FRONTEIRAS NO CIBERMUNDO

 

“O conceito de pertencer está na mente, não na terra.” Lester Thurrow

 

A natureza é tribal. Todos os seres vivos se agregam de alguma forma. Homens. Plantas. Bichos. Coisas. Astros. Átomos e tudo mais. O homem do próximo milênio será tão tribal quanto seus ancestrais. Isolados, somos apenas animais acuados no fundo de uma caverna.

 

A primeira manifestação do homem é chorar para proclamar/afirmar sua existência. Depois, chora porque tem fome, tem sede ou sente frio. Mas a mensagem é sempre a mesma: “Hei! Eu existo!” Mais tarde, largado à própria sorte, delimita seu território para proteger sua integridade sempre tão supostamente, ameaçada. A mensagem é “afaste-se, você me assusta.” Então, fincado em seu domínio (agora um net-domínio), põe-se a definir (por semelhança) quem pode se aproximar. Ou seja, a diferenciação é pré-condição para que haja identificação.

 

E assim nasce uma tribo, um conjunto de seres que, mantidas suas diferenças, se agrupa num território de valores comuns, todos respeitando e exaltando um código de comportamento único. Assim, estabelecer fronteiras significa definir o território - ético, moral etc. - daquele grupo. As fronteiras são o atributo da unidade (identidade) grupal. É nela que se alicerça o sentimento de pertencer. Pertenço porque me comporto segundo o código da tribo e o elejo como fronteira do meu espaço de ação. Invocando-o, obtenho a unidade necessária para expulsar os rebeldes ou para rechaçar invasores.

 

Esta introdução serve para dirigir a reflexão para a questão da eliminação de fronteiras com o advento da Internet e a conseqüente criação de um universo virtual. Apesar de utópico - ou por isso mesmo -, este tema acompanha a trajetória do homem. Mas o homem é um ser dual, sempre desejando o inverso do que tem. Por vivermos em espaços delimitados, sonhamos com nossa libertação. Mas este inverso é um mundo sem fronteiras, é a utopia anárquica. Um eu sem identidade. Um eu desagrupado. Seria um retorno ao início dos tempos, isolados e em busca de proteção.

 

Em um de seus artigos, Nicholas Negroponte, do MIT, defende a idéia de que a Internet cria, finalmente, o mundo sem fronteiras e afirma perguntando: "Por quê precisamos de fronteiras?" Para proteger nossa existência, é a resposta. Isolados, temos medo, não somos nada, não temos poder. Agrupados somos fortes, nos sentimos seguros porque protegidos pelo escudo tribal. A Internet não introduz uma “nova” maneira de nos relacionarmos. Ela cria um outro espaço para os relacionamentos. E, por ser virtual, as fronteiras são imprescindíveis. Elas desenham o ícone principal de nossa identidade cibernauta. A referência que me faz parte e todo, especial entre os iguais.

 

As fronteiras no cibermundo, como em todo o mundo, estabelecem referências para a busca de identidade. Precisamos delas para que possamos "pertencer a". Por isso elas existirão pelos milênios e milênios além. O que a Internet traz ao processo de tribalização, é a substituição de fronteiras geográficas por cibergráficas. Infinitos micro-ciberespaços serão criados, sustentados, defendidos e ampliados pelo agrupamento de indivíduos com afinidades em valores virtualmente transmitidos. Valores estes que podem ser escamoteados, suprimidos, falseados. Não tenho cor, ou tenho a cor que a tribo valoriza. Não tenho sexo mas assumo o sexo desejado. Não tenho rosto, mas devo ter a “cara” da minha mensagem porque, neste meio, eu sou a mensagem.

 

Os que temem o aumento do segregacionismo ainda não perceberam o poder de fragmentação de tribos neste novo universo - o que o fragiliza como arma de subjugação e domínio. No futuro existirá um número infindável de tribos. Elas serão muito mais dinâmicas quanto ao seu tempo de vida, ao número de participantes, rotatividade etc. A entrada nas cibertribos dependerá das mesmas premissas exigidas no mundo real. Mas a saída será muito mais fácil, seja por vontade própria ou por arbitrariedade. Nossa permanência na cibertribo será limitada pelo respeito às regras. Siga-as e conviva. Desrespeite-as e seu login será desabilitado. O que só na forma difere de como tem sido através dos tempos.

 

No amanhã, teremos múltiplas ciberpersonalidades e cibernacionalidades. Os ícones tribais transitarão em MB/segundo e as fronteiras serão as da diversidade humana. Aperte seu cinto que estamos entrando na dimensão da virtualidade. Eu me conecto, logo existo. Eu me identifico, logo pertenço. Existir e pertencer, o binômio da vida.

 

Paulo Vogel

pvogel@mtec.com.br

 

Rio, 4 de abril de 1998