EXTRATO DE A FORÇA DAS IDÉIAS

Autor: Isaiah Berlin

Organização: Henry Hardy

Ed. Cia. Das Letras – 2000

 

 

Meu caminho intelectual

 

Rousseau e outros acreditavam em verdades eternas descobertas por meios introspectivos. Mas, por mais que diferissem, eles pertenciam a uma geração convicta de estar no caminho para a solução de todos os problemas que tinham atormentado a humanidade desde os seus primórdios.

 

Havia uma tese que para todas as questões verdadeiras deve haver uma resposta verdadeira e apenas uma, sendo falsas todas as outras respostas, pois do contrário as questões não podem ser questões genuínas.

 

Platão acreditava que a matemática era o caminho para a verdade; Aristóteles, talvez, que era a biologia; os judeus e os cristãos procuravam as respostas em livros sagrados, nos pronunciamentos de mestres divinamente inspirados e nas visões dos místicos; outros acreditavam que o laboratório e os métodos matemáticos podiam resolver as coisas; ainda outros acreditavam, como Rousseau, que apenas a alma humana inocente, a criança não corrompida, o camponês simples saberiam a verdade – melhor do que os habitantes corrompidos das sociedades arruinadas pela civilização.

 

Se não existem respostas verdadeiras para as questões, como se pode alcançar o conhecimento em qualquer área?

 

As questões diferem, as respostas diferem, as aspirações diferem; o uso da linguagem, dos símbolos, difere; e as respostas a um conjunto de questões não respondem a questões de outras culturas, nem têm muita importância para elas. (...) o que importa para um grego do século V é muito diferente daquilo que importa para um pele-vermelha [o quem quer que seja] do século XVIII; e assim as suas perspectivas diferem e não há respostas universais para todas as questões.

 

[Nacionalismo alemão] Nada me cria; não faço tal coisa porque é uma ordem objetiva a que obedeço, tampouco por causa de regras universais a que devo aderir; ajo desse modo porque crio a minha vida ao agir; sendo o que sou, eu lhe dou direção e sou responsável por ela.

 

Todos os seres humanos devem ter alguns valores comuns senão deixam de ser humanos, e também alguns valores diferentes senão deixam de ser diferentes, como na verdade são.

 

Não considero os nazistas literalmente patológicos ou insanos, apenas perversamente errados, por acreditarem que alguns seres são subumanos, que a raça é central, que apenas as raças nórdicas são verdadeiramente criativas, e assim por diante. Compreendo que, com bastante educação falsa, bastante ilusão e erro difundidos, os homens podem, sem deixar de ser homens, acreditar nisso e cometer os crimes m ais indescritíveis.

 

Sempre houve pensadores dispostos a defender que, se ao menos os cientistas, ou as pessoas cientificamente treinadas, pudessem ser encarregadas das coisas, o mundo seria imensamente melhorado. [A justificativa para as elites explorarem os demais]

 

O monismo está na raiz de todo extremismo.

 

Os seres humanos mais perfeitamente livres serão aqueles que estão mortos, pois nesse caso não há desejo e, portanto, não há obstáculos. O que eu antes tinha em mente era apenas o numero de caminhos que um homem pode trilhar, quer deseje trilhá-los, quer não. Esse é o primeiro dos dois sentidos básicos de liberdade política.

 

É uma zombaria informar a um pobre que ele tem toda a liberdade de ocupar um quarto num hotel caro, embora ele não possa pagar o seu preço. Mas isso é igualmente uma confusão. Ele tem realmente a liberdade de alugar um quarto no hotel, mas n ao tem os meios de usar essa liberdade. Não tem os meios, talvez, que foi impedido de ganhar mais do que ganha por um sistema econômico criado pelo homem – mas essa é a perda da liberdade de ganhar dinheiro, não da liberdade de alugar o quarto. Isso talvez pareça uma distinção pedante, mas é central para as discussões de liberdade econômica versus liberdade política.

 

Quem manda na minha vida? Sou eu; eu? Ignorante, confuso, impelido aqui e ali por paixões e ímpetos incontroláveis – isso é tudo que me toca?

 

Não há déspota no mundo que não possa usar esse método de argumentação para exercer a opressão mais vil, em nome de um eu ideal que ele está procurando conduzir à realização pelos seus meios talvez um tanto brutais e moralmente odiosos. “O engenheiro de almas humanas”, para usar a expressão de Stalin, sabe mais; faz o que faz não apenas para fazer o melhor pela sua nação, mas em nome da própria nação, em nome do que a própria nação estaria fazendo, se tivesse alcançado esse nível de compreensão histórica.

 

Isso remonta à noção ingênua de que há apenas uma única resposta verdadeira para cada questão: se conheço a resposta verdadeira e você não a conhece, e se você discorda de mim, é porque você é ignorante; se você conhecesse a verdade, acreditaria necessariamente no que acredito; se você procura me desobedecer, isso só pode acontecer porque você está errado, porque a verdade não lhe foi revelada como o foi para mim. Isso justifica algumas das formas mais assustadoras de opressão e escravização na história humana, sendo verdadeiramente a interpretação mais perigosa e, particularmente em nosso século, mais violenta da noção de liberdade positiva.

 

Toda a nossa moralidade comum em que falamos de obrigação e dever, certo e errado, elogio e culpa moral, essa rede de crenças e praticas, da qual toda a moralidade corrente parece depender, pressupõe a noção de responsabilidade, e a responsabilidade acarreta a capacidade de escolher entre o preto e o branco, o certo e o errado, ... e todas as constelações de valores morais em termos das quais a maioria das pessoas, por mais que estejam ou não estejam conscientes disso, de fato vive.

 

Na verdade, a própria noção de um ato denota escolha; mas se a escolha é ela própria determinada, qual é a diferença entre a ação e o mero comportamento.

 

O marxismo que é fundado sobre o determinismo histórico – os estágios inevitáveis pelos quais a sociedade deve passar antes atingir a perfeição -, prescreve atos dolorosos e perigosos, coerção e matança, igualmente dolorosos às vezes para os perpetradores e para as vítimas; mas se a história vai gerar inevitavelmente a sociedade perfeita, por que alguém deveria sacrificar a sua vida por um processo que vai alcançar, sem a sua ajuda, o seu destino apropriado e feliz? (...) Mas será que tantas pessoas podem ser verdadeiramente convencidas a enfrentar esses perigos apenas para encurtar um processo que acabará em felicidade, independentemente do que elas possam fazer ou deixar de fazer? Isso sempre me intrigou. [Intrigou porque Berlin não percebeu que tudo não passa de uma explicação para sustentar verdades egocentradas e desejo de dominar, de poder.]

 

Seja como for, a própria noção da sociedade ideal pressupõe a concepção de um mundo perfeito em que todos os grandes valores à luz dos quais os homens têm vivido por tanto tempo podem ser realizados juntos, pelo menos em princípio.

 

A liberdade perfeita (como deve ser no mondo perfeito) não é compatível com a igualdade perfeita. Se um homem é livre para fazer o que escolher, então os fortes vão esmagar os fracos , os lobos vão comer as ovelhas, e isso acaba com a igualdade. [É assim na natureza toda com exceção, na modernidade, do homem.]

 

Um mundo de prefeita justiça – e quem pode negar que esse é um dos valores humanos mais nobres? – não é compatível com a perfeita misericórdia. Ou a lei exige o seu tributo, ou os homens perdoam, mas ambos os valores não podem ser realizados.

 

Devo optar por saber sempre o máximo possível e aceitar que há situações em que a ignorância pode ser uma felicidade.

 

A liberdade e a igualdade, a espontaneidade e a segurança, a felicidade e o conhecimento, a misericórdia e a justiça – todos esses são valores humanos supremos, buscados apenas por si mesmos; ainda assim, quando são incompatíveis, não podem ser todos alcançados, escolhas devem ser feitas, perdas às vezes trágicas devem ser aceitas na busca de algum fim máximo preferido.

 

Então a idéia do mundo perfeito em que todas as boas coisas são realizadas é incompreensível, é de fato conceitualmente incoerente.

 

O universo perfeito não é meramente inatingível, mas inconcebível, e tudo que é feito para criá-lo está fundamentado numa enorme falácia intelectual.

 

 

A Finalidade da Filosofia

 

 

Qual é o tema da filosofia? Uma pseudociência que explora confusões verbais, um sintoma de imaturidade intelectual, destinada junto com a teologia e outras disciplinas especulativas ao museu de antiguidades curiosas, assim como a astrologia e a alquimia foram há muito tempo banidas pela marcha vitoriosa das ciências naturais.

 

As respostas entrarão numa ou noutra de duas grandes cestas: a empírica, isto é, as perguntas que dependem, no final, dos dados da observação; e a formal, isto é, as perguntas cujas respostas dependem do puro calculo, sem os entraves do conhecimento factual.

 

“Onde está a imagem no espelho?”

 

Os homens comuns consideram as questões filosóficas com desprezo, temor reverente ou suspeição, segundo seus temperamentos.

 

Assim que uma pergunta “estranha” pode ser tratada por uma disciplina empírica ou formal, ela deixa de ser filosófica e torna-se parte de uma ciência reconhecida.

 

A história do pensamento é uma longa serie de parricídios, em que novas disciplinas procuram alcançar a sua liberdade matando os temas progenitores e erradicando de dentro de si mesmas quaisquer vestígios que ainda subsistam dos problemas “filosóficos”, isto é, o tipo de perguntas que não trazem dentro de sua própria estrutura indicações claras das técnicas de sua solução.

 

Na verdade, seria precipitado dizer de qualquer ciência desenvolvida de alto nível que ela finalmente erradicou seus problemas filosóficos. Na física, por exemplo, existem questões fundamentais no presente que de muitas maneiras parecem filosóficas – questões que dizem respeito à própria estrutura dos conceitos em termos dos quais as hipóteses devem ser formadas e as observações interpretadas.

 

A maioria dos filósofos gregos, e principalmente Aristóteles, ensinava que todas as coisas tinham propósitos nelas embutidos pela natureza – fins ou metas que não podiam deixar de procurar realizar.

 

O mundo de um homem que acredita que deus o criou para um propósito especifico, que ele tem uma alma imortal, que há uma vida após a morte em que seus pecados serão castigados, é radicalmente diferente do mundo de um homem que não acredita em nada disso; as razões ara a ação, os códigos morais, as crenças políticas, os gostos, as relações pessoais do primeiro vão ser profunda e sistematicamente diferentes dos mantidos elo segundo.

 

A filosofia, portanto, não é um estudo empírico. (...) Nem é um tipo de dedução formal, como a matemática ou a lógica.

 

A tarefa da filosofia, frequentemente difícil e dolorosa, é desenredar e trazer à luz as categorias e os modelos ocultos em termos dos quais os seres humanos pensam (isto é, o seu uso de palavras, imagens e outros símbolos), para revelar o que é obscuro ou contraditório neles, para discernir os conflitos entre eles que impedem a construção de modos mais adequados de organizar...

 

Essa atividade socialmente perigosa, intelectualmente difícil, frequentemente torturante e ingrata, mas sempre importante é o trabalho dos filósofos, quer lidem com as ciências naturais, quer tratem de questões morais, políticas ou puramente pessoais. A meta da filosofia é sempre a mesma, ajudar os homens na compreensão de si mesmos e assim operar na claridade, e não loucamente, no escuro.

 

 

Os Filósofos do Iluminismo

 

Perguntas como “O que é o bem supremo?” ou “Como posso estar seguro de que as suas sensações são semelhantes às minhas?” (...) não podem ser respondidas, diante das circunstancias, por nenhum dos dois grandes instrumentos do conhecimento humano: a investigação empírica, por um lado, e, por outro, o raciocínio dedutivo como é usado nas disciplinas formais (...)

 

Os sucessos sem precedentes do método matemático no século XVII deixaram uma marca na filosofia, não apenas porque a matemática não havia sido claramente separada da filosófica naquela época, mas porque as técnicas – dedução a partir de axiomas “evidentes por si mesmos” segundo regras fixas, testes de coerência interna, métodos a priori, padrões de clareza e rigor próprios da matemática – eram também aplicadas à filosofia; (...)

 

O progresso sem paralelo da física e da matemática no século XVII transformou de tal maneira a visão que geralmente se tinha da natureza do mundo material, e, ainda mais, da natureza do verdadeiro conhecimento, que essa época ainda permanece como uma barreira entre nós e as eras que a precederam, e faz as idéias filosóficas da Idade Média, e até da Renascença, parecerem remotas, fantasiosas e, às vezes, quase ininteligíveis.

 

[No iluminismo] A filosofia, portanto, deve ser convertida numa ciência natural. Os fatos com que deve lidar sem ser descobertos pela introspecção.

 

Para Hume, a tarefa da filosofia é tratar dos ingredientes fundamentais de tudo que existe.

 

Para Berkeley, o contraste entre as sensações subjetivas e as propriedades objetivas da matéria é enganoso. Os sentidos são a única fonte de conhecimento. O mundo consiste em pensamentos, sentimentos, sensações – “idéias” na mente dos agentes, de Deus e suas criaturas, os homens. Além disso não há nada, pelo menos no que diz respeito ao mundo material.

 

Muita coisa boa foi indubitavelmente feita, o sofrimento mitigado, a injustiça evitada ou prevenida, a ignorância revelada, pela tentativa conscienciosa de aplicar os métodos científicos à regulação dos assuntos humanos. Dogmas foram refutados, preconceitos e superstições escarnecidos com sucesso. A convicção crescente de que os apelos aos mistérios, à escuridão e à autoridade para justificar o comportamento arbitrário eram, muito frequentemente, um sem-numero de álibis indignos que ocultavam o interesse pó, a indolência intelectual ou a estupidez, foi muitas vezes triunfantemente vindicada. Mas o sonho central, a demonstração de que tudo no mundo se movia por meios mecânicos, (...) provou ser ilusório.

 

 

Um dos Inovadores Mais Audaciosos na História do Pensamento Humano

 

Giambattista Vico morreu em 1744, e desde então tem sido uma figura peculiar na história do pensamento.

 

O seu pensamento é uma floresta emaranhada de idéias seminais, alusões e citações recônditas, dissertações e divagações repentinas – rica, estranha, confusa, fascinante, imensamente sugestiva, mas ilegível. (...) Mas ele sabia que tinha feito uma descoberta de gênio.

 

Qual foi essa descoberta? O âmago dela é o seguinte: que os homens eram capazes de compreender a sua própria história de um modo não semelhante e, na visão de Vico, superior àquele como compreendiam as obras da natureza; e, como um corolário dessa proposição, que compreender alguma coisa, e não meramente ser capaz de  descrevê-la, ou analisá-la nas suas partes constituintes, era compreender como ela veio a ser – a sua gênese, o seu crescimento – e que a sua essência consiste em vir a ser o que é; em suma, que a verdadeira compreensão é sempre genética e, no caso dos homens e suas obras, sempre histórica, não eterna e não analítica.

 

Desde a metade do século XV os céticos tinham apontado que havia pouca razão para confiar nos historiadores: tendiam a ser subjetivos, enviesados e – mesmo quando não eram mercenários realmente venais e corruptos – propenso, por vaidade, orgulho patriótico, espírito partidário ou pura ignorância, a distorcer a verdade.

 

Segundo uma antiga verdade cristã, nós só podemos compreender plenamente o que nós próprios criamos.

 

Sheakspeare sabe o que é ser Hamlet porque ele o criou, mas não sabe o que é ser uma pedra ou uma arvore, porque não os criou. (...) Algo no mundo da natureza deve permanecer para sempre opaco aos nossos olhos, pois não podemos criar a matéria.

 

Há claramente um sentido em que invento a minha própria conduta, pelo menos quando estou agindo de forma consciente; e nesse caso posso perguntar não apenas o que meu corpo está fazendo, mas também o que estou pretendendo, o que os meus movimentos pretendem ser ou realizar.

 

Saber que uma arvore é mais alta do que outra, que a água extingue o fogo, que César conquistou os gauleses, ou como contar ou andar a cavalo, são tipos de conhecimento muito diferentes de saber o que é amar a pátria, temer a Deus, sentir inveja de um rival, resistir a um tirano, orar, passar fome, exercer a autoridade, defender um princípio, ser um traidor, fazer uma revolução.

 

Os mitos são modos de conceber e ordenar o mundo natural para o homem primitivo, os conceitos e categorias que regem a sua visão.

 

Para os gregos, Posêidon é o Deus que maneja tanto um tridente como todos os mares do mundo, (...)

 

Para Vico (...) o crescimento de uma língua não é meramente a evidência do crescimento da consciência da qual a língua é uma expressão, com a qual forma algo único, mas antes faz parte da própria essência desse desenvolvimento.

 

Vico acredita que todas as nações estão destinadas a passar pelos mesmos ciclos de cultura: da selvageria à barbárie e à oligarquia severa, seguida por plutocracia, democracia, liberdade de expressão, ceticismo, decadência; da piedade, severidade, disciplina passando por uma crescente permissividade e suntuosidade até o colapso.

 

É absurdo o lamento de Políbio, uns dezenove séculos antes, de que os homens poderiam ter evitado os seus erros e loucuras, se os filósofos (e não os sacerdotes) tivessem presidido seus primórdios. Vico responde a Políbio e aos racionalistas dizendo que não só a filosofia não ocorre, como nem pode ocorrer, senão num estagio avançado de cultura. A ordem do desenvolvimento é inalterável: a magia deve preceder o pensamento racional.

 

Para Vico, os primitivos não vivem e não podem viver segundo princípios invariáveis e eternos, pós nesse caso não haveria crescimento, nem mudança histórica, apenas uma eterna repetição, como na vida dos animais. O homem é uma criatura que transforma a si mesmo, a satisfação de cada grupo de necessidades altera o seu caráter e gera novas necessidade e formas de vida: ele é um crescimento perpetuo, guiado pela Providencia, que lida com as suas paixões, até com os seus vícios.

 

[Esta é a essência de sua teoria cíclica da história.]

 

 

A História Intelectual Russa

 

Quem inventou a idéia de democracia? Ou o dever, a honra, a objetividade individuo, o progresso ou qualquer um dos outros conceitos e categorias que têm domina o mundo ocidental? (...) mas as suas formulações, não importa como foram elaboradas, é que têm gerado a diferença critica e influenciado o pensamento, o sentimento e a pratica de um modo decisivo.

 

 

O Homem Que se Tornou um Mito

 

Vissarion Belinsky, maior mito russo no século XIX.

 

“Se não houvesse uma controvérsia, se não ficasse irritado, ele não falava bem; mas quando se sentia ferido, quando as suas convicções mais caras eram atacadas, os músculos de seu rosto começavam a tremer, a voz quebrava: ah, devia-se vê-lo então: ele se arremessava sobre seu adversário como um leopardo e o despedaçava, tornava-o ridículo, absurdo, patético. E, ao longo do ataque, desenvolvia o seu próprio pensamento com força e poesia espantosas.” Herzen.

 

A religião era para ele um insulto detestável à razão, os teólogos eram charlatães, a Igreja uma conspiração. Ele acreditava que a verdade objetiva podia ser descoberta na natureza pelas ciências, na sociedade pela história, e no coração dos homens pelo senso moral.

 

 

Um Revolucionário sem Fanatismo

 

Aleksandr Ivanovitch herzen nasceu em Moscou, em 6 de abril de 1812 e morreu em Paris em 21 de janeiro de 1870.

 

Memórias biográficas – Meu passado e minhas idéias. E o ensaio “Da outra margem”.

 

Herzen atacava com força especial aqueles que apelavam a princípios gerais para justificar crueldades selvagens e defendiam hoje a matança de milhares pela promessa de que milhões se tornariam com isso felizes em algum futuro invisível, fechando os olhos a desgraças e injustiças inauditas em nome de uma felicidade esmagadora mas remota. (...) Hão podemos dizer se os milhões alcançarão algum dia a feliz condição que lhes garantimos com tanta confiança; mas o que sabemos é que milhares vão morrer, sem serem ouvidos, hoje. Os fins distantes não são para Herzen fins, mas uma ilusão monstruosa – os fins devem estar mais ao alcance da mão, “a diária do trabalhador, ou o prazer pelo trabalho executado”.

 

Como pensador, ele é iluminista cético. Pertence à tradição de todos os que protestam contra o despotismo onde quer que o encontrem, não apenas na opressão dos padres, reis ou ditadores, mas no efeito desumanizador daquelas vastas cosmologias que minimizam o papel do indivíduo, sujeitam sua liberdade, reprimem seu desejo de auto-expressão, e ordenam que se humilhe diante das grandes leis e instituições do universo, inamovíveis, onipotentes e eternas, em cujo campo de visão a escolha humana livre não passa de uma ilusão patética.

 

Se permitirem algum dia que o comunismo – a revolta das massas – varra a Europa, será “terrível, sangrento, injusto, rádio”, e, em nome do sangue e das lagrimas dos oprimidos, vai dizimar tudo que é caro aos homens civilizados.

 

Ele via a salvação na organização comunal do campesinato russo, (...) Tinha de certo modo se convencido de que os camponeses russos não corrompidos, com seu socialismo natural, bastariam para resolver o “maior problema social” do século – como reconciliar as reivindicações da liberdade individual com as exigências de uma autoridade inevitavelmente cada vez mais centralizada, como preservar a vida pessoal sem “atomizar” a sociedade, o dilema central que o mundo ocidental não conseguira até então resolver. A produção coletivizada junto com a preservação dos direitos e liberdades dos indivíduos – direitos e liberdades pelos quais nem Marx, nem Cabet, nem Louis Blanc, na opinião de Herzen, tinham demonstrado o menor interesse – essa é a resposta com que o camponês russo vai assombrar o mundo.

 

Para Herza, a nova geração niilista diria: “Vocês são hipócritas, seremos cínicos; vocês falavam como moralistas, falaremos como patifes; vocês eram polidos com seus superiores, rudes com seus inferiores; seremos rudes com todo mundo; vocês se inclinavam sem sentir respeito, empurraremos e daremos cotoveladas sem pedir desculpas...”

 

Herzen chamava os marxistas de marxcidas.

 

Herzen declara mais de uma vez que as palavras e as idéias não oferecem substituto para a experiência, que a vida está cheia de exceções e abala as regras e os sistemas mais bem-feitos.

 

Para Herzen os grandes problemas tradicionais que agitam perenemente a mente dos homens não têm soluções gerais; que todas as questões genuínas são necessariamente especificas, solúveis apenas em contextos específicos; que os problemas gerais, como “Qual é o fim (ou o significado) da vida?”, não são respondíveis em princípio, não porque sejam demasiado difíceis para nossos intelectos finitos, mas porque as próprias questões são concebidas erroneamente, porque os fins, os padrões, os significados, as causas diferem com a situação, a perspectiva e as necessidades de quem questiona, e só podem ser correta e claramente formulados se fazem parte da questão.

 

Herzen jamais esqueceu que os seres humanos reais e os problemas específicos podem ser perdidos de vista no meio das generalizações estatísticas.

 

 

 

Acreditava que as idéias na cabeça dos homens podiam ser decisivas na geração de grandes mudanças sociais, tanto boas como más; e a história recente da oscilação entre as tiranias de direita e as ditaduras de esquerda não refuta essa proposição.

 

 

O Papel da Intelligentsia

 

A palavra intelligentsia tem origem russa e foi inventada em algum momento das décadas de 186 e 1870.

 

A idéia de que um homem desempenha papeis era rejeitada pelos homens de letras russos mais famosos, porque eles acreditavam que o homem era um só, que qualquer forma de compartimentá-lo era uma mutilação dos seres humanos e uma distorção da verdade,

 

A tentativa de se agarrar a alguma ordem existente e de racionalizar a defesa dessa ordem como uma espécie de dever intelectual torna-se uma forma de intolerância, uma supressão da liberdade de expressão e da própria liberdade.

 

O que torna alguém membro da intelligentsia é uma combinação de crença na razão e no progresso com uma profunda preocupação moral pela sociedade.

 

 

Liberdade

 

O que é liberdade política? No mundo antigo, em particular entre os gregos, ser livre era ser capaz de participar no governo da sua cidade.

 

O mundo antigo supunha que a vida era uma, e que as leis e o governo abrangiam sua totalidade – não havia razão para proteger nenhum de seus recantos contra essa supervisão. No mundo moderno, procedemos baseados no pressuposto de que há uma fronteira entre a vida publica e a privada; e de que, por menor que possa ser a esfera privada, dentro dela posso fazer o que quiser – viver como me dá prazer, acreditar no que sinto vontade, dizer o que me agrada -, desde que isso não interfira nos direitos semelhantes de outros, nem solape a ordem que torna esse tipo de arranjo possível.

 

Se substituímos os pais por uma Igreja, um partido ou um Estado, obtemos uma teoria em que se baseia grande parte da autoridade moderna. Dizem-nos que obedecer a essas instituições não é senão obedecer a nós mesmos, e portanto não é escravidão, pois essas instituições encarnam a nós mesmos nas nossas melhores e mais sábias condições, e o autodomínio não é restrição, o autocontrole não é escravidão.

 

Na visão liberal, os direitos humanos, e a idéia de uma esfera privada em que estou livre de escrutínio, são indispensáveis àquele mínimo de independência que todos necessitam, se quiserem se desenvolver, cada um segundo sua própria linha; pois a variedade é da essência da raça humana, e não uma condição efêmera. Os que propõem essa visão acham que a destruição desses direitos para construir uma sociedade humana universal que se orienta por si mesma – todos marchando para os mesmo fins racionais – destrói aquela área de escolha individual, por menor que seja, sem a qual a vida não parece valer a pena.

 

 

A Filosofia de Karl Marx

 

Marx acreditava que o homem era um objeto na natureza, um bloco tridimensional de carne, sangue e ossos ao qual as leis da natureza descobertas pelas ciências não se aplicavam menos plenamente do que a outros objetos materiais. Como esses materialistas, ele negava a existência de uma alma imaterial, de substancias espirituais de qualquer tipo e, portanto, de Deus, e considerava a teologia e a metafísica tramas de falsidade que usurpavam o lugar das ciências naturais, (...)

 

Para Marx, os homens são feitos como são e diferem uns dos outros não por alguns princípios interiores fixos de sua natureza – pois esses não existem -, mas por meio do trabalho que não podem deixar de fazer para satisfazer suas necessidades. Sua organização social é determinada pelos modos como trabalham e criam a fim de preservar ou melhorar sua vida.

 

A tecnologia criada pelo homem determina as idéias e as formas de vida, e não o contrário: são as necessidades que determinam as idéias, e não as idéias que determinam as necessidades.

 

A liberdade é o controle planejado de recursos disponíveis; quanto mais racional o método de controle, quanto mais amplos os recursos, quanto maior o n úmero de pessoas que exercem esse controle – maior a liberdade.

 

Marx acreditava que a história era a chave para compreender o homem e seus atributos: pos havia um padrão discernível e uma meta inteligível no desenvolvimento das capacidades humanas. Certos tipos de atividade, intelectual ou prática, não poderiam ocorrer até e a menos que as faculdades apropriadas tivessem se tornado suficientemente desenvolvidas; isso estimulava o surgimento de novas faculdades e atividades, nem possíveis, nem concebíveis num estagio anterior. (...) A verdade e a falsidade, a profundidade e a superficialidade, para Marx, estão necessariamente relacionadas com os mundos sociais a que as idéias em questão organicamente pertencem.

 

Hegel tinha ensinado que o progresso humano ocorria na forma de uma espiral “dialética” descontínua, caracterizada por saltos repentinos de um estágio para outro. Para Hegel, cada estágio no caminho atravessado historicamente pelos seres humanos assume a forma de uma tensão entre uma atitude dominante – encarnada em ações e instituições apropriadas – e seu oposto, algo que luta contra aquela atitude a partir de dentro; (...)

 

A noção de que o conflito e a crise são a única causa do progresso ~e tão antiga quanto Heráclito, mas Marx traduziu as categorias hegelianas do espírito e seu aparato lógico em categorias e aparato sociológicos. Para ele, o desenvolvimento histórico consistem em conflito gerado em primeiro lugar pelas necessidades materiais e invenções tecnológicas, e não ocorre na mente dos homens, mas na sociedade – entre grupos de homens em guerra uns com os outros.

 

[Mas o que é desenvolvimento? O que é progresso?]

 

Conceito de “mais-valia” de Marx significa apropriar-se da diferença entre o que custa para manter os operários ativos e capazes de produção e o valor de seus produtos. É dessa mais-valia que todo capital é formado, e é para garanti-la que a luta de classes é travada.

 

Quanto à ilusão de que existem valores humanos universais, ou de que as instituições criadas pelos senhores talvez sejam corretas ou benéficas para os oprimidos – isso é para ele uma forma de “alienação”, uma companheira inevitável do doloroso progresso da humanidade.

 

A “alienação” é inevitável, segundo Marx, enquanto a vida dos homens for dominada pela guerra das classes. Só quando a última classe na escada das classes, o proletariado, (...) triunfar sobre seus opressores, apenas então a dialética histórica atingirá a sua resolução final. A guerra das classes cessará; e as idéias e instituições que foram usadas por um conjunto de homens contra a liberdade de outros serão substituídas por instituições e idéias úteis a toda a humanidade.

Se tudo o que importa na vida humana é condicionado pela classe a que um homem pertence, e pela posição dessa classe na guerra das classes, segue-se que as idéias do homem, por mais poderosa que seja a sua influência, devem ser determinadas pelo seu status social e econômico,e não o contrário. Portanto, Marx considera as idéias um elemento na superestrutura, que é determinada pela “estrutura” básica, isto é, a constituição econômica de um dado grupo humano, ele próprio determinado pelos instrumentos de produção que estão em uso, e por quem os controle. A essas superestruturas Marx dá o nome de ideologias.

 

Para Marx, a humanidade está marchando numa única direção, até não haver mais classes a serem vencidas e os homens ficarem livres da distorção a que a luta de classes os condenava, e poderem enfim empreender a tarefa de organizar sua vida em conjunto de maneiro racional. Nenhum ser racional deseja ser frustrado ou destruído. Um homem racional é alguém que compreende as leis e os fatores que operam em sua sociedade. Pedir o impossível é irracional; acreditar no impossível é ser enganado por uma utopia.

 

A justiça, a misericórdia, a liberdade são para ele ficções mentirosas.

 

A visão dos ideais como ilusões meramente racionalizadoras (“ideologias”) e a visão dos ideais como algo determinado por esse tipo de utilitarismo cósmico nunca são plenamante conciliadas nos escritos de Marx.

 

Para Marx, o Estado deve desaparecer: pois, com a vitória do proletariado, não sobrara ninguém para coagir. Os homens racionais não discordarão sobre os fins: os desacordos serão apenas tecnológicos.

 

 

O Pai do Marxismo Russo

 

O principal fundador do socialismo organizado na Rússia, Georgi Valentinovitch Plekhanov, nasceu em 1856, perto da cidade de Tambov, na Rússia Central. (...) Morreu em 30 de maio de 1918 num sanatório na Finlândia, denunciando até o fim a traição de Lênin a tudo que tinham lutado juntos para conseguir, e sua iniciativa de desencadear a violência e a desordem no país. O funeral de Plekhanov transformou-se numa imensa, ordenada e comovedora demonstração de seus amigos mais antigos, os operários de Petersburgo.

 

Os populistas russos acreditavam que não era fácil realizar esse programa no Ocidente, pois ali a Revolução Industrial tinha destruído a base para o socialismo ao atomizar a sociedade num caos de informações egoístas envolvidos numa competição encarniçada.

 

Plekhanov acreditava em tudo isso, mas com uma diferença. Os populistas eram na maioria semi-instruídos, emocionalmente exaltados, confusos, idealistas heroicamente desinteressados, que se atiravam no movimento sagrado com tudo o que possuíam. Para essas pessoas, a própria idéia de prudência ou paciência sugeria algo mesquinho, covarde e insincero.

 

A maioria dos populistas passou a acreditar cada vez mais no terrorismo como o único método accessível a uma minoria revolucionária para derrubar o regime perverso, e depois dessa mudança, estavam convencidos, o novo mundo livre e moralmente puro nasceria por si mesmo das cinzas do antigo. Plekhanov, do começo ao fim da sua vida, denunciou que isso não passava de um conto de fadas. Acreditava que apenas a compreensão das leis permanentes que regem a vida social e individual podem transformá-la de forma definitiva; (...)

 

A possibilidade de preservar a comuna de aldeia, em que os populistas tinham depositado a fé mais profunda, era um sonho. O que os camponeses desejavam não era a posse comunal, mas a propriedade privada; em outras palavras, queriam se tornar eles próprios capitalistas.

 

Não era de todo surpreendente que no final ele não pudesse engolir Lênin, em quem tinha detectado desde cedo um desejo quase monomaníaco pelo poder e uma total falta de escrúpulos.

 

Plekhanov começou aos poucos a compreender que aquilo que Lênin projetava sem escrúpulos era precisamente esse tipo de tomada prematura do poder, não pela maioria do povo, mas em seu nome, por um grupo autonomeado de conspiradores.

 

 

Realismo na Política

 

“Realismo” normalmente significa a percepção correta das características de acontecimentos, fatos ou pessoas sem as distorções produzidas por sentimentos como esperança, medo, amor ou ódio, ou por uma disposição a idealizar, depreciar ou qualquer outra atitude que interfira na observação acurada (ou na ação nela fundamentada) como resultado de algum tipo de pressão emocional. Tem um outro sentido mais sinistro, quando as pessoas dizem que (“receiam que”) são “realistas” – em geral para justificar alguma decisão inusitadamente vil ou brutal.

 

A visão de que é mais provável que o cruel e o desagradável seja verdadeiro ou “real” do que o seu oposto é uma forma de pessimismo sarcástico (ou selvagem), tão romântico e tão pouco confirmado pela evidencia da observação empírica quanto o humanitarismo otimista da Era da Razão; (...)

 

O modo de governar era uma ciência como a engenharia ou a agricultura; era algo com métodos próprios fundamentados no estudo racional da natureza humana, fruto da observação, da lógica e do experimento. Essa ciência não era um mistério; podia ser aprendida, ensinada a outros, aplicada por especialistas, melhorada e expandida num grau ilimitado, para beneficio duradouro da humanidade

Essa doutrina otimista (e, por ser determinista, um tanto incoerente) foi menos desacreditada pelos argumentos de seus opositores – teólogos, reacionários políticos, românticos anti-racionalistas – do que pelo fracasso da Revolução Francesa, que de certo modo solapou o prestigio da filosofia do Iluminismo (ao menos no continente europeu), quase como a Revolução tussa e seu fruto ilegítimo, o fascismo, solaparam as crenças dos liberais vitorianos. Ainda assim, a convicção de que a história obedece a leis, de que os atos dos seres humanos são calculáveis, de que é possível desenvolver uma ciência natural do comportamento humano, é uma obsessão humana perene e persistiu no século XIX.

 

Mas algo sempre dava errado. Os acontecimentos nunca tomavam a forma em que os especialistas tinham com tanto fervor acreditado, que eles tinham tão constantemente antecipado. (...) Começamos a suspeitar que estamos lidando com algo que meras emendas das teorias não podem consertar – indicando que talvez a própria aplicação das teorias do desenvolvimento histórico às sociedades humanas esteja fadada ao fracasso – que o sentido pejorativo atribuído pelo uso popular a termos como “doutrinário” ou “teórico” na céptica não é mero obscurantismo, mas reside num sentimento justo de que erros estão sendo cometidos, de que algo não se encaixa.

 

(...) as teorias de como a sociedade pode ser alterada raramente correspondem à pratica.

 

[Lênin e outros] conseguiram apenas perturbar de forma violenta e permanente a ordem que encontraram, produzindo uma nova situação não esperada nem por eles próprios, nem por seus inimigos.

 

Na prática, os fatos são números demais, complexos de mais, breves de mais, minúsculos demais, as armas teóricas à nossa disposição abstratas demais, os modelos distantes demais de qualquer coisa que não sejam as situações estereotipadas, inusitadamente simples.

 

 

As Origens de Israel

 

Talvez haja uma qualidade que os estadistas desse tipo têm em comum, (...) que provêem de manterem-se afastados, a certa distância, do povo cujo destino é objeto de seu empenho, e de tenderem a ver as coisas segundo padrões simples (...). Os que estão de fora romantizam e simplificam exageradamente com muito mais facilidade: a familiaridade gera, se não desprezo, pelo menos um ceticismo e um derrotismo corrosivo.

 

Apesar de tudo que ouvimos sobre as leis inexoráveis da história (...) uma coisa parece clara: as grandes revoluções, as tentativas de convulsionar a sociedade existente e alterar o curso dos acontecimentos, produzem às vezes uma ruptura e mudam as coisas em profundidade, mas raramente na direção que seus iniciadores anteciparam ou desejaram.

 

Se não fossem o caráter e as necessidades dos judeus europeus orientais [Russos, em essência], não teria havido Israel.

 

Seria bem possível a pergunta de como um Estado pode ser construído artificialmente. É de fato viável criar uma sociedade pré-fabricada?

 

Dois tipos de instituições sustentavam a comunidade judaica. Por um lado, havia a religião judaica e o modo de viver judaico religioso e tradicional, que, nas condições de depressão comum, miséria comum e sofrimento comum, desenvolveu um profundo senso de igualdade, de modo que todos, ricos ou pobres, homens que eram relativamente influentes e homens que não o eram, sentiam-se ligados por laços particulares de solidariedade e fraternidade a que a escravidão comum em geral induz.

 

Todo o calor, o humor e o vigor, a expressividade magnífica do iídiche, toda a alegria e as lágrimas de muitos séculos de exílio nele contidas, não podem compensar o fato de que é um jargão; de que, como todas as coisas criadas em condições degradas de vida, é informe, insuficientemente disciplinado e estrito, exageradamente elástico, enquanto o hebraico se tornou um instrumento para aumentar a dignidade humana, um meio de recriar um grau mínimo de disciplina tanto da emoção como da razão.

 

É um fato triste e melancólico, e altamente desabonador para a natureza humana, que as guerras produzem uma coesão, uma solidariedade, um entusiasmo comum que poucos outros fenômenos criam.

 

O sangue dos mártires tinha sem duvida avivado aquelas sementes do espírito nacional que de outro modo talvez tivessem levado muito mais tempo para se desenvolver.

 

(...) em termos das leis da economia, da sociologia e de muitas outras ciências sociais respeitadas, eles deveriam ter fracasso há muito tempo.

 

 

(...) embora o homem proponha, as focas da história dispõem de maneira muito diferente.

 

A principal obrigação dos seres humanos me parece consistir em levar a vida de acordo com o poder de sua inteligência e em desenvolver as faculdades que possuem sem causar dano a seus vizinhos, (...)

 

Não há nada inatural no fato de que existem pessoas que não desejam passar a vida no luto pelos 6 milhões de judeus mortos. (...) Desejam ser simples, sem complicações, e abandonar as neuroses de seus ancestrais, sem lembretes perpétuos de suas desgraças passadas.

 

Os judeus estiveram no exílio na Diáspora; e agora, para fugir a suas dificuldades e cargas, eles voluntariamente se exilaram numa espécie de imenso gueto próprio, que ainda possui todas as características daqueles dos quais saíram, mais os desconfortos do Oriente Médio.

 

 

Escravidão e Emancipação Judaicas

 

Os estranhos ficam primeiro perplexos com essa sensação de distância, depois se enchem de indignação e protestam; como é possível que sejam tratados como sendo em certo sentido alienígenas, eles que deram sua vida, seu tesouro e todas as suas energias intelectuais e morais para o bem-estar doméstico e a justificação externa da comunidade nativa – eles que fizeram muito mais do que os próprios nativos parecem dispostos a fazer? Mas é precisamente por essa razão que são percebidos como outsiders – sua compreensão é demasiado água, sua devoção demasiado grande, são especialistas na tribo, e não seus membros. São seus criados, talvez seus salvadores, mas não possuem homogeneidade com a tribo. São demasiado ansiosos por agradar; na verdade, ansiosos demais por ser o que quer que afirmam tanto certamente ser.

 

Nesses momentos o que os nativos sentem não é tanto que as informações que recebem sejam em si mesmas intragáveis, embora possa muito bem ser assim, mas que aqueles que as transmitem ocupam algum ponto de observação externo, e que o diagnostico é um pouco objetivo demais e frio demais, que aqueles que o pronunciam são em certo sentido especialistas estrangeiros, identificados com o destino de seu cliente de forma não “orgânica”, mas por algum acaso fortuito. Conseqüentemente a tribo se vira contra eles, e persegue-os com uma ferocidade particular quanto mais eles falam, por mais verdadeiras, valiosas ou importantes que sejam suas palavras.

 

Outros estranhos se contentam em se reconhecer pelo que os outros acham que são, acreditam em religiões estranhas, seguem costumes não conhecidos...

 

Os judeus, como os estranhos que procuram se perder no meio da tribo estranha, descobrem-se compelidos a dedicar todas as suas energias e talentos à tarefa de compreensão e adaptação de que sua vida depende a cada passa.

 

As pessoas são o que aqueles que com elas lidam acham que elas são, e não necessariamente o que elas próprias pensam ser.

 

Os judeus nesses círculos agiam como uma espécie de seres humanos deformados, vamos dizer, corcundas, e podiam ser distinguidos em três tipos, segundo as atitudes que adotavam para com as corcundas:

  1. os que sustentam não ter corcunda alguma.
  2. os que não escondem o fato de terem uma corcunda e que por isso mesmo são seres superiores;
  3. e os aleijados tímidos que tendem a usar mantos volumosos para esconder os contornos e que, por não mencionarem o fato nunca, pensam poder reduzir a importância da corcunda.

 

Cada categoria considera os membros da outra com algum desagrado por adotarem uma política absurdamente errada e estarem assim sujeitos a comprometer os sábios junto com os tolos.

 

As associações de judeus com o objetivo de promover a assimilação se parecem muitíssimo com os encontros públicos de pessoas reunidas para protestar contra a perigosa prática de realizar encontros públicos.

 

Desde a destruição do Estado judaico pelos romanos, cada indivíduo judeu nunca esteve em melhor posição de escolher seu modo de vida por si mesmo, com todas as suas qualidades resultantes.

 

 

A Liderança de Chaim Weizmann

 

Essas pessoas muitas vezes se mantêm, num certo sentido, fora dos movimentos que os idolatram; são percebidas como em carnações de virtudes maiores – e mais misteriosas – do que aquelas que seus seguidores podem imitar: lideram seus exércitos para a gloria ou para a destruição, não por levarem em consideração os obstáculos em seu caminho, mas por ignorá-los; a fé é seu atributo individual mais forte, a luz que ela irradia é tão intensa que chega a obscurecer a irregularidade e os perigos à espreita no caminho que está sendo percorrido, e a criar a ilusão de algo direto, luminoso e irresistível – a estrada única para a salvação. Esses lideres tendem a ser um tanto inumanos – porque em vez de compreender os detalhes da vida e o caráter de seu próprio povo e de outros povos, eles simplificam demais, criam um mito radiante com o qual se identificam, e que seus seguidores trazem no coração.

 

(...) esses homens se tornam heróis lendários não apenas aos olhos de seus seguidores, mas a seus próprios olhos; e comente atos de bravura em nome de um conceito externalizado de si mesmos no qual acreditam e ao qual servem.

 

O sucesso de cruzados veementes e fanáticos provém, com muita freqüência, do fato de que, armados com uma doutrina ou “ideologia”, em lugar de humanidade e realismo, eles se arremessam contra obstáculos aparentemente insuperáveis porque sentem que não têm nada de valioso a perder: a “causa”, a ideologia, é tudo que consideram sagrado, estão distantes dos sofrimentos dos seres humanos que inevitavelmente pisoteiam, e, sendo moralmente imunes a considerações humanas, eles às vezes conseguem triunfantemente seu intento contra enormes desvantagens.

 

 

A Busca de Status

 

Falamos com muita freqüência das demandas de liberdade feitas pelas classes ou nacionalidades oprimidas. Mas nem sempre é a liberdade individual, nem mesmo a igualdade individual, o que eles antes de mais nada desejam. (...) O que eles querem, muitas vezes, é apenas reconhecimento – de sua classe ou nação, cor ou raça – como uma fonte independente de atividade humana (...). O paternalismo é “o maior despotismo imaginável”, disse Immanuel Kant; o paternalismo é despótico porque é um insulto a minha concepção de mim mesmo como ser humano, determinado a construir minha vida de acordo com meus propósitos (...) O que eu sou é, em grande parte, determinado pelo que sinto e penso; e o que sinto e penso é determinado pelo sentimento e pelo pensamento predominantes na sociedade a que pertenço.

 

Esse pé o âmago do grande grito por reconhecimento, tanto da parte de indivíduos como de grupos, e, nos nossos dias, de profissões e classes, nações e raças.

 

O privilégio doloroso de escolher – “a carga da liberdade”.

O grosso da humanidade tem por certo se mostrado disposto, na maioria das vezes, a sacrificar a liberdade individual a outras metas: segurança, status, prosperidade, poder, virtude, recompensas o próximo mundo; ou justiça, igualdade, fraternidade, e muitos outros valores que são total ou parcialmente incompatíveis com o maior grau de liberdade individual (...).

 

A estrada para um ideal também conduz de algum modo a seu contrário. Os homens querem demais: querem o que é logicamente impossível. É por essa razão que símbolos sagrados como “liberdade”, “democracia” e “direitos” de autogoverno abrangem uma multidão de ideais que entram em conflito uns com os outros.

 

No final, todos pagamos um preço muito elevado por nosso desejo de desviar os olhos dessas verdades, por ignorar essas distinções em nossas tentativas de cunhar palavras que abranjam tudo que desejamos, em suma, por nosso desejo de sermos enganados.

 

A Essência do Romantismo Europeu

 

Disse um famoso poeta e critico francês nos primeiros anos do século XX: “Ninguém pode se embriagar ou matar a sede com os rótulos de uma garrafa.”

 

Entre os pensadores, há uma noção comum de que a verdade não é uma estrutura objetiva, independente daqueles que a procuram, o tesouro escondido à espera de ser descoberto, mas é ela própria em todas as suas formas criada por quem a procura.

 

O fracasso é mais nobre que o sucesso. A auto-imolação por uma causa é o que importa, e não a validade da própria causa, pois é o sacrifício empreendido pela causa que a santifica, e não alguma sua propriedade intrínseca. Esses são os sintomas da atitude romântica.

 

 

A Educação Geral

 

O iluminismo (...) deu origem a uma revolta democrática contra a própria noção de que os seres humanos devem ser moldados por grupos paternalistas ou de qualquer outro tipo autoritário; a uma rejeição violenta da noção de que os homens devem ser fabricados como tijolos para estruturas sociais projetadas por ou para o beneficio de algum grupo ou líder privilegiado; (...)

 

“O irresistível é muitas vezes apenas aquilo a que não se resiste.” Juiz Brandeis

 

É a capacidade de chegar a uma clara percepção das estruturas de pensamento e conhecimento, de suas similaridades e diferenças, de seus métodos de descoberta e invenção e seus critérios de verdade e validade que eleva os homens intelectualmente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Glossário:

 

Monismo – Antiga crença de que há uma única harmonia de verdades a que tudo, se for genuíno, deve se ajustar no final. Apenas um conjunto de valores é verdadeiro, todos os outros são falsos.

 

Determinismo – declara que todo acontecimento tem uma causa, da qual inevitavelmente se segue. Uma ordem eterna que as ciências investigam.

 

Truísmo – verdade tão evidente que não é necessário ser enunciada.

 

 

 

TEMAS

 

Os Círculos

O Estranho

O Determinismo

O Preconceito

A Religião

A Crença

A Verdade

A Realidade

A Percepção

O Comunismo – um sistema perfeito

O Nazismo – um ser humano perfeito

O Liberalismo – um ambiente perfeito

O Socialismo – sistema, ambiente e seres humanos perfeitos

A Democracia

O Egocentrismo