EXTRATO DE: TODA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS

ED: JOSÉ OLYMPIO

 

 

Versos de alguns poemas.

 

 

O MORCEGO

 

A Consciência Humana é este morcego!

Por mais que a gente faça, à noite, ele entra

Imperceptivelmente em nosso quarto!

 

DEBAIXO DO TAMARINDO

 

Quando pararem todos os relógios

De minha vida, e a voz dos necrológios

Gritar nos noticiários que eu morri,

 

Voltando à pátria da homogeneidade,

Abraçada com a própria Eternidade

A minha sombra há de ficar aqui!

 

DUAS ESTROFES

 

A água quieta do Tejo te abençoa.

Tu representas toda essa Lisboa

De glórias quase sobrenaturais,

Apenas com uma diferença triste,

Com a diferença que Lisboa existe

E tu, amigo, não existes mais!

 

 

VOZES DE UM TÚMULL

 

A pirâmide real do meu orgulho,

Hoje que sou apenas matéria e entulho

Tenho consciência de que nada sou!

 

 

 

 

CONTRASTES

 

Por justaposição destes contrastes,

Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

 

Às alegrias juntam-se as tristezas,

E o carpinteiro que fabrica as mesas,

Faz também os caixões do cemitério!...

 

 

ASA DO SONETO

 

É com esta asa que eu faço este soneto

E a indústria humana faz o pano preto

Que as famílias de luto martiriza...

 

É ainda com essa asa extraordinária

Que a Morte - a costureira funerária -

Cose para o homem a última camisa!

 

SONETOS

 

1

A meu pai doente

 

Para onde fores, Pai, para onde fores,

Irei também, trilhando as mesmas ruas...

Tu, para amenizar as dores tuas,

Eu, para amenizar as minhas dores!

 

Que coisa triste! O campo tão sem flores,

E eu tão sem crença e as árvores tão nuas

E tu, gemendo, e o horror de nossas duas

Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

 

Magoaram-te, meu Pai! Que mão sombria,

Indiferente aos mil tormentos teus

De assim magoar-te sem pesar havia?!

 

- Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim

É bom, é justo, e sendo justo, Deus,

Deus não havia de magoar-te assim!

 

O CORRUPIÃO

 

A gaiola aboliu tua vontade.

Tu nunca mais verás a liberdade!...

Ah! Tu somente ainda és igual a mim.

 

Continua a comer teu milho alpiste.

Foi este mundo que me fiz tão triste,

Foi a gaiola que te pôs assim!

 

VANDALISMO

 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

 

VENCEDOR

 

Meu coração triunfava nas arenas.

Veio depois um domador de hienas

E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

 

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...

E não pôde domá-lo, enfim, ninguém,

Que ninguém doma um coração de poeta!

 

ETERNA MÁGOA

 

Sabe que sofre, mas o que não sabe

É que essa mágoa infinda não cabe

Na sua vida, é que essa mágoa infinda

 

Transpõe a vida do seu corpo inerme,

E quando esse homem se transforma em verme

É essa mágoa que o acompanha ainda!

 

QUEIXAS NOTURNAS

 

Quem foi que viu a minha Dor chorando?!

Saio. Minha'alma sai agoniada.

Andam monstros sombrios pela estrada

E pela estrada, entre estes monstros, ando!

 

BARCAROLA

 

Cantam nautas, choram flautas

Pelo mar e pelo mar

Uma sereia a cantar

Vela o Destino dos nautas!

 

O FIM DAS COISAS

 

E quando, ao cabo do ultimo milênio,

A humanidade vai pesar seu gênio

Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!

 

 

INFELIZ

 

Se nada te aniquila o desalento

Que invade, o pesar negro e profundo,

Esconde à Natureza o sofrimento.

 

E fica no teu ermo entristecida,

Alma arrancada do prazer do mundo,

Alma viúva das paixões da vida.

 

SAUDADE

 

Da saudade na campa enegrecida

Guardo a lembrança que me sangra o peito,

Mas que no entanto me alimenta a vida.

 

 

SONETO

 

Ah! Num delíquio de ventura louca,

Vai-se minh'alma toda nos teus beijos,

Ri-se o meu coração na tua boca!