MAPA DO CIBERESPAÇO

 

 

A natureza é tribal. Na flora ou na fauna. Entre as flores e as árvores. Entre bípedes ou quadrúpedes. Entre insetos e répteis. Todos os seres vivos buscam agregar-se de alguma forma.

 

O homem do século XXI é um ser tribal como o foi nos primórdios da civilização. Isolado e sem referências, ele é apenas um amontoado de ossos e carne fincado em seu território. Identificação é tudo o que procuramos, incessante e incansavelmente.

 

A primeira manifestação do homem é afirmar sua existência. A segunda, é delimitar seu território - o que nada mais é que a amplificação da existência. Ambas se constituem em ações de afastamento. Entretanto, elas são a base fundamental para existir aproximação. Para haver identificação é preciso, simultaneamente, existir uma não-identificação. A identificação se dá pelo reconhecimento, em alguns, de valores existenciais comuns. A partir daí, ocorre um processo de permissibilidade de convívio que durará enquanto não surgir conflito entre outros valores.

 

Nasce uma tribo, um conjunto de seres que, por similaridade de referências, se agregam, respeitando e exaltando um código de comportamento próprio. Este código é o instrumento que evita a desagregação que seria originada de conflitos entre valores não fundamentais para o grupo. Ele será invocado acima de tudo sempre que a identidade da tribo estiver ameaçada.

 

Implícita na decisão de aproximação está a aceitação das linhas delimitadoras do território do grupo. Assim, por definição, delimitar territórios significa criar fronteiras, limites. A tribo sempre agirá em nome de sua unidade tanto para rechaçar invasores quanto para tentar ampliar suas fronteiras através de incursões sobre territórios aparentemente desprotegidos.

 

Esta introdução serve para exercitar o pensamento para a questão da eliminação de fronteiras. Apesar de utópica - ou talvez por isso mesmo -, este tema acompanha a trajetória do homem. Isto não é difícil de ser entendido para quem identifica o caráter dual do ser humano. Nós sempre desejamos o inverso daquilo que temos em excesso. Se ampliarmos o conceito de fronteiras para todos os limitadores de nossas vontades, veremos que vivemos mergulhados num excesso. Estamos ávidos por um discurso que anuncie nossa libertação. Ou seja, o inverso. Mas o inverso  é a utopia anárquica. Um eu sem limites. Um eu desagrupado. Mas aí voltaríamos ao início dos tempos, com o homem isolado em busca de identificação.

 

Tudo isto vem a propósito da idéia de que o ciberespaço não tem fronteiras e, por isso mesmo, sendo a realização da utopia anárquica. Em artigo recente, Nicholas Negroponte afirma perguntando: "Por quê precisamos de fronteiras?"

 

Para proclamar nossa existência, eu afirmo em resposta. Isolados não somos ninguém. Agrupados somos uma tribo, temos território e poder. As fronteiras desenham o ícone principal de nossa identidade social. As fronteiras são muito mais importantes para identificar quem está dentro do que quem está fora. Isto fica absolutamente claro no ciberespaço. E é por isso que fronteiras existirão pelos séculos e séculos além.

 

O ciberespaço não traz o fim das fronteiras no processo de tribalização, mas a substituição de fronteiras geográficas por fronteiras cibergráficas. Estamos assistindo ao nascer não de um ciberespaço, mas de infinitos micro-ciberespaços, criados, sustentados, defendidos e ampliados pelo agrupamento de indivíduos com afinidade a valores intelectuais comuns em lugar de valores físicos e materiais. Na comunicação virtual, a presença física e os atributos que a acompanham não podem ser percebidos. Mais do que isso, podem ser totalmente escamoteados, suprimidos, falseados. Não tenho cor ou tenho a que melhor me serve no momento. Não tenho rosto ou me pareço com o que penso. No ciberespaço, a dualidade da diferenciação/identificação está centrada nos referenciais de comportamento e cultura. Num certo sentido, o que poderia indicar um recrudescimento de atitudes segregacionistas, na verdade indica que no futuro as tribos serão muito mais dinâmicas quanto ao seu tempo de vida, ao número de participantes, intra-rotatividade etc.

 

A entrada nas cibertribos depende das mesmas premissas que hoje são necessárias para se entrar em um país. Precisaremos sempre estar munidos de um ciberpassaporte que nos credencie a entrar (e nos tornar parte) nas cibertribos. Neste ciberpassaporte deverão estar inscritas informações que nos torne bem-vindos. Seu tempo de permanência será limitado apenas por seu interesse e por seu comportamento. Siga as regras e conviva. Desrespeite-as e você será banido e impedido de retornar. Aliás, isto em nada difere de como tem sido através dos tempos.

 

Estamos entrando em outra dimensão do espaço.  A dimensão da virtualidade. Eu me conecto, logo existo. No mapa do ciberespaço de um futuro distante, nossos descendentes terão múltiplas ciberpersonalidades e cibernacionalidades.  Os ícones tribais transitarão em bits/segundo e as fronteiras serão as do conhecimento. O produto será a informação e a moeda será criptografada. E, no meio,  seremos a mensagem.