INVENTEI A 51
"A pessoa por trás do negócio está em primeiro, segundo e terceiro lugares.
Depois vem a idéia, a inovação."
Kati de Almeida Braga, Banco Icatu, sobre a importância do empreendedor
No último dia 11 de maio, participei do evento INVENT DAY - Turbinando Start-ups, uma boa idéia patrocinada pela INVENT, a primeira empresa criada com recursos do fundo IP.com destinada a selecionar projetos de Internet para serem "incubados", sem duplo sentido, e turbinados com "venture capital". Foi extremamente útil para os jovens empreendedores e, com certeza, um sucesso para os objetivos da INVENT. Para tanto contribuiu significativamente a condução rígida da agenda, com os temas sendo apresentados em uma ordem coerente, na forma de palestras ou painéis com profissionais convidados moderados por um executivo da empresa. Para saber mais e ficar alerta para o próximo, que será em São Paulo, acesse: http://www.invent.com.br. Tudo muito bem, tudo muito bom, mas...
A síntese do evento pode ser colocada sob três itens: 1) confidencialidade; 2) idéia versus empreendedor; e 3) Business Plan. Estes pontos tiveram sua relevância evidenciada pelas manifestações tanto no evento quanto em perguntas enviadas para o fórum. É por causa desta relevância que resolvi escrever este artigo.
Confidencialidade. Tenho acompanhado esta torrente de fundos de "venture capital". Todos, invariavelmente, só aceitam estabelecer um primeiro contato via formulário Web. Lá, pedem pra você contar a essência de seu projeto/idéia/conceito. Eles fogem do contato face-to-face feito diabo da cruz. Argumento? "Seria impossível receber a todos, blá-blá-blá." Mas eles afirmam ser extremamente zelosos e garantem que nada vai vazar (como não cara pálida?), mas que, por princípio, não estão dispostos a assinar um NDA (Non-Disclosure Agreement, aqui conhecido como Acordo de Confidencialidade). E logo aonde! Num mercado (de capitais) onde "inside information" é o que mais vaza!!!
E ainda há a questão da similaridade de projetos onde um "similar" será escolhido e os outros preteridos. O buraco aí é tão mais em baixo que vou deixar ao leitor o prazer de imaginar o que pode passar voando por esta janela.
Em todo caso, no caso do E-Cobra (instituto fundado para fomentar o empreendimento de risco na internet), pelo menos eles incluíram uma cláusula com o seguinte compromisso: "O Instituto deverá assegurar que todas as pessoas que estiverem ligadas (...) ao concurso, (...) assinem um acordo de não revelação de informações confidencias, em benefício do Instituto(...)."
Na INVENT
não há contrato algum, apenas uma "política de privacidade" onde
aparece o seguinte texto relacionado a "Envio de business plans":
"asseguramos que todas as informações relativas ao seu plano de
negócios serão tratadas sob total sigilo. Graças à política de servidor seguro,
todas as informações que você enviar serão protegidas por um sistema de
criptografia,(...) em qualquer (...)hipótese," (sendo aceito ou
recusado) "garantimos total confidencialidade sobre seu plano de
negócios."
Idéia versus Empreendedor. Nas palavras do Presidente do IP.com, "idéia vale US$ 1 a dúzia". Concordo. Como publicitário, sou um profissional da idéia. A gente aprende a técnica, o jeito de fazer a coisa, o segredo, e não conta pra ninguém pra poder cobrar uma grana dos anunciantes. Quando me perguntam como consigo essas “sacadas”, dou uma resposta que sempre me soa óbvia: é minha profissão. Assim, estamos de acordo que idéia, chuchu e mulher da vida, dão em qualquer lugar, apesar de ainda existir muita gravata espalhafatosa passando por aí puxando um "criador" pela goela.
O que não concordo é com colocar tudo no mesmo saco, como fizeram lá no INVENT DAY. Idéias por idéias, nascidas no banheiro debaixo de chuveiradas e idéias que se tornaram projetos, conceitos de negócio, que podem transformar as relações entre duas pontas do mercado, nascidas da experiência, ou, como está na moda dizer, da "expertise" adquirida ao longo de muitos anos de ralação e madrugadas de lerda conexão, são água e vinho, mesmo que depois a água se transforme em vinho e o vinho vá pro vinagre.
Mas, repetem, o importante é o empreendedor. Vejamos se é verdade. O questionário básico do INVENT tem 14 perguntas sendo que apenas 1 é sobre o empreendedor e sua equipe. O que você acha? Será que não está faltando a famosa compatibilidade entre o discurso e a prática tão necessária para o estabelecimento da confiabilidade. E mais, pessoas, não as podemos conhecer por email. Nada justifica recusar um contato pessoal, por mais curto que seja o tempo dado. Se isto é importante para o processo, isto tem que ser feito, não importa o custo. O resto, é desculpa para esconder alguma coisa que não é dita.
Business Plan. Este termo tem sido usado para se referir indiscrimidamente ao questionário inicial, a um resumo dos conceitos ou a um completo BP. A humildade me impede de expor minha opinião sobre BP de projetos para Internet, feitos até mesmo antes de se conhecer os interesses, premissas e recursos do parceiro investidor. Então, recorrer ao que disse um tal de Timothy Sloane, executivo de um tal de Aberdeen Group, numa certa entrevista em uma tal de Individual Investor, em 98. No original: "If someone tells you they can count something on the Internet, they're lying through their teeth." E, em tradução livre das entrelinhas, entre dentes, em bom, chulo e franco português: "Busines plan para negócios na internet? Não fode, cara!"
Se alguém acha que o cara exagerou, veja estas duas pérolas entre as 14 perguntas do tal questionário:
1. Quem são os principais concorrentes? Descreva forças e fraquezas e como o produto deles diferencia do seu. Quais as operações e estratégias de marketing utilizadas por eles? (Máx.50 Linhas - Aprox. 5.500 Caracteres)
Produto deles? Se na maioria dos casos o concorrente ainda nem existe (estamos assumindo que as "idéias" são originais), como avaliar as forças e fraquezas dos concorrentes? E o que isto interessa num primeiro contato via email?
2. Plano Financeiro: Premissas, breakeven e fluxo de caixa para os próximos 8 trimestres. (Máx.50 Linhas - Aprox. 5.500 Caracteres)
Breakeven? Fluxo de caixa
para 8 trimestres? Alguém não entendeu nada, provavelmente eu, claro, sem sobra
de dúvida.
Tem que haver uma razoável explicação para isto acontecer. E tem. Para entender, vamos ao passado. Antes do desembarque dos ET's, quer dizer, dos VCs (Venture Capitalists), não existiam Business Plans, apenas gente ousada, corajosa, inovadora, que arriscava as calças numa percepção de potencial de negócios. Naquele tempo, não existia capital e os negócios eram no mundo real. Quando as coisas davam certo (apenas 20% das empresas sobrevivem após 2 anos), a razão era a determinação e a competência do empreendedor.
O capital veio e trouxe com ele a figura do intermediário, os fundos de investimento que precisam justificar trimestralmente para os aplicadores o destino do rico dinheirinho deles. É aí que o BP entra. Entra pra tirar o deles da reta no caso daquele capital ter virado pó. Um BP sempre permite que alguém se esconda atrás dele. Esta é sua única serventia. Além do mais, dito pelos próprios gestores de fundo, apenas 20% (os mesmos 20%) dos empreendimentos são sucesso. Ora carambolas, qual a diferença com ou sem BP?
Não sou contra BP, até porque sou um profissional de planejamento e reconhecido como tendo uma habilidade especial para visualizar cenários futuros. Sou contra conto de fadas quando se trata gerir negócios. Deixa eu repetir o que já disse em outro artigo: me diga o que você quer provar que eu lhe dou a pesquisa que o corrobora sua tese. Seguinte, respostas e números a gente os coleta de acordo com o objetivo que temos a atingir. Sacou? Então não me venham com "churumelas". Mas é aí que a coisa encrenca porque profissionais não são dados a enganação. A questão proposta se resume então a ficar de fora ou a se locupletar. Dizer "então tá, eu finjo que é verdade e você finge que acredita."
Internet não é apenas um mercado de risco como outro qualquer porque qualquer outro tem passado, tem referência. Internet é um mercado desconhecido, cuja direção depende dos ventos que irão soprar sobre a economia mundial com sua volatilidade de capitais, sobre a capacidade dos governos de criar infra-estrutura, sobre os avanços nas áreas da eletrônica, da informática e das telecomunicações. Não se pode, seriamente, fazer um Business Plan com datas e valores de retorno porque não se pode ir além de, escolhido um projeto conceitualmente forte, investir nele para "entupir o canal" e permanecer na rede à espera do "momento de ruptura".
Por diversas razões havia tomado a decisão de não enviar nada para o E-Cobra. Mas no último momento resolvi participar apenas para me manter no processo. Escolhi o projeto “AnuncieAqui” que abandonei por já existir semelhante no mercado liderado por um player de grandíssimo porte. Meu projeto foi recusado e, dois dias atrás, recebi um email com os seguintes comentários da comissão organizadora:
'O sumário está claro e objetivo.'
'No conceito o público-alvo parece estar bem definido.
'O produto possui um bom posicionamento no mercado e a idéia parece ser original.' Não era.
'O mercado apresentado no conceito parece ter tamanho e taxa de crescimento realmente atrativos.'
'Infelizmente, o plano esta muito pouco detalhado não permitindo uma avaliação mais objetiva. Desenvolver mais o plano para tentar viabilizar investimento no negócio.' Eles querem saber mais e mais.
Ou seja, eles recusaram o único negócio certo e promissor que a DoubleClick está fazendo: intermediar a comercialização e gerenciar a distribuição de Web mídia.
Eles querem Business Plan mesmo que, 6 meses depois e mais de US$ 100 milhões de dólares jogados fora (por pura incompetência), eles dêem por encerrada a brincadeira. Vejam esta notícia publicada no Globo de 19 de maio sob o título “A PRIMEIRA GRANDE FALÊNCIA DA INTERNET NA EUROPA”:
“A loja virtual de produtos esportivos Boo.com (...) faliu devido a perdas calculadas em US$120 milhões. A empresa (...) tentou obter mais US$30 milhòes (...) mas os investidores (entre eles, a Benetton e a Louis Vuitton) negaram o pedido. Segundo a BBC, os problemas da companhia foram causados pela sua incapacidade de estabelecer uma grande clientela em tempo hábil o suficiente para gerar receitas que mantivessem as operações. Em entrevista ao Financial Times, um dos fundadores da empresa, Ernst Malmsten, disse que deveria ter tido mais controle sobre os gastos.”
É increditável! É surreal! US$120 milhoes de dólares depois (uma parte,provavelmente, na conta dele na Suíça) o cara vem a público admitir sua incompetência. Mas eles insistem em nos pedir Business Plan.
Será que realmente não temos um processo melhor? Vou deixar minha sugestão (um processo em três etapas) caso queiram realmente valorizar o empreendedor.
Primeira: Um formulário com duas perguntas: a) Descreva sua formação e experiências; b) Diga porque você se considera um empreendedor. Analise a compatibilidade (a tal) entre as duas respostas. Aos compatíveis, envie um segundo formulário.
Segunda: Um formulário com duas perguntas: a) Fale o que puder sobre seu projeto, principalmente quem são os clientes, usuários, fornecedores e parceiros. B) Você se sente preparado para liderar o projeto? Por quê? Agora verifique a compatibilidade entre estas respostas e as respostas ao primeiro questionário. Aos que passarem por esta etapa, convide-os para uma apresentação pessoal.
Terceira: Marque uma entrevista entre o empreendedor (ou equipe) e dois (não mais) representantes do capital com efetivo poder de decisão. Conceda-lhe 30 minutos para que ele se "venda" e "venda" seu projeto.
A isto eu acrescentaria uma observação que qualquer um tira da vida. Se o sujeito é muito bom em uma coisa, dificilmente vai ser muito bom em outra. Se o sujeito é muito bom em Business Plan, dificilmente será um bom empreendedor.
Bem, estou finalmente quase chegando ao fim (Ah! Esse meu jeito de construir frases ainda me impede de chegar na Academia!). Vou aceitar a sugestão do João Pedro, Diretor de Marketing da INVENT, que, encerrando o evento, listou as 10 mentiras dos empreendedores, entre elas: "não existe similar" e "não existe concorrente" (lista completa só com ele). Então, para que nós, empreendedores, não fiquemos para trás, apresento as 10 mentiras dos investidores. São elas:
1. Em primeiro lugar está o empreendedor.
2. Em segundo lugar está o empreendedor.
3. Em terceiro lugar está o empreendedor.
4. Garantimos total confidencialidade.
5. Não temos nenhuma restrição prévia a qualquer tipo de projeto.
6. Queremos ser parceiros do empreendedor.
7. Não vamos interferir na gestão.
8. Não queremos ter a maioria acionária.
9. Não estamos interessados em IPO.
10. Queremos ganhar no longo prazo.
Lá nas páginas da INTERNET MARKETING tem uma seção sobre Frases Assassinas. Existiam, até ontem, 50 frases. Incluí a 51ª : "Boa idéia. Você tem um Business Plan?" Argh!!!