O TEMPO DO

TOP DE 8 SEGUNDOS

 

 

        Era um sujeito simpático, mulherengo, enrolão e enrolado. Não foi por menos que apelidaram o cearense de Carretel. De inegável, a qualidade de  batalhador. Uma obstinação sem limites e uma falta de cultura suplantada com humor. Penso que era o único sujeito do mundo que verdadeiramente sabia rir de si mesmo. Os "erros do seu português ruim" e suas gafes, demonstravam uma humildade que conquistava as pessoas. Tudo lhe era perdoado em nome da sua docilidade. Sem uma palavra mais rude ou mais alta para alguém em uma discussão qualquer. Assim era a personalidade daquele rapaz que um dia vislumbrou, na profissão de contato publicitário, a oportunidade de subir na vida.

        E subiu. Trabalhamos e nos desentendemos juntos por uns 9 anos. As coisas planejadas da minha vida e aquele espírito atabalhoado do "crie-se o problema que surgirá a solução", não combinavam. Os meus argumentos técnicos para convencer os clientes de nossas propostas, sempre conflitaram com os argumentos mais práticos (e mais porco-chauvinistas) de quem conhecia, como ele, as fragilidades do ser humano. Seus trunfos eram tirados da vida, os meus, de teorias universitárias.

        Acredito que todos nós conheçamos pelo menos uma pessoa que reputamos como Rei da Gafe. Ao longo da vida, conheci umas quatro ou cinco. Algumas até  me deixaram com aquele problema desagradável de onde enfiar a cara.  Mas, sem dúvida, o maior de todos, o rei, foi este companheiro sobre quem vos falo. Se fosse mais atento aos aspectos folclóricos do nosso dia-a-dia de trabalho, com certeza teria material para escrever um livro ¾  e volumoso ¾  somente contando suas mancadas no dia-a-dia. Mas uma ficou inesquecível, porque em circunstâncias especiais.

        Para tratar de assuntos diferentes, viajamos para São Paulo. Iríamos juntos aos nossos compromissos. Seu objetivo era apresentar a um dos nossos clientes, proposta de patrocínio do Top de 8 Segundos (produto que não existe mais) do Jornal da Manchete. Para quem não conheceu, eu explico: intercalando a aparição dos números representando a contagem regressiva dos segundos (8, 7, 6...), eram inseridas imagens do produto ou marca do patrocinador, numa proporção de meio segundo para cada uma. Esta sequência de imagens precedia a abertura do telejornal e tinha a função de "avisar" todas as emissoras que entrariam "em rede" para a transmissão do telejornal. Um produto nobre, a ser veiculado em horário nobre e, portanto, caro. Multiplicado pelo período mínimo de 6 meses de contrato e, feitas as contas da comissão, nada mais natural que meu companheiro apresentasse uma expectativa além da habitual. Durante a viagem pela ponte aérea, havíamos repassado as vantagens e os retornos em benefício da imagem do cliente junto ao tão famoso "público-alvo". Ele queria estar afiado. A situação não andava boa. Uma família, uma filial e algumas admiradoras (não disse que ele era enrolado?), davam trabalho, preocupação e despesa. Estava ali a chance de um alívio nas contas para dar uma reorganizada nas coisas.

        Ao chegarmos, já encontramos o cliente à nossa espera. Logo fomos para a sala de reunião. O Presidente (um velhinho), uns 3 Diretores (também velhinhos), e nós. Mantive-me afastado, pois era apenas um acompanhante, deixando-o desenvolver o seu trabalho, que ia muito bem, até que. . . Bem, todos nós sabemos que cabeça de cliente é caixinha de surpresas. É sempre a mesma história: nos esforçamos, levamos trabalho pra casa, decoramos todos os pontos até nos darmos por preparados, menos, naturalmente, para a pergunta óbvia que o cliente fará, mas para a qual não ensaiamos resposta. Não foi diferente desta vez. O tempo de comerciais em televisão é medido em segundos. E segundos custam caro. Assim, quando negociamos, procuramos fixar um preço e brigar pelo maior número de segundos possível. Portanto, a pergunta do velhinho tinha sua lógica sob esse aspecto.

        — Gostei, seu Fernandes. Mas me diga: quantos segundos tem esse negócio?

        Não sei se o Fernandes chegou a perceber a sutil burrice da pergunta ou se deduziu que o cliente iria achar muito pouco (apenas 8 segundos) e não aprovar nada. Sei que a resposta veio rápida, na bucha:

        — Uns 12 a 15 segundos, mais ou menos - disse, sem perder a pose.

        Sentindo que meu rosto pegava fogo, pedi licença e me retirei da sala. Na rua, a caminho do meu compromisso, ele ouviu poucas e boas.

        Dias depois o cliente avisou que a Diretoria não aprovara o Top de "12 a 15 segundos". Com certeza não por falta de presença de espírito do Fernandes que, por sua vez, ficou um pouco mais atrapalhado com seus "compromissos sentimentais". Mas isso, ele ia enrolando.