FEBEAPAS.net
Há tempos venho num escrevo-não-escrevo
sobre algumas coisas que me e-incomodam bastante. No
começo, me e-dizia: “é e-natural,
Paulão”, são técnicos da antiga, dos BBSs, ignorantes
em comunicação e marketing, kamikazes desbravadores de um universo
desconhecido. O tempo passou e entraram novos atores. Arrogantes, na maioria.
Jovens, todos. Nerds, para a mídia. Eu me peguei plagiando
Jesus: “Ei, cara, perdoai-os, eles não sabem o que
fazem.” E mais tempo passou. Chegaram os e-investidores.
“Agora vai, imaginei.” Gente da pesada. Profissional. Vinte anos de Wall Street. Consultores, CEO’s, CIO’s, CFO’S,
todos que CFODam. (Me
perdoem. Não resisti!)
A internet, como mídia, tem sido um Febeapa (Festival de Besteira que Assola os Países)
internacional, sem fronteiras. E o Stanislaw pensava que era coisa só de
brasileiro! Encaremos uma verdade: empreendedores, investidores e outros
odores, só têm produzido um festival de besteiras. Acredito que todos os meus
contemporâneos estão com a mesma sensação que eu: nunca vimos uma concentração
tão grande em tão curto período de tempo, em um só segmento de atividade, onde
se tenha feito, falado, escrito, tanta bobagem. Onde se tenha visto tanta
incompetência reunida. Se ainda estivéssemos nos não-saudosos tempos do AI-5,
estava todo mundo preso sob acusação de conspiração contra o Estado.
O que me e-incomoda, não
é a consequência, mas entender a causa. Como se
processa esta histeria coletiva que nos obriga a imaginar que a internet será a
grande panacéia da vida cotidiana.
Parada para descanso. Antes de continuar,
permitam-me dar uma explicação. Por temer que os leitores me tomassem como
velho ranzinza ou que vissem alguma dose de despeito ou inveja, é que relutei
em tratar deste tema. Mas o risco de deixar o cidadão comum pensando que é ele
que não pegou o espírito da coisa acabou por me dar o argumento para uma
decisão.
Voltando à estrada. Sou empresário, mas sempre que
perguntam minha profissão, respondo, com orgulho, que sou publicitário. Não é
sem razão. São mais de 22 anos. Esta profissão me deu recompensas de todos os
tipos, me ajudou a criar filhos e foi pano de fundo de uma feliz vida conjugal.
E é como publicitário que fico mais indignado
porque uma grande parte das besteiras vem sendo criada e sustentada por meus
pares. E não foi à toa. Num ambiente em que parecer ser é a única coisa que se
tem para vender, o poder, o controle, ficou com estes
profissionais às vezes confundidos com mágicos, criadores de fantasia,
semeadores de ilusão na terra do faz-de-conta.
O que assusta, não é a ignorância e/ou
incompetência. Mas um fenomenal volume concentrado em um curto período de
tempo. Entre a chegada e a saída do venture capital ao
Brasil, mal se completou 1 ano. Em termos de maturação
de negócio, não há Pentium que se equipare. Entre o lançamento do Super11 e sua
falência (a primeira declarada e de grande porte no Brasil) foram 10 meses. Na
trajetória, manipulação de números para delícia da mídia e uma farta verba
publicitária desastrosamente aplicada. Até onde soube pela imprensa, a falta
de, digamos, habilidade, foi tão grande que nem o patrimônio de informações
sobre usuários cadastrados os e-responsáveis do
Super11 souberam proteger. Entregaram de email beijado para o IG. (Veja aqui, o
que diz o estudo da Media Metrix.)
Tenho me esforçado para entender o fenômeno.
Começo, naturalmente, pela inexperiência dos jovens. Mas em primeiro lugar, ou
você lida com ela ou você elimina os jovens do processo, o que não é saudável.
Os jovens formam a única força capaz de provocar mudanças. Eles acreditam em
suas utopias e por elas são capazes de cometer as maiores besteiras, às vezes
até barbáries. Mas sem eles, pra começar, não teríamos a internet. A grande
química sempre será a conjunção da experiência com o arrojo. A vantagem da
insatisfação pelo desconhecimento que motiva o risco, com a vantagem do
conhecimento que controla o risco. Por que esta química não ocorreu no primeiro
estágio de empreendimentos na (ou através da) internet?
Em segundo
lugar, tem mais coisas no ciberespaço além do que nos mostra um monitor de
Começo vendo os jovens empreendedores beneficiados
pela sorte (o que fizeram estava na hora certa, no lugar certo, e foram vistos
pela pessoa certa) que se ofereceram como ídolos cracker de um sistema
envelhecido. Exaltados pela mídia, conquistaram a
adesão de outros jovens que passaram a trabalhar freneticamente para se
tornarem iguais a seus empregadores e, por sua vez, passaram a contratar outros
jovens que só falam/pensam/comem/vestem como eles mesmos.
OK então. Mas e como explicar o capital que, até
onde nos mostram as séries históricas, está nas mãos da segunda e terceira
idade, gente mais experiente? Qual a explicação para a ladainha chata e burra
do Business Plan que tanto ouvi por auditórios e
salas sem fim? Por quê empresários e profissionais, em
princípio experientes, de marketing, comunicação, administração e finanças
tenham dado preferência à cara-de-pau de quem apresentava fantásticas planilhas
de projeção da irrealidade cotidiana futura em vez de olhar um pouco mais a
consistência das idéias à luz da realidade conhecida e do conteúdo de quem
carregava a pasta? Por quê todos acabaram entrando
juntos, atabalhoadamente, em uma canoa furada num rio de corredeiras? Espírito venture ou suicide.
OK, a grana era fácil. Não é a primeira vez que
digo isso. Uma grande parte da captação de dinheiro em bolsa foi, é e
continuará a ser um golpe de estelionato muito bem legalizado. Mas em relação
às pontocom isto foi ao extremo. E aqui eu deixo uma provocação para sua
reflexão. Como é que pessoas que fizeram alguma
economia durante anos, sem mais nem menos invistam em ações de empresas que mal
existem no papel, atuam num negócio que ninguém sabe como vai gerar receita e
que ninguém tem a mínima idéia de qual será seu futuro? E o que dizer do tão
famoso índice P/L? Se no tempo em que eu não tinha juízo olhava com
desconfiança qualquer número acima de 7, o que
dizer das ações pontocom com índices de
50, 100, 200. Alguém descobriu a segredo da eternidade terrena e não me contou!
Mas a esta queda, todos iremos sobreviver para ver.
OK, ganhar dinheiro fácil é um desejo enraizado no
ser humano. Talvez esta seja uma das características psicológicas iguais no ser
humano, independente de raça ou nacionalidade. O que não sabíamos é que perder
dinheiro fácil também é.
Confesso, foge à minha compreensão. Evidentemente
no futuro sociólogos farão suas teses de mestrado com teorias para explicar o
fenômeno mundial que ocorreu na internet neste período que, parece, está
chegando ao fim. Quem viver terá sua curiosidade satisfeita e sua angústia
terminada.
Sou publicitário. Como tal, tenho cá algumas coisas
que me dão mais indignação que outras. Recentemente tenho ouvido boas. Como uma
rapaziada modelo Andréia-No-Limite (acha que fez tudo
certo e sai perguntando “por que perdi?”) que varreram para debaixo do site ética e profissionalismo e estão me dizendo que vão
rescindir o contrato sem mais nenhum click e que não
vão me pagar porque “as despesas tiveram que ser cortadas se não o IPO na
Nasdaq blá-blá-blá.“ Como diria a Neuza Piton, uma amiga de velhos tempos: “sai das fraldas, cara,
e paga logo essa fatura!”
Mas tem uma que me surpreendeu de modo especial
porque essencialmente publicitária. Esta semana chegou à agência um material de
divulgação do novo site de um importante veículo de comunicação. Pela linguagem
(texto e direção de arte) logo se percebe que o público-alvo são
os jovens e que foi criado por uma grande agência. Já na primeira página leio a
seguinte pérola sob uma ilustração de um gráfico de page views: “fig.
2 – Desde 96 (o tal site) é mais visitado do que mulher de piloto.”
Tenho duas jovens sobrinhas que são filhas de
mulher de piloto. Fico imaginando o que elas irão pensar sobre a mãe ao ler
esta observação em uma mensagem dirigida a elas. Será que vão achar
engraçadinho? Será que, por esse argumento tão... tão...
tão insólito, elas vão fazer deste site seu sítio
favorito?
De minha parte, fico batucando nos botões do meu
teclado até onde essa onda de super valorização do corpo em detrimento da mente
vai nos levar. E confesso que estou curioso para saber que tantas visitas são
essas que eles dizem que minha irmã recebe quando meu cunhado está voando.
Obrigado saudoso Stanislaw Ponte Preta. Dilbert não nos deixa te esquecer.
ANEXO: ESTUDOS MEDIA
METRIX
A Media Metrix é um instituto de pesquisa reconhecido
internacionalmente e divulgou para a imprensa brasileira no mês de setembro,
uma parte do resultado de seus estudos realizados no Brasil.
A amostra foi composta por 1.589 domicílios, 2.800
pessoas, nas 10 regiões mais populosas do país. Portanto, não foram incluídos
os que acessam de outros pontos fora da residência.
No resultado foram listados os 25 domínios mais
visitados pelos brasileiros com base no mês de agosto/2000. São eles, em ordem
alfabética:
Altavista.com
BOL
Cadê?
CJB.Net
Globo.com
HpG
ICQ (2 domínios)
IG
Lycos.com
MSN.com
MSN.com.br
Passport.com
Real Player
Receita Federal
StarMedia.com
Terra
Terravista.pt
UOL
V3.com
Xoom.com
Yahoo! Brasil
Zip.Net
Também segundo o estudo, a internet não está
presente em 82,1% dos lares com linha telefônica. E fazem uma projeção de 8,6
milhões de internautas no Brasil.
Rio, 26 de setembro de 2000