EXTRATO DE: O FIM DA TERRA E DO CÉU

O Apocalipse na Ciência e na Religião

Autor: Marcelo Gleiser (1959/...)

Ed. Companhia das Letras – 2001/2001/2022

 

“Certamente, nosso feiticeiro sabe o que está fazendo. Ou, pelo menos, toda a tribo assim acredita.”

 

“Nós sabemos que nosso destino está nas mãos de nosso feiticeiro; apenas ele pode decifrar a linguagem dos deuses escrita nos céus. Vida longa ao nosso feiticeiro!”

 

(...) a crença religiosa na imortalidade da alma serve de antídoto à inevitabilidade da morte.

 

[Do épico babilônio de Gilgamesh, datado de mais de 4 mil anos:]

 

“Eu trouxe minha família e objetos domésticos,

O gado dos campos, as bgestas selvagens dos campos,

Artesãos, todos eles eu trouxe para a arca [...]

E veio do horizonte uma nuvem negra.

E Adad relampejou dentro dela [...]

A luz virou trevas [...] A água subiu pelas montanhas [...]

E toda a h humanidade transformou-se em barro [...]

Eu olhei para o mundo, e só vi o mar.”

 

“Gilgamesh, onde vais com tanta pressa?

A imortalidade que procuras não irás encontrar.

Quando os deuses criaram o homem,

Eles decretaram também sua morte [...]

Olha para a criança que segura a sua mão,

Se feliz no abraço de sua esposa!”

 

Entre os egípcios (por volta de 3100 a 2600 a.C.) existiam diversas doutrinas de vida depois da morte. A princípio penas os Faraós podiam viver eternamente. Mas cerca de 2200 a 2000 a.C., a vida após a morte deveria ser um direito de todos. Foi nessa época que surgiu o Reino de Osíris, o deus dos mortos. (...) Tratava-se de um local paradisíaco, onde (...) aqueles privilegiados com a vida eterna podiam ficar calmamente sentados sob as arvores frondosas e ver os escravos trabalharem (até no Paraíso!).

 

Zoroastro (viveu provavelmente entre 1000 a.C. e 600 a.C.) – versão grega do antigo nome iraniano Zaratustra, “aquele que lavra a terra com camelos”. (...) Ele pregava o monoteísmo calcado em uma ética extremamente rígida (...). Mazda foi o criador do mundo e dos homens, e exercia poder supremo sobre todas as coisas. (...) Para Zoroastro, a tensão entre o bem e o mal era um dos aspectos fundamentais tanto da vida dos homens como da dinâmica do mundo natural.

 

Quando Mazda criou o mundo, criou igualmente os opostos e a tensão entre eles, dando aos homens a liberdade de escolher seu caminho moral, ou seja, de optar pelo bem ou pelo mal; o indivíduo deve exercer seu livre-arbítrio.

 

O impulso em direção ao sacro é, também, uma forma de transcendermos às nossas próprias limitações; nós criamos os deuses para poder imitá-los.

 

Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo.

 

Quanto mais difíceis os tempos, maior a vulnerabilidade das pessoas, e, então, é com mais facilidade que elas se tornam presas de um fanatismo cego, o qual muitas vezes tem repercussões trágicas.

 

(...) o “bug do milênio” transformou-se em uma tremenda farsa tecnológica, muito semelhante aos pânicos apocalípticos tão comuns até bem recentemente: mais uma profecia que não se concretizou.

 

A ambigüidade pode ser uma arma de propaganda extremamente útil: ao insinuar sem comprovar, ao sugerir sem definir, ao criar imagens fantásticas que inspiram o fascínio e o terror sem oferecer uma clara interpretação de seu significado, você decerto irá despertar a curiosidade de muitas pessoas. Se, em sua mensagem, você assegurar uma recompensa àqueles que seguirem as suas ideias, alguma espécie de conforto para as tribulações da vida, seu sucesso estará praticamente garantido. (...) Assim foi o apocalipse, que prometia nada mais nada menos do que a salvação ou a danação eterna.

 

Orígenes de Alexandria (185-253) acreditava que, das três possíveis leituras da Bíblia, a literal, a moral e a alegórica, a última era, de longe, a mais apropriada. (...) Em A cidade de Deus, Agostinho toma o partido de Orígenes, argumentando que o Apocalipse deveria ser lido alegoricamente, que a luta entre o bem e o mal estava presente na vida das pessoas, e que a Igreja de Cristo era já o Reino de Deus na Terra; ele já havia chegado.

 

Em um mundo onde o Mal era uma presença palpável e a tentação estava por toda parte, a Igreja oferecia o único refugio moral e emocional.

 

O descontente, mais do que qualquer outro, precisa acreditar.

 

Os “soldados de Cristo” em geral são os pobres e destituídos, os que não têm nada, senão a vida, a perder.

 

[Sobre a fé cristã] A incrível capacidade de sobrevivência da ideia apocalíptica não é difícil de ser compreendida. Afinal, uma vida eterna, sem fome, sem pestilências e sem os cataclismos naturais que assombravam as pessoas era uma barganha muito poderosa para ser deixada de lado.

 

[O citadino pensa:] “Se eu voltar para a minha terra, morro de fome; se eu ficar na cidade, morro de fome”. A pessoa se sente um apêndice inútil da sociedade, vítima da ganância dos outros. O que fazer?

 

Podemos chamar nossos medos e inimigos de nomes diferentes, mas nossas expectativas são basicamente as mesmas: a certeza de que fazemos parte da sociedade, de que não existimos apenas à sua margem, e um mínimo de conforto material e espiritual para vivermos com dignidade. Se essas condições não forem satisfeitas nesta vida, terão de ser satisfeitas na próxima.

 

[As cruzadas logo converteram-se] em uma batalha pela salvação espiritual; galvanizou as expectativas milenaristas dos mais pobres, que deixaram sua vida para trás a fim de marchar em direção a Jerusalém em busca da redenção. Com cruzes costuradas sobre as vestes rudimentares, o Exército de Cristo, cego por sua missão apocalíptica e hipnotizado por líderes carismáticos, “libertou” Jerusalém, massacrando todo homem, mulher ou criança que recusassem a conversão imediata. O massacre não atingiu apenas os muçulmanos: milhares de judeus foram mortos pelo caminho. Os relatos das batalhas mencionam “cavalos [que] nadavam em sangue até aos joelhos e mesmo até às rédeas. A matança era perfeitamente justificada pela fé, como nas “guerras santas”: quando o objetivo final é a redenção eterna, o fim justifica os meios. A religião que preta o amor do próximo foi transformada em uma máquina demoníaca de destruição. Na mente dos “soldados de Cristo”, o sangue do pecador é o vinho dos justos.

 

Em toda a história, uma profusão de obras artísticas foi inspirada pelo mesmo tema: a dor causada pela perda de um ente amado; a sensação de fragilidade, de sermos vitimas de fatores muito acima de nosso controle; (...).

 

A morte, em seu escárnio, ridiculariza tudo aquilo que criamos para iludi-la.

 

Nós apenas conheceremos nossas fronteiras se tivermos a coragem de transgredi-las.

 

Escatologia: estudo do fim.

 

Nós continuamos temendo aquilo que não compreendemos ou não podemos controlar; o progresso científico redefiniu as fronteiras de nossa ignorância e, com elas, nossos medos, mas não os aboliu.

 

O que acontece é que a mensagem profética de salvação e martírio trazida por [um] líder responde aos anseios e sonhos daqueles humilhados por uma vida de privação (material e/ou espiritual), transformando sua devoção em uma missão divina, em uma etapa necessária em direção à felicidade eterna.

 

Anaximandro (-610/-546):

“A destruição e a criação alternam-se na duração infinita do tempo. Do Infinito vieram os céus e seus mundos. E a fonte de tudo o que existe, mesmo a destruição ocorre de acordo com a necessidade; pois tudo é sujeito à punição segundo o juízo do Tempo.”

 

Demócrito (-460-/-370):

“Tudo no mundo está em constante movimento através do Vazio.

 

Lucrécio (...):

“Jamais suponha que os átomos têm um plano.”

 

[Raciocínio Lógico Indutivo:]

[Por volta e 1655] Segundo os líderes políticos, a astrologia era responsável por incitar as massas a desafiar a ordem social; se as mensagens astrológicas prognosticavam a queda dos reis, então cabia ao povo garantir que esses prognósticos fossem levados a cabo, acidentalmente ou não. (...) Se Deus escreve suas mensagens através das estrelas e as estrelas dizem que o rei deve morrer, então ele deve morrer para satisfazer o desejo de Deus.

 

O medo tem a capacidade de anestesiar o bom senso.

 

Não podemos julgar os eventos cósmicos com base em nossos valores morais; a colisão entre um cometa e um planeta não é certa ou errada. (...) As chuvas que fazer crescer o trigo também podem inundar e destruir cidades inteiras; (...).

 

Praticamente toda a massa do átomo reside em seu núcleo, que é extremamente compacto (100 mil vezes menor do que o átomo).

 

No nível molecular temperatura significa movimento, quanto mais alta a temperatura, maiores as velocidades dos átomos e maior o número de colisões entre eles.

 

O que salva os cientistas de continuarem insistindo em defender uma hipótese errada é o escrutínio a que as ideias científicas são submetidas são submetidas pela comunidade.

 

É precisamente na fronteira do conhecimento que a imaginação tem o seu papel mais importante; o que ontem foi apenas um sonho, amanhã poderá se tornar realidade.

No nível molecular temperatura significa movimento, quanto mais alta a temperatura, maiores as velocidades dos átomos e maior o número de colisões entre eles.

 

No mundo quântico, nada fica parado no mesmo lugar (objetos maiores também flutuam, mas imperceptivelmente).

 

Talvez nos sejamos mesmo uma presença irrelevante na vastidão do cosmo, isolados em um pequeno planeta que órbita em torno de uma pequena estrela em meio a centenas de bilhões de outras e flutua em uma galáxia em meio a bilhões de outras. Mas a nossa criatividade atravessa o Universo de ponta a ponta, revelando mundos que jamais iremos visitar. Quanto maior a nossa humildade, maior será o alcance de nossa imaginação.

 

É difícil aceitar a ideia de que nós somos relativamente insignificantes dentro do contexto cósmico, de que nossa existência individual ou mesmo como espécie tem tão pouca influencia no desenrolar das criações e destruições que se propagam pelo Universo.

 

Nós vimos como processos regenerativos ocorrem a partir de eventos destrutivos: asteróides caem sobre a Terra, extinguindo várias espécies mas permitindo que outras evoluam; (...). Talvez, ao aprendermos mais sobre o mundo à nossa volta, sobre os vários ciclos de criação e destruição que acontecem continuamente nos Céus e na Terra, sejamos capazes de crescer um pouco mais, de enxergar além das nossas diferenças, e de trabalhar juntos para a preservação do nosso planeta e da nossa espécie. O primeiro passo é simples: é só olhar para os lados, com respeito, curiosidade, humildade e admiração. E não temos um minuto sequer a perder.