-solicitada do mundo imaginário de Murphy Brown na campanha presidencial real causou a transformação de Quayle (ou melhor, de sua imagem televisiva “real”) em uma personagem da vida imaginaria de Murphy Brown: fora feito um supertexto, misturando no mesmo discurso mensagens veementemente defendidas, emitidas a partir dos dois níveis de experiência. Nesse caso, a virtualidade (isto é, Murphy Brown sendo na prática o que eram muitas mulheres, sem sê-lo no nome de nenhuma mulher) tornara-se real, no sentido de que realmente interagiu - causando impacto de certa importância - com o processo de eleição para o cargo político mais poderoso da terra. Concordo, o exemplo é extremo e incomum, mas acredito que ilustra minha analise e ajuda a reduzir a obscuridade de sua abstração.

 

Por isso é tão importante para os diferentes tipos de efeitos sociais que haja o desenvolvimento de uma rede comunicação horizontal multinodal do tipo da internet, em vez de um sistema multimídia centralmente distribuído como na configuração do vídeo sob demanda.

 

A inclusão da maioria das expressões culturais no sistema de comunicação integrado baseado na produção, distribuição e intercâmbio de sinais eletrônicos digitalizados tem conseqüências importantes para as formas e processos sociais. Por um lado, enfraquece de maneira considerável o poder simbólico dos emissores tradicionais fora do sistema, transmitindo por meio de hábitos sociais historicamente codificados: religião, moralidade, autoridade, valores tradicionais, ideologia política. Não que desapareçam, mas são enfraquecidos a menos que se recodifiquem no novo sistema, onde seu poder fica multiplicado pela materialização eletrônica dos hábitos transmitidos espiritualmente: as redes de pregadores eletrônicos e as redes fundamentalistas interativas representam uma forma mais eficiente e penetrante de doutrinação em nossas sociedades do que a transmissão pelo contato direto da distante autoridade carismática.

 

O tempo é apagado no novo sistema de comunicação já que passado, presente e futuro podem ser programados para interage entre si na mesma mensagem. O espaço de fluxos e o tempo intemporal  as bases principais de uma nova cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação historicamente transmitidos: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando realidade.

 

6 - O espaço de fluxos - 403

 

O primeiro sistema de comunicação mediada por computadores difundido para a massa, o Minitel francês, originou-se na década de 80 em um ambiente urbano intenso, cuja vitalidade e interação por contato pessoal não foram abaladas pelo novo meio de comunicação. Na verdade, os estudantes franceses usavam o Minitel para organizar manifestações de rua contra o governo. No início da década de 90, a telecomutação, ou seja, o trabalho on-line em casa, era praticada por uma fração muito pequena da força de trabalho dos EUA (entre 1 e 2% em um dia determinado), Europa ou Japão, se não contarmos a velha e costumeira pratica de profissionais liberais trabalharem em casa ou organizarem suas atividades em tempo e espaço flexíveis, quando contam com tempo disponível para isso.

 

A globalização estimula a regionalização.

 

No início dos anos 90, enquanto de um lado, cidades como Bangkok, Taipei, Xangai, México ou Bogotá desfrutavam um crescimento urbano explosivo fomentado pelos negócios, de outro, Madri, Nova York, Londres e paris experimentavam uma queda que causou profunda diminuição nos preços de imóveis e paralisou novas construções. Esta montanha-russa urbana, em diferentes períodos nas diversas áreas do mundo, ilustra a dependência e a vulnerabilidade de qualquer local, inclusive das principais cidades, em relação aos fluxos globais em transformação.

 

(...) uma vez realizados, grandes investimentos empresariais em imóveis valiosos explicam a relutância em mudar-se, porque tal iniciativa desvalorizaria seus ativos fixos;

 

[hoje] o que importa é a versatilidade das redes.

 

(...) os meios de inovação comandam as redes globais de produção e distribuição, que estendem seu alcance por todo o planeta. Por isso, alguns pesquisadores, como Amin e Robins, afirmam que o novo sistema industrial não é global nem local, mas “uma nova articulação da dinâmica local e global”.

 

O desenvolvimento da comunicação eletrônica e dos sistemas de informação propicia uma crescente dissociação entre a proximidade espacial e o desempenho das funções rotineiras: trabalho, compras, entretenimento, assistência à saúde, educação, serviços públicos., governo e assim por diante.

 

“Há mais pessoas fazendo pesquisas sobre teletrabalho do que teletrabalhadores reais”.

 

O tempo de deslocamento em razão do trabalho mantém-se constante nas áreas metropolitanas dos EUA, não devido à melhora da tecnologia, mas por causa de um modelo mais descentralizado de localização de empregos e residências que permite fluxos de trafego mais fácil entre os subúrbios.

 

As telecompras também não estão se desenvolvendo à altura das expectativas. Embora em crescimento na maioria dos países, na verdade estão substituindo os tradicionais pedidos por catálogos via correio e não a compra direta em shopping centers e ruas comerciais. 

 

As pessoas deslocar-se-ão entre todos os lugares com mobilidade crescente, exatamente devido à flexibilidade recém-conquistada pelos sistemas de trabalho e integração social em redes: como o tempo fica mais flexível, os lugares tornam-se mais singulares à medida que as pessoas circulam entre eles em um padrão cada vez mais móvel.

 

As tendências atuais apontam na direção de outra megacidade asiática em escala ainda maior quando, no início do século XXI, o corredor toquio-yokohama-nagoya (já uma unidade funcional) estiver unido a osaka-kobe-kyoto, criando a maior aglomeração metropolitana da historia humana não apenas em termos de população, mas também em poder econômico e tecnológico.

 

O futuro da humanidade e do pais de cada megacidade depende fundamentalmente da evolução e gerenciamento dessas áreas. As megacidades são os pontos nodais e o são centros de poder da nova forma/processo espacial da era da informação: o espaço de fluxos.

 

As pessoas ainda vivem em lugares. Mas, como a função e o poder em nossas sociedades estão organizados no espaço de fluxos, a dominação estrutural de sua lógica altera de forma fundamental o significado e a dinâmica dos lugares.

 

7 - O limiar do eterno: o tempo intemporal

 

O que chamo de tempo intemporal é apenas a forma dominante emergente do tempo social na sociedade em rede porque o espaço de fluxos não anula a existência de lugares. Afirmo que a dominação social é exercida por meio da inclusão seletiva e da exclusão de funções e pessoas em diferentes estruturas temporais e espaciais.

 

A explicação do volume fenomenal de fluxos financeiros transnacionais está na velocidade das transações.

 

A principal sala de carteado desse cassino eletrônico o é o mercado monetário, que explodiu na ultima década, tirando vantagem das taxas de cambio flutuantes. Em 1995, US$ 1m2 trilhões foram movimentados todos os dias no mercado monetário.

(...) É a velocidade da transação que gera o ganho - ou a perda.

 

A taxa de atividade de homens entre 55 e 65 baixou com rapidez nos últimos 20 anos, nas principais economias industrializadas e, em 1991, havia caído para 65% nos EUA, 64% no Reino Unido, 54% na Alemanha e 3% na França. (...) Nessas circunstâncias, o tempo real de serviço poderia ser diminuído para cerca de 30 anos (dos 24 aos 54), para uma duração real de vida de aproximadamente 75-80 anos.

 

A menos que se modifique a base de calculo dos benefícios sociais mediante um novo contrato social, a diminuição do tempo de serviço válido e a acelerada obsolescência da mão-de-obra decretarão o fim das instituições de solidariedade social e a introdução das guerras etárias.

 

A morte é e foi o tema central da culturas ao longo da história, seja reverenciada como a vontade de Deus, seja afrontada como o ultimo desafio humano. Tem sido exorcizada nos ritos para acalmar os vivos, aceita com a resignação dos serenos, suavizada nas comemorações dos simples, combatida com o desespero dos românticos, mas nunca contestada. É uma característica distintiva de nossa nova cultura, a tentativa de banir a morte de nossa vida. Embora a matriz dessa tentativa advenha da crença racionalista no progresso todo poderoso, são as descobertas extraordinárias da tecnologia medica e da pesquisa biológica nas duas ultimas décadas que fornecem base material para a mais antiga aspiração da humanidade: viver como se a morte não existisse, apesar de ser nossa única certeza.

 

A morte é apenas uma mudança temporária na tela de espectadores distraídos. Se for verdade que, como disse Ionesco, “cada um de nós é o primeiro a morrer”,  os mecanismos sociais asseguram que também somos os últimos, ou seja, que os mortos estão verdadeiramente sozinhos e não leva a energia dos vivos. (...) Como estamos tão perto de desvendar os segredos da vida, duas grandes tendências difundiram-se das ciências medicas para o resto da sociedade: a prevenção obsessiva e a luta até o fim.

 

Embora estudos recentes demonstrem que o peso está muito ligado ao metabolismo programado pela genética e que as pessoas oscilam em uma faixa de 10 a 15% em torno de sua média de idade e tamanho independentemente de seus esforços, a dieta é uma obsessão social, seja real, seja manipulada.

 

Esse impulso medico de repelir a morte nada tem a ver com o capitalismo. De fato, algumas seguradoras acolheriam a eutanásia de bom grado e gostariam de enviar os pacientes para casa o mais breve possível, uma visão céptica combatida diariamente pelos médicos.

 

“As raízes da guerra estão na natureza humana.”

 

A mortalidade infantil no Uruguai e na ex-URSS é mais alta que o dobro da média norte-americana, mas é igual à de Washington. Embora a morte e as doenças estejam sendo afastadas em todo o mundo, em 1990 esperava-se que os habitantes dos países menos desenvolvidos vivessem 25 anos menos que os das áreas mais desenvolvidas.

 

O tempo intemporal pertence ao espaço de fluxos, ao passo que a disciplina tempo, o tempo biológico e a seqüência socialmente determinada caracterizam os lugares em todo o mundo, estruturando e desestruturando materialmente nossas sociedades segmentadas.

 

 

Conclusão - a sociedade em rede - 497

 

Como tendência histórica, as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes. (...) A presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa sociedade: uma sociedade que, portanto, podemos apropriadamente chamar de sociedade em rede, caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social.

 

Rede é um conjunto de nós interconectados.

 

A topologia definida por redes determina que a distancia (ou intensidade e freqüência da interação) enter dois pontos (ou posições sociais) é menor (ou mais freqüente, ou mais intensa), se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem à mesma rede. Por sua vez, dentro de determinada rede os fluxos não têm nenhuma distancia, ou a mesma distancia, entre nós. Portanto, a distancia (física, social, econômica, política, cultural) para um determinado ponto ou posição varia entre zero (para qualquer não[ó da mesma rede) e infinito (para qualquer ponto externo à rede). A inclusão/exclusão em redes e a arquitetura das relações entre redes, possibilitadas por tecnologias da informação que operam à velocidade da luz, configuram os processos e funções predominantes em nossas sociedades.

 

Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmo códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho).

 

O processo de trabalho é cada vez mais individualizado, e a mão-de-obra está desagregada no desempenho e reintegrada no resultado através de uma multiplicidade de tarefas interconectadas em diferentes locais, introduzindo uma nova divisão de trabalho mais baseada nos atributos/capacidades de cada trabalhador que na organização da tarefa.

 

Nesse cassino global eletrônico capitais específicos elevam-se ou diminuem drasticamente, definindo o destino de empresas, poupanças familiares, moedas nacionais e economias regionais . O resultado na rede é zero: os perdedores pagam pelos ganhadores. Mas os ganhadores e os perdedores vão mudando a cada ano, a cada mês, a cada dia, a cada segundo e permeiam o mundo das empresas, empregos, salários, impostos e serviços públicos.

 

Há no entanto, uma rede integrada de capital global, cujos movimentos e lógica variável determinam as economias e influenciam as sociedades. Dessa fora, acima de vários capitalistas de carne e osso e grupos capitalistas, há uma entidade capitalista coletiva sem rosto, formada por fluxos financeiros operados por redes eletrônicas. Não é apenas expressão da lógica abstrata do mercado porque, na realidade, não segue a lei da oferta e da procura: responde às turbulências e aos movimentos imprevisíveis de expectativas não-calculáveis induzidas pela psicologia e a sociedade na mesma media que pelos processos econômicos.

 

Na essência, o capital é global, Via de regra, o trabalho é local. O informacionalismo, em sua realidade histórica, leva à concentração e globalização do capital exatamente pelo emprego do poder descentralizador das redes. A mão-de-obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência, dividida em sua ação coletiva.

 

Não quer dizer que a história terminou em uma feliz reconciliação da Humanidade consigo mesma. Na verdade, é o oposto: a história está apenas começando, se por história entendermos o momento em que, após milênios de uma batalha pré-histórica com a Natureza, primeiro para sobreviver, depois para conquistá-la, nossa espécie tenha alcançado o nível de conhecimento e organização social que nos permitirá viver em um mundo predominantemente social. É o começo de uma nova existência e, sem dúvida, o início de uma nova era, a era da informação, marcada pela autonomia da cultura vis-à-vis as bases materiais de nossa existência. Mas este não é necessariamente um momento animador porque, finalmente sozinhos em nosso mundo de humanos, teremos de olhar-nos no espelho da realidade histórica. E talvez não gostemos da imagem refletida.

Continua.