VADE RETRO SATANÁS!

 

Retorno ao teclado motivado pelo C@t. Ou melhor, pelo tema (cookies) da matéria de capa do último Informática Etc do Globo (13/03/00). Lá - http://www.oglobo.com.br/colunas/ -, entre outras, ele diz:

 

Que "no mundo virtual" permitimos coisas que "jamais toleraríamos no mundo real".

 

Com certeza. Mas não porque estejamos no mundo virtual e sim porque estamos em um mundo novo, desconhecido. Permitir é nosso instrumento de aprendizado, de assimilação, porque para refletir sobre o novo é preciso vivenciá-lo.

 

Diz mais. Que "nossas máquinas estão cheias desses bisbilhoteiros digitais", se referindo a cookies, e mais adiante diz que "iremos nos tornar vítimas indefesas" desse instrumento que ele faz parecer ser do demônio. Fiquei com a impressão de que o Carlos Alberto Teixeira fez a matéria em um dia de mau humor, pois não lhe é típico o uso de expressões que, nitidamente, visam exagerar para assustar. Mas o que mais me chamou a atenção aqui é o fato do C@t confundir a ferramenta com quem a usa. É como se ele acusasse o revólver de ser o assassino e não quem apertou o gatilho. Ou dissesse que o mau não está no diabo, mas no tridente que ele usa.

 

Coincidentemente, em artigo na mesma página, em sua coluna Trilha Zero, o B. Piropo usou, para outros propósitos, o seguinte exemplo: "Os que são contra os provedores gratuitos aproveitaram para advogar seu fechamento - algo tão sensato quanto fechar os correios porque podem ser usados para cartas anônimas".

 

De volta ao artigo do C@t. Ele diz que a "Web pode estar se transformando numa cela a que o usuário estará confinado" e como conseqüência, "prejudicando seriamente a confiança do consumidor na Internet".

 

A Web será o que nós usuários e consumidores quisermos que ela seja. Os prejudicados serão as empresas que traírem a confiança nelas depositada pelas pessoas. A primeira prova disso é o aperto que a DoubleClick está passando vendo o valor de suas ações despencarem e tendo que se explicar publicamente.

 

Que a "técnica, conhecida como profiling, permite que os donos do site venham a saber até a renda do usuário".

 

Bem, profiling não é uma invenção da Internet. Profile significa perfil. Desejar conhecer o perfil de consumidores é tão antigo quanto o comércio. Assim, os cookies não são o demônio, eles apenas permitem que o diabinho que habita em todos nós estenda seus domínios aos domínios da grande Rede. Mas o C@t sabe disso tudo. Tanto sabe que mais adiante ele diz:

 

Que a "Abacus Direct é uma empresa de serviços de marketing direto" que tem um banco de dados com hábitos de consumo sobre "90% das famílias americanas".

 

Ou seja, a Abacus (associada da DoubleClick) não precisou de cookies nem mesmo de Internet para montar esse "precioso" (é o C@t quem diz) banco de dados. Aliás, a Embratel tem uma boa base de dados para começar se quiser ter o mesmo que a Abacus, já que todo cidadão brasileiro que tem um telefone tem muitos de seus dados pessoais devidamente cadastrados em seu (dela) banco de dados.

 

Cookie é um nome boboca para uma coisa boboca que é um arquivo texto puro contendo alguma informação que ajude um Web-site a prestar um Web-serviço de forma mais inteligente, mais utilitária e mais prática para nós usuários. O mau uso não elimina esta verdade. Eu não sei se a Web que eu desejo vai ser com cookie ou com outra tecnoguloseima a ser inventada no futuro. Mas eu quero a Web que funcione para facilitar a minha vida. Disto eu não abro mão. E você?

 

O que precisamos fazer então? Ir direto ao ponto. Direto ao demônio. E nossa arma é o crucifixo da Constituição da República Federativa do Brasil. É só rezarmos pelas contas de alguns dos incisos do Art. 5º que trata dos direitos e liberdades. Em especial os seguintes:

 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

 

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

 

E, para aqueles que acham que ainda não há legislação específica para coibir os abusos, a falta de caráter e de escrúpulos de certos executivos e empresários envolvidos na Grande Corrida, deixo o inciso LXXXI que vem bem à conta:

 

"LXXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania:"

 

E para terminar, faço par com o Piropo quando, no mesmo artigo citado acima, ele se diz favorável à "liberdade absoluta de expressão", mas "igualmente favorável a responsabilizar as pessoas pelos seus atos".

 

É isso: responsabilizar as pessoas e empresas por seus atos. O meu, o seu, o nosso avô já sabia disso. Portanto, aplique-se a Lei.

 

Paulo Vogel

 

P.S.: Para os que ainda vivem às voltas com a Corrida do Ouro, indico a leitura do excelente artigo “O Paradigma Ponzi”, assinado por Paul Grugman, do New York Times, publicado em O Globohttp://www.oglobo.com.br/colunas/

 

Rio, março de 2000