O FOCO, CADÊ O FOCO? - III
The End
Foco e posicionamento. O primeiro, um exercício de introspecção, a descoberta e a conseqüente concentração em suas habilidades. O segundo, um olhar para fora, pesquisa de necessidades, busca de mercado potencial, definição de público-alvo. E fim da confusão.
Que as forças do universo me protejam contra a ira de meus pares publicitários, mas tenha excelência em foco e você não vai precisar de propaganda para ser conhecido. Dou exemplos. Aqui em Ipanema, menos de um ano atrás, abriu uma lojinha onde mal cabem cinco ou seis pessoas consumindo, ao mesmo tempo, um produto básico do brasileiro, pelo dobro do preço do similar no supermercado. A próxima loja inaugura em trinta dias. A terceira, em noventa. Qual o negócio? Cafezinho. É isso mesmo, ca-fe-zi-nho. Chama-se “Armazém do Café”. Eles vendem o que de melhor existe em café, meia dúzia de tipos, do mais suave ao mais forte. O cafezinho de toda hora (o mais baratinho deles), pelo qual pagamos trinta e cinco centavos no boteco da esquina, lá no balcão do Armazém custa R$ 1,00. Claro, é expresso e é o melhor café que existe! Afinal, eles são especialistas nisso. Método de divulgação: oferecer excelência na prestação de serviço.
Outro exemplo. Dia desses descobri uma loja aqui perto que vende shampoo. Nome? Shampoo Cosméticos. Entrei. Um tumulto. Um frênesi total. As 7 atendentes e a caixa não davam conta do serviço. Dez lojas depois, uma farmácia. Às moscas. Fui comparar os preços. O mesmo shampoo que na farmácia custava R$ 4,73 na Shampoo estava por R$ 4,20, 11% mais barato!!! Surpreso? Não por isto. O Armazém, além do aspecto “grife” do negócio, vende serviço especializado e cobra mais por isso. A Shampoo comercializa, distribui, concentra para ter escala, quer obter mais volume de vendas por metro quadrado, por isso vende mais barato. Na loja Shampoo não tem cartazes de promoção, nem descontos “especiais”. Método de divulgação: oferecer excelência na prestação de serviço.
Querem mais? Forno de Minas e seus pãezinhos de queijo. Um exemplo brasileiríssimo de sucesso em franquia. Não sei nada sobre shampoo, mas de café e pãozinho sei um pouco. Sei que nestes dois casos, a definição do negócio não nasceu de alguma verificação de oportunidade de mercado. Ao contrário, eles nasceram como consequência de uma habilidade que seus idealizadores identificaram em si mesmos. O foco, a concentração em um só produto, é que permitiu se tornarem excepcionais naquilo a que se propõem - os salgados no Armazém e o café na Forno de Minas são “complementos”. Mas os três casos crescem, ampliam sua base de clientes, não em função de qualquer movimento de divulgação que façam, mas em função da mais poderosa das armas, a divulgação boca-a-boca consequente de uma experiência de consumo bem sucedida.
Descobre-se o foco, portanto, olhando para dentro de si mesmo. Vá para a frente do espelho, esteja você querendo se analisar como profissional ou saber onde sua empresa será mais competitiva. Encare-se. Dê uma olhada no seu currículo. Verifique em que “roubadas” você andou se metendo nos últimos tempos e o que você aprendeu com elas. O que você gosta de fazer? Que produtos ou serviços têm sido mais rentáveis? Repito: onde estão suas “expertises”? E esprema. Faça um suco de si mesmo. Um extrato. Obtenha a síntese de sua existência. Mas cuidado! Você não está à procura do quê ou onde você é o bam-bam-bam, mas no quê ou onde você pode vir a sê-lo. Descobrir a habilidade para e não o grau de habilidade atual. Atenção! Este exercício de auto-análise não é fácil nem simples nem rápido e exige certa dose de coragem para dizer não às tentações imediatistas. Na maioria das vezes também não é barato. E tire os olhos do mercado. Esqueça-o. Ainda não é hora. Neste momento só fará desviar sua atenção do foco.
Assim como nas pessoas, nos negócios também são poucos os que têm um talento inato e aparente. Como indivíduos em sociedade, a maioria de nós passa a vida nesta busca. Nos negócios temos a possibilidade de retirar uma boa parte das questões emocionais. Mas é preciso vontade e determinação. Se você quiser atribuir foco para uma empresa qualquer, prepare-$e. Sua primeira dificuldade será colocar isso como prioridade número 1 na sua lista de tarefas. A segunda será colocar como prioridade número 1 na lista de tarefas das demais pessoas que participarão do processo. A terceira será conseguir eliminar o maior obstáculo para enxergar a si mesmo: seus “conhecimentos” e suas “experiências” passadas. Isto é uma praga dos infernos! Ninguém está muito disposto a atribuir a si mesmo a razão de seus insucessos, isso sempre foi culpa dos outros e é melhor deixar assim. Mas por outro lado, nos culpamos além de nossas culpas. Esquecemos que nossos insucessos também estão subordinados a questões macro-econômicas, absolutamente longe do nosso controle. Portanto, dê uma nova chance a si mesmo. Se você não o fizer, quem fará?
Sinto que hoje eu estou... estou... psicanalítico. ;-)
Descoberto o foco você estará pronto para sair em busca do posicionamento. Sabendo o que você pode oferecer, fica mais fácil identificar e dimensionar o seu mercado. E aí, com foco e público-alvo identificados, criar seu conceito de comunicação vira brincadeira de publicitário.
Chegamos ao fim deste papo. Minha expectativa é a de ter, mais uma vez, provocado a reflexão sobre um tema de importância para o marketing de qualquer segmento. Para encerrar, quero enfatizar um ponto e aconselhar outro. A ênfase vai para o fato de que a sociedade, por vários motivos, está se redirecionando para um sistema operacional sustentado pela especialização. Falar sobre isso dá um livro e, portanto, só vou lembrar a revolução que a tecnologia de rede está causando nos processos de trabalho. Para que preciso de “sabe-tudos” se na rede eu tenho todos os especialistas à distância de um clique? Quanto ao conselho (se fosse bom...) é para que, no processo de busca do foco, incorporem um profissional de fora. No mínimo vai ajudar a evitar a síndrome do peru bêbado.
Para não ficar com jeito de peru bêbado, vou saindo pelas margens do meu texto.