A CORRIDA DO OURO
DO VIRTUAL PARA O REAL
Cerca de duas ou três semanas atrás,
foi sugerido aos assinantes da lista WDMKT a leitura de
http://www.uol.com.br/webworld/tecnologia/-michel/michel23.htm, um artigo
assinado pelo Michel Lent que faz uma “convocação às
armas”, um grito de “avançar” conclamando jovens net-empreendedores brasileiros a realizar seus
sonhos com o dinheiro (é ele quem diz) “dos
gringos que desembarcam na Terra Brasilis trazendo
suas maletas endolaradas.”
Ele justifica-se dizendo que “Essa é a hora de
estabelecermos quem são as coca-colas e mcdonald's da nossa Internet nas diferentes áreas que ela
oferece.” E completa a abordagem
afirmando que “A grande batalha é para
conquistar estes espaços preciosos. Um momento que provavelmente não se
repetirá.”
Desenvolvido o tema, conclama a turba
para uma corrida ensandecida com uma fala incisiva: “É hora de você pegar aquela idéia maravilhosa que você tem para a
Internet (...) e trilhar o seu caminho rumo
aos milhões (o grifo é meu). É a hora (...) de
correr atrás do "share of
mind" de nichos específicos deste novo mundo
eletrônico antes que eles se consolidem.
E finaliza trazendo
para o trivial variáveis extremamente complexas como o
caráter das pessoas e conhecimento de negócios: “Junte um grupo de pessoas em quem
confia, tire aquele projeto da gaveta, faça seu business plan,
corra atrás do seu "aporte de capital" e trilhe o seu caminho rumo ao
seu querido IPO. Eu já estou correndo atrás do meu!”
Antes de mais nada IPO quer dizer “Initial Public Offering” que, traduzido e explicado, é sua net-empresa ser
aprovada pela Nasdaq para fazer sua primeira oferta pública de ações (também
pode ser entendido como “tentativa para tomar dinheiro de americano trouxa”).
Pensa que é fácil? A
revista Internet Business deste mês tem como matéria principal “Na mira dos
investidores”, e traz algumas informações do que é preciso para conseguir o
IPO. (Lá como aqui, tem trouxa, mas não só.) Já no editorial, o Daniel Deivisson, sustentado pela experiência de lidar com o
assunto todo dia, ressalta: “O capital de risco já prometeu chegar ao país
desde o início deste ano, mas o que se viu até agora foram investimentos em empresas digitais já estabelecidas, com tráfego,
faturamento e até mesmo capital de sobra. Investimentos para as chamadas “start
ups” (iniciantes) são praticamente inexistentes até
hoje.” (O grifo é meu.)
Vamos esclarecer umas
coisinhas. Não existe a instituição capital de risco no Brasil. Nós não temos
esta cultura porque até hoje não conseguimos desenvolver uma bolsa de valores
pujante como a americana. Só para ilustrar. Eu tenho 5
projetos, sendo que um deles é na área de marketing de permissão. Pela
complexidade, já realizei duas parcerias com provedores de acesso sem sucesso
(não eles, a parceria). Por que? Simples. Quando o
capital é função de um excedente gerado pelo trabalho suado de todo dia (não de trouxa) ele
entra difícil e mais difícil é para sair. Na verdade, quando ele existe seu destino é o
bolso do empresário ou o próprio negócio. Você faria diferente? Fechando: não
existe capital brasileiro de risco disponível porque nossa bolsa de valores não
é para trouxas.
Na verdade, na
verdade, não existe capital de risco porque o pretenso investidor aplica o
dinheiro que é de outros, estes sim, “aplicadores de risco”. Ou seja,
investidor investe o dinheiro recolhido de milhares de aplicadores. Se der
errado, não perde nada e o aplicador perde tudo. Para fechar, a palavra de
Romeu Pasquantonio, diretor-geral da Soma (Sociedade
Operadora do Mercado de Ativos): “Para o empresário, a oferta pública (IPO) é
uma oportunidade de capitalização sem
endividamento.” O grifo é meu.
Os dólares das
maletas citadas pelo Michel são do poupador americano iludido com o sonho da
prosperidade eterna. E não há coisa melhor do que brincar de gastar sem ter que
devolver. Os certificados de aplicação que os fundos de investimento de capital
de risco estão entregando, são títulos de médio prazo com conversão automática
para pó. Puff. Em pouco tempo, assoprou, sumiu.
Li no jornal (onde
mais se pratica ilusionismo numerológico) sobre o
primeiro banco brasileiro a criar um fundo de capital de risco. Fui lá. O total
disponível no fundo era de R$3 milhões (!!! Entende a
diferença entre nós e ele$?) e já comprometidos. Mas fiquei na fila para um próximo fundo, quem sabe? Deixei meu telefone para
contato.
Dias atrás li no
jornal (de novo) sobre outra empresa, gestora de fundos de investimento, agora
criando um fundo específico para projetos de Internet. O diretor responsável
ficou de me retornar. Por favor, se alguém atender a ligação o meu ramal é o
123.
De novo no jornal uma
matéria fala sobre um grande grupo investidor brasileiro que já está aplicando
R$30 milhões (diz o jornal) em projetos na internet. Mas eles querem chegar a
R$500 milhões (Números, números. Ah! Como é fácil fabricar números!). Não posso
deixar de tentar. Minha consciência iria me cobrar o resto da vida. Vou deixar
meu celular para não haver risco de não ser encontrado.
Então a saída é
captar a atenção dessa turma que vem do norte? E será que basta uma grande
idéia? Como avaliar uma grande idéia? Você tem experiência suficiente para
isso? Para uma resposta precisa, você precisa botar seu site no ar. Esta é uma
realidade inquestionável até aqui. Está obtendo atenção quem atrai atenção,
quem consegue reunir condições para fazer funcionar um serviço qualquer. Que o
diga o pessoal do Cadê, da Família Miner e do
Elefante. E esclarece a Patrice Etlin, da Advent International, um fundinho
vagabundo que “controla nada menos que US$ 12 bilhões de ativos em todo o
mundo”: “No caso de negócios na área de internet é necessário que o
empreendedor tenha o site funcionando e gerando alguma receita. Projetos no
papel nós recebemos toda semana. Esses eu nem olho.”
Tenho muitas outras
histórias pra contar. Mas para o quero dizer ao final já é o suficiente. Em
toda disputa, a quantidade de perdedores é sempre igual ao número de
participantes menos 1. É uma equação bastante simples mas quando se aplica aos sonhos, o resultado é um número
astronômico pois todos sonhamos e, portanto, todos somos competidores.
Mas a equação para
estabelecer quem vai ganhar é absurdamente complexa porque as variáveis são
muitas. Você precisa ser o cara certo, no lugar certo, no dia certo, na hora certa,
com o projeto certo, para o investidor certo, no valor certo
... Mas, pelo que tudo indica, no ambiente
virtual existe uma condição vital: sair do virtual, existir no real, estar no ar, tirar do papel,
passar para html em arquivo digital e hospedar no
provedor mais próximo. Simplificando: o que se tem a fazer é fazer. Já sonhamos
o bastante. Vamos cair na real para que a sorte virtual bata ao nosso portal?
Paulo Vogel
Rio, 12 de dezembro de 1999