“AMERICANO É TÃO
BONZINHO!!!”
(Imitando a personagem de Kate Lira)
Lá no norte, houve
a Corrida do Ouro. De repente todos achavam que iam ficar milionários bastando
umas poucas garimpadas no oeste. Era só desviar dos índios e suas flechas pra
botar a mão no ouro. Tanta gente corria que até aqueles que achavam tudo uma
alucinação coletiva meio que idiota, começaram a se achar coletivamente meio
idiotas e passaram a correr alucinadamente também. Vai que o vizinho volta
rico? Com que cara iriam ficar? No final, poucos conseguiram ficar ricos com
o garimpo. Mas outros enriqueceram cambiando whisky
por ouro. Já outras, sobreviveram se despindo e se vendendo a peso de ouro.
Hoje, aqui nesta
nossa terra Tupi, até os jornais da Globo nos dão
notícia todo dia sobre a Grande Corrida. A Grande Corrida está acontecendo em
grandes salas de grandes empresas sediadas em grandes prédios de grandes
cidades. O aspecto mais singular da Grande Corrida é que ela é apenas uma
grande corrida. Não tem tempo de duração nem linha de chegada. Ninguém tem a
menor idéia do que há dentro do baú no fim do arco-íris. Se é que há alguma
coisa. O início também é absolutamente impreciso pois
não houve uma largada combinada. Alguns competidores (que na verdade ainda não
eram competidores) começaram andando na arena da grande Rede. E assim como
acontece na estrada quando alguém encosta na sua
traseira e você acelera só pra não deixar “esse babaca me passar”, alguns
competidores aceleraram o pa$$o. Isto chamou a atenção de executivos de outras
empresas que viram naquela corrida uma ameaça a seus bons empregos. E entraram
na roda com todo gá$$.
Não se sabe onde a
Grande Corrida vai dar, mas todos sabem que têm que dar. Dar é a regra básica.
Primeiro começaram dando email. Mas como todo mundo dava, passaram a dar
acesso. Mas como todo mundo deu, já estão dando conexão 0800 também. Nunca se
ouviu falar tanto em “business plan” e nunca o
“business plan” foi tão ignorado. Gastar é preciso,
ganhar não. E onde isso vai dar? Sei lá. Mas posso ver muitos não-competidores
ganhando bastante.
Usuários. Quem é
que não gosta de ter Internet totalmente grátis? Tem um pequeno problema: há 3 dias tento conectar pelo Super11 e só obtenho um
super-aborrecimento. Bem, mas se eu ficar satisfeito com um pouco menos, tenho
a opção do IG. Só tem um pequeno problema: o servidor de email do provedor em
que tenho minha caixa postal IGnora
minhas mensagens quando não estou conectado por ele. Bem, mas se eu me dispuser
a mudar meu email, eu posso passar a usar um webmail da vida. Só tem um pequeno
problema.... Mas é só esperar um pouco mais que as
coisas vão ficar do jeito que usuário gosta (não necessariamente de graça).
Portanto, mantenha-se alerta. Coloque no seu desktop ícones de todos os que
oferecerem qualquer coisa na Internet de graça. Vai que dá certo? Vá testando e
aproveitando. Por segurança, por enquanto, não se desfaça de seu provedor,
apenas mude para o plano mínimo (de 5 ou 10 horas).
Jovens
desempregados. Acabou aquela história de que não havia emprego para os jovens
que saiam das universidades. Aliás, hoje jovem não precisa nem entrar pra
faculdade. Basta entrar na Internet e pesquisar um pouco até encontrar um
tutorial grátis sobre a tecnologia que melhor lhe aprouver. Tem de tudo. É
estudar e responder à montoeira de pedidos de currículo que tem por aí.
Desenvolvedores de websites. Os
preços caíram, com certeza. Há dois anos a turma pegava um projeto por mês e
cobrava uma fortuna. Era aquela coisa do “em terra de cego...”. Mas como agora
todo mundo quer ter um site de e-commerce, faz-se e cobra-se website por hora.
Alguns poucos
empreendedores. A lista cabe nos dedos da mão, mas é digna de nota. Eles estão
recebendo uma bela graninha pra brincar de ser CIO.
Profissionais de
informática e comunicação. Os que conseguiram formar um mix proveitoso de
conhecimentos destas duas áreas estão sendo leiloados. Tem casos em que o
profissional em 6 meses, teve 3 empregos. A cada novo
emprego, salário dobrado.
Os veículos de
comunicação. Não fica ninguém de fora. Televisão, jornal, revista, rádio,
outdoor, abrigo de ônibus, parede, muro, táxi, testa, braço, vale tudo. Tem
gente que há 6 meses atrás estava na... digamos... pior e hoje não precisa
mais se preocupar com a aposentadoria. Nunca houve um janeiro tão bom para a
propaganda brasileira. Péssimo para os publicitários que tiveram suas férias
canceladas, seus sonhos adiados. Tudo por conta da Grande Corrida que deverá
gerar, somente este ano, um faturamento de publicidade em torno de 500 milhões
de dólares.
O povo brasileiro.
Por essa você não esperava! Confessa. Acontece que a Grande Corrida é
subsidiada por dólares. Dólares estes que estão sendo despejados na economia
brasileira através destes (e outros) agentes que eu acabei de listar. E este
dinheiro não é aquele especulativo que entra na baixa e sai na alta. Este é
outro. Este são dólares que entram na corrente
sangüínea da economia brasileira pra nunca mais serem devolvidos. E se você
duvida disto porque acha que estes “investimentos” em Internet irão ter um
retorno compatível, vou lhe mostrar alguns números (redondos). O PIB brasileiro
é de 1 trilhão de dólares. A propaganda brasileira,
quando vai muito bem, é responsável por 1% deste valor, ou seja, 10 bilhões de
dólares. Deste valor, a propaganda em televisão, rádio,
jornal e revista, é responsável por 97%, o que dá 9,7 bilhões, deixando
sobrar apenas 300 milhões de dólares para ser dividido entre o restante das
mídias (mídia exterior e Internet). Qualquer expectativa de que a publicidade
na Rede, no Brasil, vá mudar radicalmente este perfil, é exercício de fantasia.
Para a proximidade do carnaval, tudo bem. Mas de resto...
Agora compare o que
se está gastando na Corrida com o que a Internet será capaz de gerar como
mídia.
Tantas pessoas
pensaram tanto tempo sobre tantas formas para transferir renda de países ricos
para países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil, mas ninguém imaginou
que a solução viria da Internet. E a renda viria, quem
diria, do bolso de Tio Sam. Tão bonzinho!!!
Paulo Vogel
Rio, 7 de fevereiro de 2000
P.S.:
Aos Provedores de
Acesso: Não fica bem dizer que o governo, ao permitir o acesso grátis, “levará ao desemprego de milhares de
profissionais”. Fica ainda um pouco pior para a imagem de vocês pedir para o governo “dar
condições para que os provedores existentes possam competir em igualdade de
condições com os outros grupos financeiros”. E frases como “as entidades abaixo-assinadas (...)
conclamam a todos a se mobilizarem contra a extinção de centenas de provedores
nacionais que contribuíram para construir a atual Internet Brasil” fazem
vocês parecer garotos imaturos contrariados com a perda de privilégios.
Ao Governo
Brasileiro: Não conheço os regulamentos incentivadores que o Governo prometeu
em 1995 aos candidatos a provedores de acesso como
alegado no documento “A INTERNET GRÁTIS DEVE SER DE TODOS”. Mas se tratou, tem
que cumprir. Mas o principal papel do
governo é “dar condições” para o mercado se manter atrativo para os
empreendedores e não para proteger os mais fracos ou mais fortes. Há que
proteger a Nação e não promover ação entre amigos. É com esta visão que o
Governo poderá encontrar uma atitude que equilibre o “dummping”
descarado e predador (como é o caso), e o direito de oferecer ao consumidor o
que ele quer (como também é o caso).