BOBALIZAÇÃO

 


“É hoje. Não, ainda não. Agora sim. Espera mais um pouco.”  Imitando Hamlet, eu me pergunto: “escrever ou não escrever?”. Esta tem sido a minha questão faz algum tempo. Finalmente me decidi (graças a um empurrãozinho do ex-sócio do ex-marido da Adriane Galisteu, o Eduardo Fisher). Caí de boca, digo, de dedos no teclado quando ele declarou: “Não acredito em globalização, mas em glocalização.” Argh!

 

O enunciado pronunciado com aspas, negrito e sublinhado, pretende vender o conceito de que estamos entrando em uma nova era, onde “a segmentação vai crescer” diz ele, e onde o negócio é ser “global localmente” ou “localmente global” dizem outros.

 

Minha paciência há muito se esgotou para o marketing “da mais nova e revolucionária técnica de gerência” e meus ídolos são, sem dúvida, Dilbert e  Dogbert. No mesmo caminho vai esta enxurrada de “achismos” sobre a criação de uma nova sociedade pós-internet. Espero que este artigo seja minha última incursão neste tolo discurso de que estamos caminhando inexoravelmente para o paraíso do “eu tenho a liberdade e tudo sozinho decido”.

 

Coisas deste teor, cuspidas (Eu disse cuspidas? Disse-o bem.) por estrelas da publicidade, soam, não como previsões, mas como profecias. E sabem por quê? Por causa da Bendita Referência. Bendita Referência manda mais que mãe Joana. Não há nada que façamos sem antes perguntar a Dona Referência. É ela que nos encaminha para este ou aquele, não importa quem seja este ou aquele, nem se o assunto é sobre isto ou aquilo. Dona Referência sabe tudo. Resolve tudo. Ainda bem!

 

A revista Exame nos dá conta de que nasce uma nova net-company, criada por 2 jovens que... vocês já conhecem a história, portanto vamos em frente. Sabem o nome da Co.? Epinions. Electronic Opinions. Advinhem vocês o que eles querem ser quando crescer? Misses Reference. Acreditam eles (e os venture capitalists que estão colocando 8 milhões de dólares no negócio) que cada vez mais as pessoas irão precisar de um site que lhes diga em que site acreditar, em que site comprar, que produto escolher, que serviço confiar.

 

Referência. Guardem este nome porque este é o nome do jogo. O resto é apenas diferença de processo. Telefone, correio, Internet, contato pessoal, “c’est tout la meme chose” ou “merde”. Desde que, antes, você tenha pedido a benção de dona Bendita Referência. Liberdade de escolha? Sim, desde que a escolha recaia sobre alternativas aprovadas por dona Referência.

 

Fragmentação, segmentação, individualização não são novidades na evolução humana. Elas são a base da evolução humana. Quem duvida que estude o assunto começando por Darwin em “A Evolução das Espécies”. Depois, dê uma passada por Humberto Eco, Alain Tourraine e Manuel Castells. Vai ser um bom começo para ver que o que muda, repito, são os processos, mas não a natureza humana, me corrijo, mas não a natureza. Ponto.

 

A natureza é cíclica. Ao sucesso advém o fracasso que o valoriza. À fragmentação advém a identificação que a sustenta. Sem esta aquela não existe.

 

A Rede esta cheia de admiradores dos próprios discursos. Não sou eu um deles? Passar-se por, é o jeito net de ser. Mas acreditar é o fundamento da referência. Pra quê buscar referência se você não crê? Mas cuidado! Mantenha seus sensores ligados. Verifique se você está consultando a verdadeira dona Bendita Referência e não uma charlatã que se aproveita dos incautos. Cuide-se, para não ser mais um adepto da teoria da bobalização, aquela que interpreta tudo pelo lado mais fácil: o lado da ignorância sobre o que se está propagando.

 

Paulo Vogel

 

Rio, 5 de setembro de 1999

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

Não acredito em globalização, mas em "glocalização"

 

A segmentação vai crescer e quem se preparar para atender o consumidor ávido por

segmentação vai ganhar.

 

O mundo hoje é analógico. Mas está previsto que, até 2007, será  totalmente digitalizado, o que significa que, com a introdução das  novas e mais sofisticadas tecnologias, esse mundo digital será muito  mais interativo. Isto vai valorizar a segmentação. O consumidor está  ávido por segmentação e, portanto, ela terá um grande crescimento, para atender as expectativas dos consumidores. E os meios de comunicação precisam perceber

isso. O mercado não é mais para  uma revista genérica nacional, mas, por exemplo, para uma revista  de surf com prancha pequena ou coisas do gênero.

 

 

Não acredito em globalização, mas em "glocalização".

 

A globalização é uma tendência empresarial, mas a "glocalização" é uma cultura do

consumidor. A tendência do consumidor latino-americano é muito particular. Por  isso não estou acreditando muito em globalização e sim em  "glocalização". O que significa

isso? Significa pensar globalmente e agir localmente.