NÃO USEM NOSSO SANTO NOME EM VÃO

 

"Se você quiser acabar com as liberdades civis de uma sociedade, comece

pelas beiradas, suprimindo as liberdades impopulares, como as das minorias

- homossexuais, imigrantes estrangeiros ou fumantes. À medida que as

pessoas forem se acostumando você pode passar para medidas mais dolorosas,

como proibir que as pessoas se reúnam, que saiam de casa depois das 21h ou que tenham de pagar um novo imposto sobre cada cheque que emitirem."

Prof. José Roberto Whitaker Penteado

 

 

Recebo o boletim do CanalWeb e leio a nota “Comitê quer apoio para reprimir spam”. E descubro que estou sendo usado, manipulado, para interesses escusos. Eu e todos os usuários da internet, inclusive os eventuais partidários da proposta apresentada pelo CG de que só um “pacto com os provedores de acesso surtirá algum efeito prático contra os spammers.”

 

Já escrevi sobre este assunto aqui na IM. Já debati isto na lista Spam-br. Peço, portanto, desde já, perdão pelas redundâncias. Mas até elas são necessárias quando precisamos reforçar princípios de ética, de liberdade e de democracia. Essas coisas que o imediatismo das soluções fáceis rapidamente deixa de lado ou varre para debaixo do tapete.

 

Primeiro vamos a alguns fatos quanto ao meu comportamento sobre a questão.

 

a)  Não sou spammer. Isto significa, em primeiro lugar, que não faço da venda de listas de emails um negócio. Significa também que ao enviar alguma mensagem para endereços divulgados pelas pessoas através da rede, respeito os seguintes princípios: educação e síntese.

b)  Não abro mão do meu direito de usar a rede para propor comunicação ou divulgar meu trabalho. Para que haja comunicação entre duas pessoas é preciso que uma delas tome a iniciativa. E pode ser qualquer uma das duas.

c)  Não quero, não preciso, não aceito em nenhuma hipótese que qualquer pessoa ou entidade pretenda me privar de benefícios sob a alegação de, sem que eu tenha pedido, me proteger contra “emails não solicitados”. Além do prejuízo causado pela privação, considero absolutamente inconvenientes procuradores não autorizados e “não solicitados.

d)  Todas as minhas experiências quanto a envio do que convencionaram chamar de “mensagem não solicitada” foram excepcionalmente positivas. Repito: excepcionalmente positivas.

e)  Minha experiência pessoal como destinatário de “e-mails não solicitados” é muito, muito melhor que a de alvo de malas diretas impressas. Pela internet eu posso, a um custo irrisório de tempo e dinheiro, dizer que “não quero mais estar em sua lista”. E posso, ao contrário do correio tradicional, configurar meu filtro de e-mail para simplesmente direcionar para a pasta de “lixo”.

f)    Incomparavelmente eu perco muito mais tempo e dinheiro com o lixo que eu recebo via web - este sim, incontrolável - do que com “e-mails não solicitados”. Mas é incomparável mesmo! Coisa de 100 para 1, pelo menos. Observe você mesmo.

g)  O que eu desejo é ter, no futuro, mecanismos que me auxiliem na administração de todo tipo de informação que me seja encaminhada. Mais do que isso. Mecanismos que potencializem ao máximo a Internet em meu benefício.

 

Agora vou tentar expulsar a nebulosidade que ainda envolve este assunto:

 

a)  Como em qualquer atividade, existem os pilantras, os famosos 171s. Na internet, 171 é, por exemplo, o cara que ilude terceiros vendendo listas. Compra quem quer. Não é pelo fato de alguém vender porcaria que vamos fazer um “pacto” contra os vendedores. Este “pacto” até poderá existir - sempre existe um quando duas pessoas concordam sobre uma terceira - desde que realizado pelos próprios usuários, sem intermediários auto-proclamados policiais da sociedade.

b)  A verdade é que a ação destes “spammers” - como um monte de outras ações - prejudica, sim, os provedores de acesso pois sobrecarrega o processamento dos servidores de e-mail e, evidentemente, torna lento o tráfego através de seus links. Como eles não querem admitir que precisam investir mais para aumentar a capacidade de processamento e transmissão de dados, eles dizem que, como bons samaritanos, estão defendendo os nossos interesses tirando o direito de terceiros. Vamos deixar bem claro: os provedores podem e devem defender seus próprios interesses mas deixem o direito dos usuários fora disso.

c)  A tecnologia permite que alguns “spammers” se escondam utilizando um servidor de terceiro para funcionar como “autor” do spam. Uma ilegalidade. E nada de novo nela. Se é difícil pegar o contraventor, é outra questão. Mas, novamente, não nos envolvam nisso.

d)  Não existe qualquer pesquisa que aponte para uma insatisfação generalizada dos usuários em relação aos “e-mails não solicitados”. Muito pelo contrário. Esta lista é uma das provas disso. E existe uma pesquisa feita por Carlos A. Ligori.

e)  Toda nova tecnologia passa por um período de crescimento. Como os seres humanos, este processo também tem sua fase adolescente, caracterizada por utopias, inseguranças, agressividade, temor das incertezas e falta de recursos e habilidade para lidar com o futuro. Meu empenho em divulgar meus pontos de vista sobre este complexo tema é porque não quero pagar o “tremendo mico” de pertencer a um país empenhado em inibir a legítima ação de seus cidadãos, de pretender calar sua voz, de ver a Rede como uma propriedade de um grupo ou de um comitê.

 

Ainda esta semana, viajando pela ponte aérea de volta ao Rio, li um artigo na Folha de São Paulo - infelizmente não guardei o nome do autor - analisando a candidatura de Cesar Maia e a sua excepcional capacidade para criar factóides. O rótulo factóide se refere ao “fato que não é fato”. Ou seja, factóide é algo que eu quero que a mídia ou um grupo de pessoas pense que é um fato. Um factóide, portanto, tem que ser construído sobre um evento de difícil ou custosa verificação.

 

A ilegalidade do “email não solicitado” é um factóide. Dizer que “quem sai mais prejudicado com isso são os usuários” é o maior dos factóides. E é isto que os “sysops” (os responsáveis técnicos pelo funcionamento dos servidores) estão fazendo. É o que alguns executivos responsáveis pelas empresas provedoras de acesso estão fazendo. E, agora, é o que esta notícia gerada pelo CG está fazendo. Criando factóides.

 

O problema de tráfego na rede é um problema do qual o “spam” representa o segundo menor problema. O primeiro menor é o “email não solicitado”. Mas a autocracia, a injunção do outro à nossa vontade, a força, sempre surge como o caminho mais fácil quando não queremos olhar para nossas próprias deficiências, quando não queremos enfrentar o mais difícil. É sempre mais fácil culpar o outro por nossas mazelas.

 

Mas quais as variáveis que atuam?

 

·      Incapacidade em lidar com a liberdade dos outros.

·      Falta de recursos de toda ordem para a pesquisa e o desenvolvimento de soluções que preservem o direito de todos.

·      Incômodo com o lidar com o processo democrático que às vezes pode ser longo.

·      ...

 

E quais são as maiores causas do congestionamento de máquinas e backbones?

 

·      A web com todas as suas “imagens não solicitadas”;

·      A web com todos os “plug-ins” que nos são compulsoriamente exigidos;

·      A web com os lixos empurrados pela tecnologia “push”;

·      A web e os sites de hospedagem gratuita como o geocities que recentemente introduziu a tecnologia “push” empurrando janelas com “propaganda não solicitada “ para quem fez a gentileza de visitar nosso site;

·      A proliferação de canais de chat que ocupam modems por horas impedindo o melhor partilhamento dos escassos recursos;

·      O crescimento dos jogos eletrônicos on-line que idem;

·      O crescimento do uso de som e vídeo;

·      A ação dos robôs - redirecionadores, mecanismos de busca, serviços de auditagem etc. - que duplicam, triplicam o tráfego na rede;

·      A fase da Rede que ainda é de chegada de grandes volumes de novos usuários que terão que cumprir todo um trajeto de aprendizagem com base em suas próprias experiências pessoais;

·      Ataques de hackers (ou crakers, como queiram);

·      Email-bomb - ação de envio de centenas ou milhares de mensagens idênticas para uma mesma caixa postal ou servidor com o único intuito de provocar danos por overdose de tráfego, sem obter qualquer vantagem desta ação a não ser o “prazer” pelo dano causado.

 

Enfim, os problemas da Rede são todas as suas possibilidades. O problema da Internet é ser essa maravilhosa ferramenta para a qual nós ainda não temos infra-estrutura para potencializar.

 

O fato dos membros do CG não acreditarem em minha experiência pessoal nem na pesquisa do Carlos Ligori (URL abaixo), é absolutamente compreensível. O incompreensível é o CG participar da criação de factóides em lugar de viabilizar a contratação de uma empresa independente,  conceituada, de idoneidade inquestionável e competente, para fazer uma pesquisa ampla sobre o assunto junto a uma amostra de público que tenha uma distribuição idêntica à distribuição sócio-econômica dos usuários da Internet de hoje.

 

Eu não sou provedor de acesso. Eu não vendo listas de email. E eu não sou hipócrita. Eu sou um empreendedor que tem um projeto de negócios que se beneficia do combate ao “spam” e, portanto, deveria estar fazendo coro com essa proposta do CG. Mas não faço. Parece incoerente? Parece e é. Acontece que eu tenho como prioridade manter coerência com minha consciência.

 

Para encerrar, quero elogiar, incentivar e me colocar à disposição de Pedro Vazquez, coordenador do Grupo de Trabalho dedicado à segurança de redes do CG, que “vai preparar uma cartilha com orientações técnicas sobre como evitar a enxurrada de mensagens não-solicitadas.” Assim, cada um poderá fazer o que melhor lhe convier.

 

E, por favor, parem de usar nosso santo nome em vão!

 

Paulo Vogel

Não bata. Debata. Sem contra-indicações

 

 

REFERÊNCIAS:

 

Artigos da Internet Marketing já publicados: http://www.sendme.com.br/im/

Mensagem que enviei à lista spamm-br: pvogel/spamlog.htm

Cuidados ao enviar mensagem: http://www.sendme.com.br/pvogel/dicas.htm

Resultados da pesquisa de Carlos A. Ligori: http://www.vschool.com.br/pesquisa.

Comitê Gestor: http://www.cg.org.br/

Sub-grupo de Trabalho em Segurança do CG: http://www.pangeia.com.br/gtsprov/

Lista Spamm-br: http://www.antispam.org.br/

 

Este artigo, com todos os acentos e cedilhas, pode ser acessado através de:

http://www.sendme.com.br/im/

 

Rio, agosto de 1998