EXTRATO DE: HOMO Deus

Uma Breve História do Amanhã

Autor: Yuval Noah Harari

Ed. Companhia das Letras (2015/2016)

 

 

A Nova Agenda Humana

 

Mais pessoas cometem suicídio do que todas as que, somadas, são mortas por soldados, terroristas e criminosos. (...) Em 2012, 800 mil cometeram suicídio no mundo, e 1,5 milhão morreram de diabetes.

 

No futuro um país poderia utilizar bombas lógicas para fazer trens colidirem em Michigan.

 

Anton Tchekhov: Se uma arma aparece no primeiro ato de uma peça, é inevitável que seja disparada no terceiro.

 

O terrorismo é uma estratégia de fraqueza adotada por aqueles que carecem de acesso ao poder de fato [mas o desejam a qualquer custo]. (...) Na essência, o terrorismo é um show [objetivando nossa atenção].

 

Em 2010, enquanto a obesidade e doenças relacionadas a esse mal mataram cerca de 3 milhões de pessoas, terroristas mataram 7.697 indivíduos.

 

Na maioria dos casos, a perseguição a populações inteiras ou a invasão de países estrangeiros representa um perigo muito maior a nossa segurança do que aquele decorrente de atentados terroristas.

 

A História não tolera o vazio. Se as ocorrências de fome, pestes e guerra estão decrescendo, algo está destinado a tomar seu lugar na agenda humana.

 

Quando chega o momento de optar entre crescimento e estabilidade ecológica, políticos, executivos e eleitores sempre preferem o crescimento. No século XXI, teremos de fazer melhor do que isso se quisermos evitar a catástrofe.

 

A reação mais comum da mente humana a uma conquista não é satisfação, e sim o anseio por mais. Quando estivermos de posse de novos e imensos poderes, e quando a ameaça da fome, das pestes e da guerra por fim for afastada, o que faremos? O que farão o dia inteiro cientistas, investidores, banqueiros e presidentes? Escrever poesia?

 

O sucesso alimenta a ambição (...) as próximas metas da humanidade serão provavelmente a imortalidade, a felicidade e a divindade. (...) Tendo elevado a humanidade acima do nível bestial da luta pela sobrevivência, nosso propósito será fazer dos humanos deuses e transformar o Homo Sapiens em Homo deus.

 

O "direito à vida" é o valor fundamental da humanidade. Por se constituir em uma clara violação desse direito, a morte é um crime contra a humanidade.

 

Tente imaginar o cristianismo, o islamismo ou o hinduísmo em um mundo sem mortes - o que seria também um mundo sem céu, inferno ou reencarnação.

 

Na verdade para pessoas modernas a morte é um problema técnico que pode e deve ser resolvido.

 

Humanos morrem devido a alguma falha técnica. (...) Nada metafísico. Somente problemas técnicos.

 

A morte tornou-se um motivo quase automático para processos legais e investigações. "Como é possível que tenham morrido? Alguém, em algum lugar, meteu os pés pelas mãos."

 

O Google criou o projeto Calico, cuja missão declarada é "resolver a morte". Também está investindo 36% de sua carteira de 2 bilhões de dólares na área de biociência, inclusive com projetos ambiciosos relacionados com a prorrogação da vida.

 

Peter Thiel (fundador do PayPal): Acredito que existem 3 modos de encarar a morte: você pode aceita-la, negá-la ou combatê-la.

 

Qualquer pessoa que tenha um corpo saudável e uma igualmente saudável conta bancária terá em 2050 uma chance séria de imortalidade, enganando a morte uma década por vez.

 

Em 1900, quem escapava à fome, à peste, à guerra podia viver até os setenta ou oitenta anos, que é a duração de vida natural do Homo Sapiens. Galileu Galilei morreu com 77 anos, Isaac Newton com 84, e Michelangelo viveu 88 anos, sem a ajuda de antibióticos, vacinas ou transplante de órgãos.

 

Na Grécia antiga, o filósofo Epicuro explicou que o culto a deuses é um desperdício de tempo, que não há existência após a morte e que a felicidade é o único propósito da vida.

 

Para Epicuro, no longo prazo, uma amizade profunda provoca mais alegria do que uma orgia frenética.

 

Em 1985, a Coréia do Sul era um país relativamente pobre, ligado a tradições rígidas e governado por um regime autoritário. Hoje é uma das principais potencias econômicas, seus cidadãos estão entre os mais instruídos no mundo e ela usufrui de um regime estável e comparativamente liberal e democrático. Contudo, em 1985 cerca de nove em cada 100 mil coreanos se mataram; atualmente, a taxa anual de suicídio é de 36 em cada 100 mil.

 

Os japoneses na década de 1990 estavam tão satisfeitos - ou insatisfeitos - quanto estavam na década de 1950.

 

No nível psicológico, a felicidade depende mais de expectativas do que de condições objetivas.

 

O que faz as pessoas infelizes são as sensações desagradáveis verificadas no próprio corpo.

 

Por gerações incontáveis nosso sistema bioquímico adaptou-se à necessidade de aumentar nossas probabilidades de sobrevivência e reprodução, não de promover nossa felicidade.

 

Os desafios de ontem tornam-se, rápido demais, o tédio de hoje. [Então] Qual o sentido de correr atrás de algo que desaparece tão rápido quanto surge?

 

Um número crescente de crianças em idade escolar toma estimulantes como a Ritalina. Em 2011, 3,5 milhões de crianças americanas tomaram medicamentos para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. No Reino Unido, o número se elevou de 92 mil crianças em 1997 para 786 mil em 2012. O objetivo original consistia em tratar distúrbios de atenção, mas hoje crianças totalmente saudáveis ingerem esses remédios para melhorar o desempenho e atender às crescentes expectativas de país e professores. Muitos se opõem a isso e alegam que o problema está no sistema educacional e não nas crianças. Se existem alunos que sofrem de transtornos de atenção e estresse e tiram notas baixas, talvez a culpa deva ser atribuída aos métodos de ensino antiquados, às classes lotadas e a um ritmo de vida que não é natural, talvez devamos modificar as escolas, e não as crianças. (...) Mas há um ponto com que todos sempre concordaram: para poder melhorar a educação, era preciso mudar as escolas. Hoje, pela primeira vez na história, algumas pessoas pensam que seria mais eficaz mudar a bioquímica dos alunos.

 

Dois soldados podem estar ombro a ombro em uma tocaia - um vai ficar paralisado pelo terror, perder a noção do que está acontecendo e ter pesadelos durante anos depois do ocorrido e o outro vai avançar corajosamente e ganhar uma medalha. A diferença está na bioquímica dos soldados.

 

55% dos presos no Reino Unido relataram ter cometido seus crimes em conexão com o consumo ou o tráfico de drogas.

 

Não importa quantas sensações de bem-aventurança ou excitação alguém possa experimentar - elas sempre serão insuficientes.

 

Como a evolução não adaptou o Homo Sapiens a experimentar um prazer constante, e se é isso que, mesmo assim, a  humanidade deseja, sorvete e smartphone não vão fornecer o prazer procurado.

 

Na busca de saúde, felicidade e poder, os humanos modificarão primeiro uma de suas características, depois outra, e outra, até não serem mais humanos.

 

Ninguém é capaz de predizer qual será o aspecto da economia global daqui a dez anos, e ninguém tem uma pista de para onde estamos indo nessa carreira desabalada. Como ninguém compreende o sistema como um todo, ninguém pode fazê-lo parar.

 

A economia moderna precisa de um crescimento constante e por tempo indefinido para sobreviver.

 

Considerando o que fizemos no passado e nossos valores atuais, é provável que saiamos em busca da felicidade, da divindade e da imortalidade, mesmo que isso acabe por nos matar.

 

PARTE I - O HOMO SAPIENS CONQUISTA O MUNDO

 

O cristianismo sustentava que os  humanos deveriam manter o domínio sobre o resto da criação porque o Criador lhe outorgara essa autoridade. (...) Assim, os humanos tornaram-se o ápice da criação, ao passo que todos os demais organismos são empurrados para o segundo plano.

 

No cosmo teísta, todas as entidades não humanas foram silenciadas. Consequentemente, não é mais possível falar com árvores e com animais. O que fazer então quando alguém quisesse que as árvores dessem mais frutos, as vacas dessem mais leite, as nuvens trouxessem mais chuvas e os gafanhotos deixassem suas colheitas em paz? É aí que deuses entram em cena.

 

Organismos não humanos não têm valor intrínseco e existem somente para nosso beneficio.

 

[Religiões teístas: jainismo, hinduísmo, islamismo, cristianismo, judaísmo...]

 

[Religiões não-teístas: budismo, comunismo, socialismo, capitalismo...]

 

A revolução agrícola (que começou há cerca de 12 mil anos) foi uma reforma tanto econômica quanto religiosa. Novos tipos de relações econômicas emergiram juntamente com novos tipos de crenças religiosas e justificavam a exploração brutal de animais.

 

O teísmo justificava a agricultura tradicional em  nome de Deus, ao passo que o humanismo justifica a moderna lavoura industrial em nome do Homem.

 

Será que a vida humana é mais preciosa que a vida dos suínos simplesmente porque o coletivo humano é  mais poderoso do que o coletivo suíno? Os EUA são muito mais poderosos do que o Afganistão; isso implica que a vida dos americanos tem valor intrínseco maior do que a vida dos afegãos?

 

A vida de uma criança nas montanhas de Tora Bora é considerada em cada detalhe tão sagrada quanto a vida de uma criança em Beverly Hills.

 

A crença de que os seres humanos têm almas eternas, ao passo que animais são apenas corpos evanescentes, constitui-se no pilar central de nossos sistemas legal, político e econômico.

 

A evidência científica de que, ao contrário dos porcos, os humanos têm alma é igual a zero.

 

De acordo com uma pesquisa Gallup de 2012, apenas 15% dos americanos pensam que o Homo Sapiens evoluiu somente pela seleção natural, sem nenhuma intervenção divina; 32% sustentam que os humanos podem ter evoluído de formas de vida anteriores num processo que levou milhões de anos mas que Deus orquestrou todo esse espetáculo; 46% acreditam que Deus criou os humanos em sua forma atual em algum momento dos últimos 10 mil anos, exatamente como relata a Bíblia. Passar três anos numa faculdade não exerce nenhum impacto na formação dessas opiniões.

 

A seleção natural pode produzir um olho humano porque os olhos têm partes. Mas a alma não. Se a alma do Homo Sapiens evoluísse passo a passo a partir da alma do erectus, quais exatamente seriam esses passos? Há alguma parte da alma que é mais desenvolvida no Homo Sapiens do que no erectus?

 

A molécula de DNA é um veículo de mutação, e não o trono da eternidade. Isso aterroriza muita gente, que prefere rejeitar a teoria da evolução a desistir de suas almas.

 

Toda experiência subjetiva apresenta duas características fundamentais: sensação e desejo.

 

As ciências biológicas afirmam atualmente que todos os mamíferos e todas as aves, e pelo menos alguns répteis e peixes, apresentam sensações e emoções.

 

Ninguém tem a menor ideia de como um amontoado de reações bioquímicas  e correntes elétricas no cérebro criam a experiência subjetiva da dor, da raiva ou do amor. Talvez tenhamos uma explicação sólida dentro de dez ou cinquenta anos. Mas em 2016 não dispomos delas.

 

Como é, então, que, quando bilhões de sinais elétricos se movimentam pelo meu cérebro, surge uma mente com a sensação "Estou furioso!"? A essa altura, em 2016, não temos a menor ideia a respeito.

 

Historiadores não alegam que os aliados venceram a Segunda Guerra Mundial porque Deus estava do seu lado; economistas não atribuem a Deus a culpa pela crise econômica de 1929; e geólogos não invocam a vontade divina para explicar os movimentos das placas tectônicas.

A mesma sina sobreveio à alma. Durante milhares de anos, as pessoas acreditaram que todas as suas ações e decisões emanavam da alma. Mas, na falta de qualquer evidência que suportasse, e devido à existência de teorias muito mais detalhadas, as ciências da vida descartaram a alma. Como indivíduos privados, muitos biólogos e médicos podem continuar acreditando nisso. Mas nunca escrevem a esse respeito em publicações científicas sérias.

 

Cientistas podem apagar com segurança "mente", "consciência" e "experiências subjetivas" de seus vocabulários e artigos. Entretanto, todo o edifício da política e da ética modernas fundamenta-se em experiências subjetivas, e são poucos os dilemas éticos que podem ser resolvidos com referência estrita a atividades cerebrais.

 

A consciência pode ser uma espécie de poluição mental produzida pelo disparo de redes neurais complexas. Ela não faz nada. Apenas estala.

 

O jogo do ultimato e o experimento de Frans de Waal com 2 macacos-capuchinhos.

 

Toda cooperação humana em grande escala baseia-se em última análise na nossa crença em ordens imaginadas. São conjuntos de regras que, a despeito de só existirem na nossa imaginação, acreditamos serem tão reais e invioláveis quanto a gravidade. "Se você sacrificar dez touros ao Deus-céu, a chuva virá; se você honrar seus pais, irá para o céu; e se não acreditar no que estou lhe dizendo - irá para o inferno."

 

Realidade objetiva, subjetiva e intersubjetiva (o dinheiro, p. ex.).

 

Zeus e Hera foram poderosos na bacia do mediterrâneo, mas hoje não têm autoridade alguma porque ninguém mais acredita neles.

 

Cria-se um significado quando muitas pessoas tecem juntas uma rede comum de histórias. (...) Cada rodada de confirmação mútua estreita ainda mais a teia de significados, até não se ter muita opção a não ser acreditar naquilo em que todos acreditam.

 

Se assassinarmos ou roubarmos, Deus nos enviará ao inferno; mas, se matarmos muçulmanos infiéis, Deus nos dará as boas-vindas no céu.

 

É assim que a história se desenvolve. Pessoas tecem uma rede de significados, acreditam nela piamente, porém mais cedo ou mais tarde a teia se desfaz, e, quando olhamos para trás, não conseguimos compreender como alguém a levou a sério. (...) Daqui a cem anos, nossa crença na democracia e nos direitos humanos pode igualmente parecer incompreensível para nossos descendentes humanos.

 

No século XXI a ficção se tornará a força mais poderosa na Terra.

 

PARTE II - O HOMO SAPIENS DÁ UM SEGNIFICADO AO MUNDO

 

Há aproximadamente 5 mil anos, os sumérios inventaram a escrita e o dinheiro.

 

Em sociedades letradas, as pessoas organizam-se em redes, de modo que cada pessoa é apenas um pequeno passo  num imenso algoritmo, é o algoritmo como um todo que toma as decisões importantes. Essa é a essência da burocracia.

 

No final do século XXI, várias potências européias reivindicaram territórios africanos. Temendo que reivindicações conflitantes pudessem levar a uma guerra européia total, as partes envolvidas reuniram-se em Berlim em 1884 e dividiram o continente como se fosse uma torta.

 

Um estudante na época de Shakespeare saía de Oxford com um entre dois resultados possíveis - com uma graduação ou sem nenhuma. Ninguém pensava em dar a um estudante a nota final 74 e a outro um 88. Foram os sistema educacionais em massa da era industrial que implementaram as notas exatas numa base regular.

 

[Na justiça dos EUA] É irônico que os réus e testemunhas jurem dizer a verdade sobre um livro repleto de tantas ficções, tantos mitos e tantos erros.

 

[Mas] Ficções permitem que cooperemos melhor.

 

A história não é uma narrativa única, mas milhares de narrativas alternativas. Sempre que escolhemos contar uma delas, escolhemos também silenciar outras.

 

A causa da guerra é ficcional, mas o sofrimento é inteiramente real.

 

No século XXI vamos criar mais ficções poderosas e mais religiosas e totalitárias do que em qualquer era anterior.

 

Graças aos computadores e à bioengenharia, a diferença entre ficção e realidade se tornará indistinta, à medida que pessoas reformatam a realidade para que se encaixem em suas ficções prediletas.

 

Nós sempre acreditamos "na verdade", só os outros é que acreditam em superstições.

 

Religião é qualquer coisa que confira legitimidade sobre-humana a estruturas sociais humanas. A religião legitima normas e valores humanos ao alegar que eles refletem leis sobre-humanas.

 

Toda a sociedade diz a seus membros que eles devem obedecer a alguma lei moral sobre-humana e que violá-la resultará em uma catástrofe.

 

Os seguidores de toda religião estão convencidos de que somente a sua é a verdadeira. Talvez os seguidores de uma única religião estejam certos.

 

Para as religiões, a espiritualidade é uma ameaça perigosa.

 

Na época de Lutero, se você tivesse pecado, temesse a danação eterna no pós-vida, tudo o que precisava fazer era abrir a bolsa e comprar uma indulgência.

 

A cooperação humana requer respostas firmes e não somente perguntas justas, e aqueles que se enfurecem contra estruturas religiosas insensatas frequentemente acabam forjando novas estruturas em seu lugar.

 

Segundo os King do deserto de Kalahari e vários grupos inuites no ártico, a vida humana só começa depois que o bebê recebe um nome. [Antes disto, o bebê pode ser morto por qualquer motivo que os pais identificarem.]

 

Aceita-se que o livro do Deuteronômio foi composto na corte do rei Josias, de Judá, por volta de 620 a.C.

 

Os humanos compartilham um único valor supremo - minimização do sofrimento e maximização da felicidade.

 

Na verdade, nem a ciência nem a religião se importam muito com a verdade, daí a facilidade com que podem entrar em acordo, coexistir e até mesmo cooperar.

A religião está interessada acima de tudo em ordem. A ciência está interessada acima de tudo no poder. A ciência e a religião preferem respectivamente ordem e poder acima da verdade.

 

Humanos abrem mão de significado em troca de poder.

 

A cultura moderna rejeita a crença num grande plano cósmico. Não somos atores em qualquer drama maior do que a vida. A vida não tem roteiro, nem dramaturgo, nem diretor, nem produtor - tampouco significado.

 

A vida moderna consiste numa constante busca do poder num universo destituído de significado.

 

Achamos que somos espertos o bastante para usufruir de todas as benesses do contrato moderno sem pagar um preço por isso.

 

Se o crescimento da economia exige que afrouxemos laços de família, incentivemos pessoas a viver longe de seus pais e importemos cuidadores do outro lado do mundo - que assim seja.

 

Se nossas descobertas desestabilizam o ecossistema e ameaçam a humanidade, então deveríamos descobrir algo para  nos protegermos. Se a camada de ozônio está definhando e nos expondo ao câncer de pele, deveríamos inventar filtros solares melhores e tratamentos mais eficazes para o câncer, promovendo com isso o crescimento de novas fábricas de filtros solares e centros de tratamento do câncer.

 

Não existe justiça na história. Quando ocorre uma catástrofe, o pobre sempre sofre mais do que o rico, mesmo que tenham sido os ricos os causadores da tragédia.

 

Entre 2000 e 2010 as emissões aumentaram a uma taxa anual de 2,2%, comparada com uma taxa de crescimento anual de 1,3% entre 1970 e 2000.

 

Rousseau afirma que, ao buscar as regras de conduta na vida, ele as encontrou "nas profundezas de meu coração, traçadas pela natureza em caracteres que ninguém pode apagar. Só preciso consultar a mim mesmo a respeito do que quero fazer; o que sinto que é bom é bom, o que sinto que é ruim, é ruim".

 

As pessoas modernas têm idéias diferentes no que diz respeito a casos extraconjugais, mas, qualquer que seja sua posição, elas tendem a justificá-las em nome dos sentimentos  humanos, e não no das escrituras sagradas e dos mandamentos divinos.

 

Quando a Inglaterra foi dilacerada pela Guerra das Rosas, ninguém pensou em acabar com o conflito realizando um referendo nacional, no qual cada caipira e cada meretriz iriam depositar seu voto em Lancaster ou em York. Da mesma forma, quando o papa Urbano II desencadeou a Primeira Cruzada, em 1095, ele não alegou que isso era a vontade do povo. Era a vontade de Deus.

 

Na ética, o lema dos humanistas é: "Se lhe parece bom, faça-o". na política, o humanismo nos diz que "o eleitor está com a razão". Na estética, "a beleza está nos olhos do observador".

 

Guildas: As guildas eram associações de profissionais surgidas na Baixa Idade Média (séculos XIII ao XV). Existiam guildas de alfaiates, sapateiros, ferreiros, artesãos, comerciantes, artistas plásticos entre outros profissionais. As guildas tinham como objetivo principal a defesa dos interesses econômicos e profissionais dos trabalhadores que faziam parte delas.

 

Na idade média, sem um Deus eu não teria uma fonte de autoridade política, moral e estética. Não poderia dizer o que era correto, bom ou bonito. Quem poderia viver assim? (...) Hoje posso ser um completo ateu e, ainda assim, extrair uma rica mistura de valores políticos, morais e estéticos de minha experiência interior.

 

Mesmo quando digo que acredito em Deus, a verdade é que tenho uma crença muito mais forte na minha voz interior.

 

Uma experiência é, sim, um fenômeno subjetivo que inclui três ingredientes principais: sensações, emoções e pensamentos.

 

A sensibilidade não é uma aptidão abstrata que eu possa desenvolver lendo livros ou ouvindo palestras. É uma aptidão prática que só pode amadurecer e se consolidar quando aplicada na prática.

 

Não nascemos com uma consciência sob medida e pronta para ser usada.

 

Segundo a filosofia chinesa, o mundo é sustentado pela interação de forças opostas, porém complementares, chamadas ying e yang. (...) A visão humanística da vida como uma sequência de experiências tornou-se o mito que fundamenta numerosas indústrias modernas, do turismo à arte. Agentes de viagens e chefs de restaurantes não nos vendem passagens aéreas,  hotéis ou jantares elegantes - eles nos vendem experiências inovadoras.

 

O humanismo divide-se em três ramos principais. O ramo ortodoxo afirma que todo ser humano é um indivíduo  único possuidor de uma voz interior que o distingue e de uma sequência irreproduzível de experiências.

 

Se toda autoridade e todo significado emanam de experiências individuais, como conciliar as contradições entre experiências tão diferentes? (...) Como conciliar as contradições entre os sentimentos de refugiados desesperados e os de alemães angustiados?

 

Não se pode resolver o conflito árabe-israelense fazendo com que 8 milhões de cidadãos israelenses e 350 milhões de cidadãos da Liga Árabe votem. Por razões óbvias, israelenses não se sentiriam comprometidos com o resultado de tal plebiscito.

As pessoas só se sentem ligadas a eleições democráticas quando compartilham uma ligação básica com a maioria dos eleitores.

 

Eleições democráticas constituem um método de resolver desacordos entre pessoas que já concordam quanto ao básico.

 

Será que a preservação da polca, do salsichão e da língua alemã justifica deixar milhões de refugiados expostos à pobreza e até a morte?

 

Se você dança a polca nacionalista, um pequeno porém significativo passo pode levá-lo da crença de que sua nação é diferente de todas as outras à crença de que sua nação é melhor.

 

O humanismo socialista exige que eu pare de pensar em mim e nos meus sentimentos para me concentrar no que os outros estão sentindo e em como minhas ações influenciam as experiências deles.

 

Na política socialista o partido sabe o que é melhor, e na economia socialista o sindicato tem sempre razão.

 

O humanismo evolucionário tem uma solução diferente para o problema das experiências humanas conflitantes. Para ele o conflito é algo a ser aplaudido, e não lamentado. O conflito é a matéria-prima da seleção natural, que impulsiona a evolução adiante. (...) Se em nome dos direitos humanos ou da igualdade humana enfraquecermos os humanos mais aptos, isso evitará o surgimento do super-homem e poderá mesmo causar a degeneração e a extinção do Homo Sapiens.

 

A experiência de um Einstein ou de um Beethoven é muito mais valiosa do que a de um bêbado que não serve para nada, e é ridículo considerar que seus méritos são iguais.

 

A guerra faz com que a seleção natural enfim reine. Ela extermina os fracos e recompensa os decididos e os ambiciosos. A guerra expõe a verdade sobre a vida e desperta o desejo de poder de glória e de conquista. Nietzsche resumiu isso ao dizer que a guerra é "a escola da vida" e que "o que não me mata me fortalece".

 

Mark Bowden, jornalista: naquela hora do combate na rua ele não era Shawn Nelson, não tinha conexão com o grande mundo, nem contas a pagar, nem laços emocionais, nada. Era apenas um ser humano permanecendo vivo de um nanossegundo a outro, uma respiração seguida de outra, totalmente consciente de cada uma poderia ser a última. Sentiu que nunca mais seria o mesmo.

 

Segundo os humanistas evolutivos, quem argumentar que todas as experiências humanos tem igual valor ou é um imbecil ou é um covarde.

 

De que lhe vale a liberdade de morar onde quiser quando não se pode pagar o aluguel? (...) No liberalismo, de acordo com um famoso dito, todo mundo é livre para morrer de fome. (...) O liberalismo perpetua a desigualdade, condenando as massas à pobreza e as elites à alienação.

Enquanto o liberalismo cambaleava ante esse murro da esquerda, o humanismo evolutivo recebia um da direita. Racistas e fascistas acusavam tanto o liberalismo como o socialismo de subverter a seleção natural e de causar a degeneração do gênero humano.

 

25 milhões de cidadãos soviéticos morreram na guerra, comparados com o milhão de britânicos e meio milhão de americanos.

 

Nas décadas de 1960 e 1970, a palavra "liberal" suscitava em muitas universidades ocidentais a ideia de abuso. (...) Estudantes em Cambridge folheavam o livrinho Vermelho de Mao e penduravam o retrato heróico de Che Guevara acima de suas camas.

 

Em meados da década de 1970 parecia que o futuro pertencia ao socialismo.

E então tudo mudou. (...) Em fins da década de 1980 e início da de 1990, a onda liberal assumiu proporções de um verdadeiro tsunami, varrendo o poderoso Império Soviético e gerando expectativas de um fim próximo da história.

 

No verão de 1914, o gênero humano estava percorrendo em alta velocidade a auto-estradão liberal quando pegou uma saída errada e foi dar num beco sem saída.

 

O liberalismo continua a santificar as liberdades individuais acima de tudo e ainda acredita firmemente no eleitor e no cliente. No início do século XXI, é a única opção disponível.

 

Os protestos sociais que varreram o mundo ocidental em 2011 não têm absolutamente nada contra a democracia, o individualismo e os direitos humanos, eles criticam os governos por não acompanharem esses ideais liberais. Exigem que o mercado seja realmente livre, em vez de controlado e manipulado por corporações e bancos "que são grandes demais para falhar".  Clamam por instituições representativas verdadeiramente democráticas.

 

 (...) A despeito de o passatempo favorito de acadêmicos e ativista ocidentais consistir em achar defeitos no pacote liberal, até agora eles não conseguiram pensar em nada melhor.

 

Ninguém parece saber no que a China acredita atualmente - inclusive os próprios chineses.

 

E quanto ao islamismo radical? Ou o cristianismo fundamentalista, o judaísmo messiânico, o hinduísmo revivalista? (...) parece que Deus está voltando. Mas isso é uma miragem. Deus está morto - só que livrar-se do corpo leva um tempinho.

 

Qual será o impacto político de uma nova classe massiva de pessoas economicamente inúteis? (...) O que acontecerá com a sociedade humana quando a biotecnologia nos permitir ter bebês projetados e abrir abismos sem precedentes entre ricos e pobres?

 

O islamismo radical pode ser atraente para pessoas que nasceram e se criaram em seu seio, mas tem pouco de valioso a oferecer a jovens espanhóis desempregados ou a chineses bilionários inquietos.

 

Frequentemente a história é modelada por pequenos grupos de inovadores que olham para a frente e não por massas que olham para trás.

 

Se Marx voltasse a viver hoje em dia, provavelmente incitaria seus poucos discípulos remanescentes a ler menos O Capital e a estudar a internet e o genoma humano.

 

O Islã radical não conseguiu se reconciliar com a Revolução Industrial - não é de admirar que tenha pouco de relevante a dizer sobre a engenharia genética e a inteligência artificial.

 

De onde você acha que surgirão as grandes mudanças no século XXI: do Estado Islâmico ou do Google?

 

Pense na aceitação do casamento gay ou do clero feminino pelos ramos mais progressistas do cristianismo. De onde se originou essa aceitação? Não da leitura da Bíblia. Foi da leitura de textos como História da sexualidade, de Michel Foucault etc. Mas os verdadeiros crentes cristãos - mesmo que progressistas - não são capazes de admitir que buscam sua ética em Foucault ou em Haraway. Assim, eles voltam à Bíblia e fazem uma busca muito meticulosa. Lêem página por página e história por história com a máxima atenção, até encontrar aquilo de que precisam: alguma máxima, alguma parábola ou algum regulamento que, se interpretados com bastante criatividade, vão dar indícios de que Deus abençoa o casamento gay e que mulheres podem ser ordenadas para o sacerdócio. A Bíblia é mantida como uma fonte de autoridade, ainda que não seja mais uma verdadeira fonte de inspiração.

É por isso que as religiões tradicionais não oferecem uma alternativa real ao liberalismo. Suas escrituras nada têm a dizer sobre engenharia genética ou inteligência artificial, e a maioria dos sacerdotes cristãos, dos rabinos e dos muftis não compreende as últimas descobertas na biologia e na ciência da computação.

 

Quando a engenharia genética e a inteligência artificial revelarem todo o seu potencial, o liberalismo, a democracia e os livres mercados poderão tornar-se tão obsoletos quanto facas de pedra lascada, fitas cassete, o islamismo e o comunismo.

 

Se o universo inteiro está vinculado à experiência humana, o que acontecerá quando a experiência humana se tornar somente outro produto projetável, não diferente na essência de qualquer outro item no supermercado?

 

 

PARTE III - O  HOMO SAPIENS PERDE O CONTROLE

 

É nosso livre-arbítrio que imbui o Universo de significado.

 

No século XVIII, O Homo Sapiens se parecia com uma misteriosa caixa-preta, cujo funcionamento interno estava além de nossa percepção. (...) quando os cientistas abriram a caixa-preta do Homo Sapiens, não acharam lá nem alma, nem livre-arbítrio, nem um "eu" - somente genes, hormônios e neurônios, que obedecem às mesmas leis físicas e químicas que governam o resta da realidade.

 

Os processos eletroquímicos no cérebro que resultam em assassinato, são ou determinísticos ou aleatórios, ou uma combinação dos dois - mas nunca são livres.

 

A palavra sagrada "liberdade" acaba se revelando, assim como "alma", um termo vazio que não carrega nenhum significado discernível.

 

Se com livre-arbítrio você está se referindo à capacidade de agir segundo seus desejos - então, sim, humanos têm livre-arbítrio, assim como chimpanzés, cães e papagaios.

 

Por que o papagaio quer um biscoito e não pepino? Por que eu decido matar meu vizinho irritante em vez de oferecer-lhe a outra face? Por que quero comprar o automóvel vermelho e não o preto? Por que prefiro dar meu voto a um partido de direita e não a um de esquerda? Não escolho nenhuma dessas vontades. (...) Eu apenas as sinto e ajo de acordo.

 

Se realmente sou o senhor dos meus pensamentos e minhas decisões, posso decidir não pensar sobre absolutamente nada durante os próximos sessenta segundos? Tente isso e veja o que acontece.

 

Pesquisas em laboratórios monitoram ratos por controle remoto. (...) eles poderiam ajudar a descobrir sobreviventes presos sob os escombros de prédios que desabaram, localizar bombas e armadilhas explosivas e mapear túneis subterrâneos e cavernas.

 

O que importa se os neurônios disparam sinais porque estão sendo estimulados por outros neurônios ou porque estão sendo estimulados por eletrodos implantados e conectados ao controle remoto?

 

Você quer dominar o piano, mas toda vez que chega a hora de praticar você quer na verdade assistir televisão? Sem problema: apenas ponha o capacete, instale o software adequado, e logo estará doido para tocar piano.

 

Nosso corpo é feito de aproximadamente 37 trilhões de células.

 

Temos, pelo menos, dois eus: o eu da experiência e o eu da narrativa.

 

O eu da narrativa só se lembra do momento culminante e do momento final e avalia a experiência inteira pela média entre os dois.

 

O eu da narrativa não agrega experiências - ele tira uma média entre elas.

 

Experimentamos a fome de modo diferente quando jejuamos no Ramadã, quando jejuamos como preparo para um exame médico, e quando não comemos porque não temos dinheiro.

 

Quanto mais sacrificamos em benefício de uma história imaginária, mais forte ela se torna, porque desesperadamente queremos dar um sentido ao sacrifício e ao sofrimento que causamos.

 

A síndrome dos "nossos rapazes não morreram em vão". [O inadmissível dizer e aceitar] "Sinto muito, houve um erro. Esperamos que vocês não recebam isso muito mal, mas seu filho morreu em vão, porque perdemos a guerra." [Pela mesma síndrome, generais e políticos não desistem quando há mostras de que o caminho seguido até então precisa ser revisto. Após perder uma batalha, por exemplo, mandam mais soldados para não aceitar que os que morreram, morreram em vão.]

 

Assim como para um político é difícil contar a pais que perderam um filho sem que houvesse um bom motivo para isso, é muito mais difícil para os pais dizerem isso a si mesmos - e é ainda mais difícil para as vítimas. Um soldado aleijado que perdeu suas pernas irá preferir pensar "Sacrifiquei-me pela glória de minha eterna nação" do que "Perdi minhas pernas porque fui estúpido o bastante para acreditar em políticos que só pensam em si próprios". É muito mais fácil viver com a fantasia, porque ela dá sentido ao sofrimento.

 

Quanto mais doloroso o sacrifício, maior a crença na existência do imaginário receptor do sacrifício. Um pobre camponês que sacrifica um inestimável touro a Júpiter se convencerá de que Júpiter realmente existe; caso contrário, como desculpar a própria estupidez? O camponês sacrificará mais um touro, e mais um, e mais um, só para não ter de admitir que todos os touros anteriores foram desperdiçados. Exatamente pela mesma razão, se eu sacrifiquei um filho pela glória da nação, ou minhas pernas pela revolução comunista, isso é o bastante para fazer de mim um zeloso nacionalista ou um comunista entusiasta.

 

Não são somente governos que caem nessa armadilha. Corporações de negócios frequentemente enterram milhões em empresas falidas, indivíduos privados agarram-se a casamentos disfuncionais e empregos sem futuro.

 

O eu também é uma história imaginária, assim como nações, deuses e dinheiro. (...) Todos nós temos nosso gênero de história. Algumas pessoas vivem uma tragédia, outras habitam num interminável drama religioso, algumas abordam a vida como se estivessem em um filme de ação, e não são poucas as que atuam como vivessem parte de uma comédia. Mas, no fim, são apenas histórias.

 

Cruzados medievais acreditavam que deus e o céu tinham dado a suas vidas um significado. Liberais modernos acreditam que escolhas livres individuais é que dão sentido à vida. Todos são igualmente delírios.

 

No início do terceiro milênio, o liberalismo está ameaçado não pela ideia filosófica de que "não há indivíduos livres", e sim por tecnologias concretas. Estamos prestes a deparar com uma inundação de dispositivos extremamente úteis, ferramentas e estruturas que não fazem concessão ao livre-arbítrio de indivíduos humanos. Poderão a democracia, o livre mercado e os direitos humanos sobreviver a ela?

 

No século XXI, três desenvolvimentos práticos podem tornar a crença de que o humano é um indivíduo único e valioso, obsoleta:

1. os humanos perderão sua utilidade econômica e militar e, em decorrência, o sistema econômico e político deixará de lhes atribuir muito valor.

2. o sistema ainda dará valor aos humanos coletivamente, mas não a indivíduos únicos.

3. o sistema ainda dará valor a alguns indivíduos únicos, mas estes constituirão uma nova elite de super-humanos avançados e não a massa da população.

 

Ainda hoje a maioria dos cidadãos está reduzida a servir de escudo humano para os armamentos avançados.

 

Humanos correm o perigo de perder seu valor porque a inteligência está se desacoplando da consciência.

 

Alguns economistas predizem que, cedo ou tarde, humanos não melhorados serão completamente inúteis.

 

É concebível que num futuro não muito distante scanners de ressonância magnética funcional façam as vezes de infalíveis detectores de mentira.

 

Em um experimento recente, um algoritmo de computador diagnosticou corretamente 90% de casos de câncer de pulmão entre os que lhe foram apresentados, enquanto médicos humanos tiveram êxito em apenas 50% deles.

 

A questão mais importante na economia do século XXI pode bem ser o que fazer com todas as pessoas supérfluas.

 

Até por volta de 1800, a ampla maioria das pessoas trabalhava na agricultura e apenas uma minoria estava empregada na indústria e em serviços. (...) Em 2010, somente 2% dos americanos trabalhavam na agricultura, 20% trabalhavam na indústria, e 78% em serviços.

 

A riqueza e o poder poderão se concentrar nas mãos da minúscula elite que é proprietária desses algoritmos todo-poderosos, criando uma desigualdade social e política jamais vista.

 

5 mil anos atrás, uma grande porção da Suméria pertencia a deuses imaginários, como Enki e Inana. Se deuses podiam possuir terras e empregar pessoas, por que não os algoritmos.

 

Em setembro de 2013, dois pesquisadores de Oxford, publicaram The Future of Employment, obra na qual investigam a probabilidade de diferentes profissões serem assumidas por algoritmos de computador nos próximos vinte anos. Há 99% de probabilidade de que, em 2033 operadores de telemarketing e corretores de seguros perderão seus empregos para algoritmos. Há 98% de probabilidade de que o mesmo acontecerá com árbitros de modalidades esportivas....

 

O problema crucial não é criar novos empregos. É criar novos empregos nos quais o desempenho dos humanos seja melhor que o dos algoritmos.

 

Como as massas inúteis vão se manter ocupadas e satisfeitas? O que vão fazer o dia inteiro? Uma solução poderia vir das drogas e de jogos de computador.

 

As pessoas não mais se verão como seres autônomo que levam suas vidas de acordo com o seu bem querer; na verdade, vão se acostumar a se verem como uma coleção de mecanismos bioquímicos que é constantemente monitorada e guiada por uma rede de algoritmos eletrônicos. (...) Então fará sentido confiar a eles cada vez mais decisões e escolhas na vida.

 

O Google e o gigante farmacêutico Novartis estão desenvolvendo lentes de contato que verificam os níveis de glicose no sangue em intervalos de segundos testando o conteúdo de lágrimas.

 

A Bedpost vende braçadeira que coleta dados como freqüência cardíaca, nível de sudorese, duração do coito, duração do orgasmo e o número de calorias queimadas no ato. Os dados alimentam um computador que analisa a informação e classifica o desempenho [dos envolvidos] com números precisos. Não mais falsos orgasmos, nem "Foi bom pra você?".

 

O humanismo fantasia a velhice como um período de sabedoria e discernimento.

 

Em desenvolvimento: Google Flu Trends, Google Baselina Study, Google Fit

 

Se quiser saber o que é o 23AndMe, pague ao menos 99 dólares e você receberá um pequeno pacote contendo um tubo. Cuspa dentro do tubo, feche-o bem e o envie para Mountain View, Califórnia. Lá o DNA em sua saliva é lido, e você recebe os resultados on-line, contendo uma lista de potenciais riscos de saúde nos quais você pode incorrer e de sua predisposição genética para mais de noventa características e condições, desde a calvície até a cegueira.

 

O Google nos aconselhará até com quem sair e com quem casar. "Ouça, Google, João e Paulo estão me paquerando. Gosto dos dois, mas de modos diferentes, e é muito difícil tomar uma decisão. Considerando tudo o que você sabe, o que me aconselha fazer?"

 

Hábitos liberais, como eleições democráticas, irão se tornar obsoletos porque o Google será capaz de representar até mesmo minhas opiniões políticas melhor do que eu mesmo.

 

O eu da narrativa lembra apenas alguns acontecimentos extremos e atribui um peso totalmente desproporcional aos acontecimentos recentes.

 

[Quer que o sigam? Então faça] uma campanha com uma mistura bem dosada e ameaças e promessas, que fale direto ao centro do medo no meu cérebro.

 

O liberalismo entrará em colapso no dia em que o sistema me conhecer melhor do que eu mesmo me conheço. O que é  menos difícil do que pode parecer, uma vez que a maioria das pessoas não se conhece realmente muito bem.

 

Pessoas ricas, com a última versão de Cortana, podem ter uma vantagem decisiva sobre as mais pobres com suas versões mais antigas.

 

Logo os livros estarão lendo você enquanto você os lê.

 

Poderemos chegar a um ponto em que será impossível desconectar-se dessa rede onisciente por um só momento. (...) Se eu não atualizar regularmente meu programa antivírus corporal, um dia, ao acordar, vou descobrir que os milhões de nanorrobôs que percorrem minhas veias estão sendo controlados por um hacker norte-coreano.

 

Depois de concluir que organismos são algoritmos, os biólogos derrubaram o muro entre o orgânico e o inorgânico, transformaram o viés da revolução computacional de uma quesstão puramente mecânica num cataclismo biológico e transferiram a autoridade de humanos individuais para algoritmos em rede.

 

A transferência da autoridade de humanos para algoritmos está acontecendo a nossa volta, não como resultado de uma decisão governamental, e sim devido a uma inundação de escolhas mundanas.

 

No início de 2016, as 62 pessoas mais ricas do mundo valiam tanto quanto os 3,6 bilhões de mais pobres!

 

A medicina do século XX visava curar os doentes. A medicina do século XXI visa cada vez mais aprimorar a condição dos saudáveis.

 

Para competir com o Japão, o Brasil poderá precisar muito mais de alguns super-humanos que fizeram upgrade do que de milhões de trabalhadores comuns saudáveis.

 

Que novas religiões ou ideologias poderão preencher o vácuo resultante e orientar a evolução de nossos descendentes divinoides. [Seremos humanóides divinóides?]

 

No Vale do Silício é onde os gurus da alta tecnologia estão fermentando para nós novas religiões admiráveis que pouco têm a ver com Deus, e tudo a ver com tecnologia. São as novas tecnorreligiões.

 

Como a inteligência está se desacoplando da consciência, e como a inteligência não consciente está se desenvolvendo a uma velocidade vertiginosa, os humanos devem ativamente fazer o upgrade de suas mentes se quiserem permanecer no jogo.

 

O espectro eletromagnético é, em sua totalidade, cerca de 10 trilhões de vezes maior do que o da luz visível!!!

 

O progresso tecnológico não quer ouvir nossa voz interior. Ele quer controlá-la. Quando compreendermos o sistema bioquímico que produz tais vozes, poderemos brincar com os interruptores, aumentar o volume aqui, diminuir ali e tornar a vida humana mais fácil e confortável. Vamos oferecer Ritalina à advogada perturbada, Prozac ao soldado com sentimento de culpa e Cipralex à esposa insatisfeita. E isso é apenas o começo.

 

Segundo a psiquiatria moderna, muitas "vozes interiores" e "desejos autênticos" não são mais do que o produto de desequilíbrios químicos e doenças neurológicas. Em vez de dar ouvidos a essas vozes interiores destrutivas poderia ser uma boa ideia fazê-las se calar.

 

Não importa o que diga nossa vontade, sempre podemos fazê-la dizer algo diferente.

 

O tecno-humano enfrenta aqui um dilema impossível. Ele considera a vontade humana o que há de mais importante no universo, por isso incentiva o gênero humano a desenvolver tecnologias capazes de replanejar nossa vontade.

 

O que poderia substituir desejos e experiências como fonte de toda autoridade e de todo significado? Em 2016, há um único candidato sentado na sala de espera da história, aguardando a entrevista para admissão no emprego. O candidato é a informação. A religião mais interessante que emerge disso tudo é o dataísmo, que não venera nem deuses nem o homem - venera dados.

 

O dataísmo nos promete o Santo Graal científico: uma teoria única e abrangente capaz de unificar todas as disciplinas científicas, da literatura e musicologia à economia e à biologia.

 

Os dataístas, contudo, acreditam que os  humanos não são mais capazes de lidar com os enormes fluxos de dados, ou seja, não conseguem mais refiná-los para obter informação, muito menos para obter conhecimento ou sabedoria.

 

O capitalismo usa um processamento distribuído, enquanto o comunismo se fundamenta em um processamento centralizado.

 

Em um livre mercado, se um processador toma uma decisão errada, outros serão rápidos em se aproveitar de seu erro. Contudo, quando um único processador toma quase todas as decisões, os erros podem ser catastróficos.

 

O capitalismo ganhou a Guerra Fria porque o processamento de dados distribuído funciona melhor do que o processamento de dados centralizado, ao menos em períodos de mudanças tecnológicas aceleradas.

 

Uma historinha que circulou. Um dirigente comunista foi enviado por  Gorbatchóv a Londres para saber como funcionava o sistema capitalista. Percebendo que não havia filas para comprar pão, ao contrário das intermináveis filas nas padarias soviéticas, ele quis conhecer o encarregado do suprimento de pão. Os anfitriões coçaram a cabeça e disseram: "Não será possível porque não há disto por aqui".

 

À medida que o volume e a velocidade dos dados aumentam, instituições veneráveis, como eleições, partidos e parlamentos, podem tornar-se obsoletas - não porque sejam aéticas, e sim porque não processarão os dados com eficácia suficiente.

 

Na atualidade a internet é uma zona livre e sem lei que desgasta a soberania do Estado, ignora fronteiras, elimina a privacidade e representa o mais formidável risco à segurança global.

 

Enquanto a desajeitada burocracia governamental fica matutando a respeito de uma regulação cibernética, a internet se matamorfoseou dez vezes. A tartaruga governamental não é capaz de se emparelhar com a lebre tecnológica.

 

Eleitores comuns estão começando a sentir que o mecanismo democrático não mais lhes confere poder.

 

Os lideres e os profetas de hoje podem se valer da biotecnologia e de supercomputadores.

 

Governar tornou-se meramente administrar. Gerencia-se um país, sem liderá-lo. O governo garante que professores recebam seu salário em dia, que os sistemas de esgoto não transbordem, mas não tem ideia de onde o país estará daqui a vinte anos.

 

Talvez estejamos melhor nas mãos de burocratas medíocres. Mesclar uma tecnologia que parece divina com uma política megalomaníca é receita certa para o desastre.

 

É perigoso confiar nosso futuro às forças do mercado porque elas fazem o que é bom para o mercado e não o que é bom para o gênero humano ou para o mundo.

 

Há quem acredita que alguém está no comando afinal. Essas teorias da conspiração nunca funcionam porque subestimam a complexidade do sistema. Uns poucos bilionários não têm como entender tudo o que se passa no globo, muito menos controlá-lo.

 

As novas estruturas poderão ser muito diferentes de quaisquer instituições políticas anteriores, tanto democráticas quanto autoritárias.

 

Uma conversa entre um camponês, um sacerdote e um físico pode produzir idéias inovadoras que nunca surgiriam em uma conversa entre três caçadores-coletores.

 

Se o gênero humano é realmente um sistema único de processamento de dados, qual é seu output? Para os dataístas, seria a criação de um sistema de processamento de dados ainda mais eficiente, chamado internet de todas as coisas. Uma vez cumprida essa missão, o Homo Sapiens desaparecerá.

 

O dataísmo se arvora a determinar o que é certo e o que é errado.

 

Humanos são apenas instrumentos para a criação da internet de todas as coisas. Esse sistema de processamento de dados cósmico seria como Deus. Estaria em toda parte e controlaria tudo, e os humanos estão destinados a se fundir dentro dele.

 

Se fossemos capazes de criar um sistema de processamento de dados que absorvesse mais dados ainda do que um ser humano, e os processássemos ainda mais eficientemente, não seria esse sistema superior ao humano exatamente da mesma forma que o humano é superior à galinha?

 

A geladeira vai monitorar o número de ovos na gaveta e informar a galinha na gaiola quando uma nova entrega for necessária.

 

[Neste novo mundo] O que é a morte senão uma situação na qual as informações não fluem? [Ou, se você não estiver on-line, estará morto para todos os efeitos práticos. O nerd morreu, em sua lápide está escrito: "Estou off-line."]

 

A liberdade de informação, em contraste, não é dada aos humanos. Ela é dada à informação. Mais do que isso, esse novo valor choca-se com a tradicional liberdade de expressão, ao privilegiar o direito da informação de circular livremente em detrimento do direito dos humanos de manterem os dados para si e impedirem sua movimentação.

 

As pessoas só querem ser parte de um fluxo de dados, mesmo que isso signifique abrir mão da privacidade, da autonomia e da individualidade.

 

O indivíduo está se tornando um pequeno chip dentro de um sistema gigantesco que, na realidade, ninguém entende.

 

Assim como os capitalistas do livre mercado acreditam na mão invisível do mercado, da mesma forma os dataístas acreditam na mão invisível do fluxo de dados.

 

Humanos querem se fundir no fluxo de dados porque, quando você é parte desse fluxo, você é parte de algo muito maior que você mesmo. (...) Para os verdadeiros crentes, estar desconectado do fluxo de dados acarreta o risco de perder o próprio sentido da vida. De que adianta fazer ou experimentar qualquer coisa se ninguém souber disso, e se isso não contribuir para a troca global de informações?

 

O novo lema é: "Se você experimentar algo - grave. Se gravar algo - faça upload. Se fizer upload de algo - compartilhe."

 

Não é de admirar que nos ocupemos tanto em converter nossas experiências em dados. Não é uma questão de tendência ou moda. É uma questão de sobrevivência. Temos de provar a nós mesmos e ao sistema que ainda temos valor. E o valor reside não em ter tido experiências, e sim em fazer delas um fluxo livre de dados.

 

Uma companhia chamada "No More Woof" está desenvolvendo um capacete para monitorar as ondas cerebrais do cão e emprega algoritmos computacionais para traduzir mensagens simples como "Estou com fome" para a linguagem humana. Em breve seu cão poderá ter uma conta própria no Facebook ou no Twitter - talvez com mais curtidas e seguidores do que você.

 

Na época de Locke, Hume e Voltaire, os humanistas alegavam que "Deus é um produto da imaginação humana". O dataísmo hoje faz os humanistas sentirem o gosto do próprio remédio e lhes diz: "Sim, Deus é um produto da imaginação humana, mas a imaginação humana por sua vez é produto de algoritmos bioquímicos". No século XVIII, o humanismo afastou Deus ao mudar de uma visão de mundo teocêntrica para uma visão do mundo antropocêntrica. No século XXI, o dataísmo pode afastar os humanos, mudando de uma visão antropocêntrica para uma visão datacêntrica.

 

Todas as revoluções realmente importantes são práticas. Idéias só mudam o mundo quando mudam nosso comportamento.

 

O humanismo ordenava: "Ouçam seus sentimentos!"; o dataísmo agora ordena: "Ouçam os algoritmos! Eles sabem como você se sente".

 

Naturalmente, o dataísmo tem seus críticos e seus hereges. Particularmente, não temos ideia de como ou por que fluxos de dados possam produzir consciência ou experiências subjetivas. Talvez tenhamos uma boa explicação dentro de vinte anos. Talvez descubramos, afinal, que organismos não são algoritmos.

 

O que se perderia, se é que se perderia, ao se substituir a inteligência consciente por algoritmos não conscientes superiores?

É claro que, ainda que o dataísmo esteja errado e os organismos não sejam apenas algoritmos, isso não impedirá necessariamente que o dataísmo tome conta do mundo. (...) é muito difícil contestar um paradigma científico, mas até agora nem um só deles foi adotado por todo o estamento científico.

 

Uma vez que os humanos abandonarem a visão de mundo antropocêntrica em favor de uma visão do mundo datacêntrica, a saúde e a felicidade humanas podem parecer bem menos importantes.

 

Os parâmetros que nós mesmos estabelecemos vão nos condenar a que nos juntemos no esquecimento aos mamutes e aos golfinhos-de-rio chineses.

 

Humanos renunciam à autoridade em favor do livre mercado, da sabedoria das multidões e de algoritmos externos em parte porque não conseguem lidar com o dilúvio de dados. (...) em tempos antigos ter poder significava ter acesso a dados, atualmente ter poder significa saber o que ignorar.

 

Três questões-chave:

 

1 - será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados?

2 - o que é mais valioso - a inteligência ou a consciência?

3 - o que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?