O FOCO, CADÊ O FOCO?

 

O funcionamento das sociedades se estrutura no caos organizado. O caos fica por conta da diversidade e a organização por conta da similaridade. Seja lá em que mar estejamos navegando, diversidade e similaridade comandam o barco. No marketing é assim. Na Internet mais assim.

 

Consideremos à questão tribal. A tribo é tanto um mecanismo da diversidade quanto da similaridade. Formamos uma tribo porque nos assemelhamos e como tribo nos diferenciamos. A parte faz o todo. O todo é a parte. Do todo maior. Que é a parte... do todo.

 

Onde está a parte onde está o todo? Onde está o indivíduo, onde está a tribo? Quando sou eu, quando sou nós?

 

Que reconversa é essa, hás de estar se perguntando? É que se desejamos transmitir a mensagem, precisamos definir a tribo. A parte e o todo. Mas existe muita confusão nesse negócio. Onde está o foco, onde está a dispersão? A propósito, me vem a lembrança de uma distante aula de marketing na USP. Contava o professor, como exemplo de posicionamento, que uma empresa americana de entrega de encomendas, ao questionar sobre qual era a essência do seu negócio, fez a inusitada descoberta de que era... transporte. E foi assim que entrou no negócio de ferrovias, aerovias, navegação... Não me perguntem sobre o fim da história.

 

Há quem sustente que a primeira pergunta deve ser “qual é o nível”? Penso que isto só cria mais nebulosidade. Uma empresa de um determinado porte que está preparada para atuar em um determinado nível deve mudar de foco se crescer? O MacDonald’s é MacDonald’s desde criancinha. Alguém acha que ele deva entrar para o segmento de “cattering” porque sabe fazer comida rápida e padronizada?

 

Sem polêmica. Voltemos ao foco. A tribo é o foco. Mas a técnica utilizada tem sido a de determinar o foco pelo patrimônio de habilidades. A empresa vai ao espelho e pergunta: espelho, espelho meu, existe alguém que saiba mais do que eu? O espelho, cara-de-pau como só e com medo de perder o emprego, solta um categórico “Nããããooooo”. O consumidor? Ah! O consumidor! Sumiu, ninguém sabe, ninguém viu. E aí, vender pra quem?

 

Habilidades se adquirem. Tecnologia se compra. Know-how se contrata. Mas consumidores... Ai o business é outro. E consumidores se agrupam em torno da mensagem. E mensagem é síntese. Síntese é foco. Foco é símbolo. Ícone. Estabelecer o foco é identificar uma necessidade e trabalhar para satisfazê-la. Mas uma necessidade determina uma referência para o estabelecimento de similaridade. Várias pessoas com a mesma necessidade definem uma tribo independente de terem ou não consciência tribal. Esta tribo é diferente das demais. É virtual. Aliás, ela é a afirmação de que seus integrantes desejam algo diferente. Determinar o foco, portanto, é escolher uma tribo para a qual se irá produzir algo diferenciado. A perenidade do negócio dependerá da natureza da necessidade. Se ela se renova, o negócio se mantém com a renovação do produto. Se ela se extingue, é preciso identificar uma necessidade mais abrangente. E se a necessidade se satisfaz e a rotatividade da tribo é baixa, o negócio é mudar de negócio. De foco. Descobrir novas necessidades, novas referências, novas tribos.

 

Não há um método único. Depende. Não há uma solução. Depende. “Tudo é relativo” já nos ensinou Einstein. Depende ce você manter sua atenção no foco. Foco no foco.

 

Mas por que tanta insistência em um só foco? Por que não dois focos? Por que um símbolo não significa duas coisas. Senão, não seria um símbolo. Se há mais de um significado, não é um símbolo, são dois, três, dez... “Êpa! Espera lá, o pá!“

 

Clicando no back. Uma palavra (um ícone) quando tem dois significados, só pode assumir um deles dependendo do contexto, correto? E o que é o contexto se não uma vizinhança com outras palavras (outros símbolos)? Melhor. O contexto é uma outra tribo e como tal tem uma outra necessidade. Vamos raciocinar usando duas marcas do mercado. O Ka é uma marca da marca Ford. Quem compra o Ka? Compradores da marca Ford ou consumidores com necessidades que as características do Ka satisfazem? Ka significa algo completamente diferente de Ford apesar da imagem de uma marca interferir na imagem da outra. A imagem de Ka pode ser reforçada ou enfraquecida pela imagem de Ford, e vice-versa. Mas ambas terão um significado próprio, independente. O que é parte, o que é todo? Ka é parte do todo Ford. Que é parte. Ford é foco para a tribo dos consumidores de veículos automotivos enquanto Ka é foco para a tribo dos jovens ousados. Não são dois focos para uma mesma tribo. São dois momentos de comunicação distintos para tribos distintas. O que não pode é uma marca que signifique veículos sustentar a comunicação de um veículo de baixo custo porque as vendas estão fracas e você precisa faturar. Ou porque sua tecnologia serve tanto para fabricar veículos sofisticados quanto populares. Um conceito contradiz o outro. Como a imagem de uma marca interfere na imagem da outra, o resultado é a percepção de falsidade nos dois conceitos, destruindo as duas marcas, melhor dizendo, os dois ícones.

 

Alguém poderá estar se perguntando como agir quando você fica sem foco porque a tribo para a qual você produzia foi exterminada, por exemplo, por uma nova conjuntura econômica. A resposta está, novamente, no foco. Mas isto fica para o próximo capítulo de “O foco, cadê o foco”?